Violência doméstica que se repete. Perseguida pelo marido, que ameaçava matá-la, uma mulher pulou do segundo pavimento de uma casa em Montes Claros, no Norte de Minas, na noite de segunda-feira. Ela sofreu fraturas nas pernas e sobreviveu. A.Q.R., de 31 anos, segue em recuperação, internada na Santa Casa da cidade. O ataque é um retrato da violência contra as mulheres, que somente até setembro levou ao menos 72 vítimas de feminicídios no estado.
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Ainda segundo o depoimento dado à polícia, a vítima conseguiu escapar do agressor e pulou do pavimento superior, caindo na calçada. A mulher sofreu fratura exposta no tornozelo e outras, nas pernas e no joelho. Ela gritou por ajuda e foi auxiliada por um vizinho, que chamou a equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência, sendo levada para o Pronto-Socorro da Santa Casa de Montes Claros.
O caso de A.Q.R é mais um de violência doméstica contra mulheres, crime com alta incidência no estado, apesar do aumento da pena contra os agressores previsto na Lei Maria da Penha e da criação de medidas protetivas às vítimas. Felizmente, desta vez a vítima sobreviveu. Mas não foi essa a sorte de tantas outras no estado. Na mesma região onde mora A.Q.R., dois outros casos, ocorridos num único fim de semana setembro e ganharam o noticiário, exemplificam essa realidade: em Montes Claros, Elaine Figueiredo Lacerda, de 61, foi morta a tiros pelo marido, Calcivo Deusdete de Freitas, também de 61, na porta de casa em um bairro de classe média; na localidade de Quem-Quem, zona rural de Janaúba, Valdilene de Brito Medeiros, de 28, foi morta pauladas e facadas pelo companheiro Rodrigo Aparecido de Souza, de 29.
Feminicídio Para a juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues – que atuou no julgamento do ex-goleiro Bruno Fernandes, condenado, junto com comparsas, pela morte e desaparecimento do corpo de Elisa Samudio –, a visão da mulher como objeto sustenta a perpetuação do feminicídio. “Esses crimes nada mais são do que a repetição de padrões de comportamento de agressores que aprenderam no curso de sua vida inteira a ver a mulher como um objeto de posse, como um ser que a eles devia não apenas o amor e companheirismo, mas principalmente obediência, subserviência e dependência”, afirma a juíza.
Segundo ela, a Lei Maria da Penha, “com seu leque de medidas protetivas, é um grande avanço na proteção das mulheres” e ajuda a conter a violência doméstica. Entretanto, analisa, por si só, é insuficiente para coibir os feminicídios. “Eles continuam a ocorrer devido à “perpetração da cultura da violência e da intolerância”, afirma a magistrada, que atualmente preside o primeiro Tribunal do Júri da capital.
O delegado regional de Montes Claros, Jurandir Rodrigues César Filho, chama a atenção para a necessidade de a mulher lançar mão das medidas protetivas. “As mulheres agredidas, não devem, em hipótese alguma, permanecer em situação de violência. Elas devem procurar as delegacias especializadas no atendimento à mulher, onde vão receber acolhimento de acordo com a sua necessidade”, aconselha o delegado. Segundo ele, em Montes Claros, a delegacia da área atende por dia, em média, 20 mulheres e encaminha à Justiça em torno de quatro pedidos de medidas protetivas.
A defensora pública Laurelle Carvalho Araújo, do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), da Defensoria Publica de Minas Gerais em Belo Horizonte, concorda. “A Justiça não terá um olhar (para as vítimas de violência) se elas não informarem ao juiz que precisam das medidas de proteção”, avalia.
Crimes em série
Dados da Polícia Civil de Minas Gerais mostram que, de janeiro a junho, 61 mulheres foram assassinadas por motivos de menosprezo ou discriminação, ou por violência doméstica no estado. No mesmo período do ano passado, foram 62 ocorrências. Levantamento do Estado de Minas com base nos casos noticiados identificou, de julho a setembro, ao menos outras 10 ocorrências registradas no estado se enquadram no crime de feminicídio.