Jornal Estado de Minas

Os povos indígenas e a lama da Samarco e da Vale: dois retratos

- Foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press
De uma tristeza maior que o mar de lama, os olhos de Seu Gervásio e Dona Laurita contam a mesma dor. Ele, pataxó-hã-hã-hãe, tribo que reivindica território na zona rural de Brumadinho, Grande BH; ela, krenak, moradora da reserva em Resplendor, região do Rio Doce. Os anciãos indígenas, cujas vidas toparam com a lama da mineração, foram fotografados pela reportagem do Estado de Minas em dois momentos: Gervásio Alves de Souza, de 93 anos, ainda observa atônito os peixes mortos na beira do Paraopeba, em decorrência do desastre na barragem da Vale. A imagem dele foi produzida esta semana. Dona Laurita Krenak, aos 86 anos, conversou com o jornal em novembro de 2017 para contar como a morte do Rio Doce assassinou também a fé de seu povo. No começo de 2018, ela faleceu, sem ver doces novamente as águas do rio que embalavam os rituais. Entre povos indígenas, o saber ancestral e a vivência dos mais velhos os tornam referência de sabedoria. Na tradição que pede a convivência respeitosa com o meio ambiente, rompimentos de barragem são um monstruoso aviso de que a exploração a qualquer custo terá mesmo os seus custos.
Os olhares publicados nesta página misturam dor, repreensão e melancolia diante da lente do homem branco. Aprenderemos com esse ensinamento?

Os pataxó-hã-hã-hãe chamavam o Rio Paraopeba de Mianga Baixu: água bonita
- Foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press



Os krenaks chamavam o Rio Doce de Uatu: água grande




Depoimento
Nosso ouro virou veneno
Sim! Podemos também escolher uma morte de súbito pela derrama dos minérios sem anúncio ou ameaças públicas feito bravata. Não haverá tempo para escapar, nada de poder seguir para outro abrigo, outro lugar de exílio, pois de súbito cai a lama tóxica podre de rica, um valor admirável agregado da mineração, nosso ouro virou veneno, a terra virou uma ferida - disse a tempo o poeta.
- Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor
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