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Estado de Minas

Ação judicial no Reino Unido pela tragédia de Mariana tem 240 mil adesões

Representantes dos atingidos pela lama de Fundão fazem manifestação na Inglaterra, onde foi aberta ação para cobrar indenizações para 240 mil pessoas, mil empresas e 24 cidades


postado em 06/11/2018 06:00 / atualizado em 06/11/2018 08:19

No Centro de Londres, manifestantes da área devastada pelo rompimento da barragem relembram a tragédia e denunciam o que consideram 'descaso' da Renova(foto: Letícia Aleixo/Divulgação)
No Centro de Londres, manifestantes da área devastada pelo rompimento da barragem relembram a tragédia e denunciam o que consideram 'descaso' da Renova (foto: Letícia Aleixo/Divulgação)


O processo de reparações por danos materiais e morais que o escritório anglo-americano SPG Law move em favor dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão ingressou ontem na corte da Inglaterra e do País de Gales. Como adiantou o Estado de Minas com exclusividade, o montante de reparações pode ultrapassar os 5 bilhões de libras (mais de R$ 24 bilhões, na cotação atual) a serem pagos pela BHP Billiton SPL – braço inglês da BHP Billiton, a controladora da mineradora Samarco ao lado da Vale. Aderiram à ação 240 mil pessoas, mil empresas, 24 municípios, representantes de igrejas católicas e evangélicas e a comunidade indígena Krenak. Se não houver acordo, a expectativa é de que o processo seja julgado até 2020 na corte de Liverpool. A segunda-feira também marcou a primeira manifestação internacional dos atingidos que, por meio de uma comitiva formada por cinco pessoas, denunciaram supostos descasos da Fundação Renova e relembraram a tragédia na região central de Londres.

Nos próximos meses, os advogados dos atingidos no Brasil e do escritório internacional vão começar os trabalhos de levantamento dos danos. Especialistas de renome internacional ajudarão a embasar os valores das reparações, que poderão superar em muito os geralmente pagos em indenizações brasileiras. Segundo o SPG Law, o processo será julgado em observância às leis brasileiras, mas os valores não serão limitados a essa jurisprudência.

Uma vez que a indenização for concedida, as indenizações serão depositadas diretamente nas contas bancárias dos atingidos. Aos advogados caberá uma parcela de 30% do valor da causa em caso de vitória, sendo que o SPG Law espera ter de investir algo em torno de US$ 20 milhões (mais de R$ 74 milhões). A ação corre sem custas processuais nem riscos para os atingidos. 

LONDRES
Não foi só por meio da ação movida pelo SPG Law que a Grã-Bretanha se tornou aliada dos atingidos. Ontem, dia em que a tragédia completou três anos, uma comissão formada por lideranças dos prejudicados pelo desastre chegou a Londres para denunciar violações de direitos às autoridades e à sociedade britânicas. Eles fizeram uma mobilização, com fotos do desastre e uma faixa, nas proximidades do Big Ben e da roda-gigante London Eye, no Centro da capital britânica. “O ato foi importante para trazer ao mundo, principalmente no país-sede da BHP, a lembrança de tudo aquilo que ocorreu. Essa tragédia jamais será esquecida. Ela deve servir de exemplo para que outras não ocorram. Várias pessoas pararam para ver nossa manifestação”, destacou Mauro Marcos da Silva, integrante da comitiva, que vivia em Bento Rodrigues, distrito de Mariana devastado pela lama que vazou da Barragem do Fundão em 2015.

Ainda ontem, o grupo de atingidos se encontrou com diretores da BHP Billinton. O grupo planeja, ainda, se encontrar com parlamentares britânicos, organizações não-governamentais e veículos de imprensa do país. Com isso, pretende-se denunciar atrasos, a falta de participação dos atingidos nas decisões da Fundação Renova e supostas investidas dessa organização para que sejam feitos acordos desfavoráveis às vítimas. “Viemos para Londres para questionar as atrocidades que a Fundação Renova tem cometido conosco. Ela foi constituída para reparar danos, mas tem criado mais danos e retirado direitos”, afirmou Mauro.

Para ilustrar as barreiras enfrentadas pelos 39 municípios atingidos pelo tsunami de lama, a comitiva preparou dois documentos para apresentar aos interlocutores: uma carta de reivindicações e um histórico do desastre e das denúncias de violações.

Além do atingido de Bento Rodrigues, o grupo é composto por Douglas Krenak, representante das comunidades tradicionais e povos indígenas da Bacia do Rio Doce; Joice Miranda, atingida de Barra do Riacho, comunidade de Aracruz (ES); Mônica Santos, vinculada a Bento Rodrigues; e Romeu Geraldo, ligado ao distrito de Paracatu de Baixo. “A gente pôde mostrar para a sociedade de Londres que existimos e também que nossas revindicações estão na mão oposta do que vem sendo feito no Brasil ”, ressaltou Joice.

Em nota, a Fundação Renova informou que “entende como legítima a manifestação dos atingidos e reafirma seu compromisso com o diálogo para a construção conjunta de soluções”. Também disse que “as questões levantadas (pela comitiva) já vêm sendo tratadas e têm sido enfrentadas com empenho, disposição para negociar, transparência e comprometimento com a maior ação de recuperação ambiental, social e econômica em construção no país”. Até aqui, segundo números da organização, foram investidos R$ 4,4 bilhões em quatro áreas: meio ambiente, economia, indenizações e auxílio financeiro e obras.

Tsunami de depressão persiste


“Cheguei a um quadro alguns meses atrás que parecia que viver ou morrer era a mesma coisa. Perdi a vontade, a perspectiva foi a zero. Mas quando tenho esses pensamentos, me lembro do meu pai, que está com 88 anos e vai precisar muito de mim ainda. Morávamos a 10 metros de distância. Hoje ele está em outra casa, e eu estou a dois quilômetros dele. Ele chora por causa dessa situação e aquilo corta o coração da gente.”

O depoimento de Romeu Geraldo de Oliveira, de 43 anos, é apenas um de vários relatos de depressão entre os moradores atingidos pelo maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil. Ele morava no distrito Paracatu, em Mariana, quando a lama de rejeitos que escapou da barragem da Samarco devastou toda a comunidade.

Ruínas de casa destruída no desastre: 30% dos atingidos sofrem depressão(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Ruínas de casa destruída no desastre: 30% dos atingidos sofrem depressão (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


As obras de reconstrução dos distritos atrasaram e, enquanto o reassentamento não ocorre, os atingidos vivem na área urbana do município, em casas alugadas pela Fundação Renova, que foi criada para reparar os danos causados. Romeu disse que só melhorou depois de procurar apoio profissional. “Chegou um ponto que eu não estava aguentando. E o atendimento psicológico tem me ajudado demais”, relata.

Em abril, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou um estudo sobre a saúde mental dos atingidos na tragédia. O levantamento mostrou que quase 30% deles sofrem com depressão. O percentual é cinco vezes superior ao constatado na população do país. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2015, 5,8% dos brasileiros tinham depressão.

O estudo apontou ainda para o diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada em 32% dos entrevistados, prevalência três vezes maior que a existente na população brasileira. Índices preocupantes também foram constatados em relação ao risco de suicídio e ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína.

Em Mariana, profissionais pagos pela Renove vêm atuando exclusivamente com os atingidos que sofreram deslocamento forçado dos distritos para a área urbana do município. Ela foi contratada pela Secretaria Municipal de Saúde em janeiro de 2016, três meses após o rompimento da barragem.


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