Jornal Estado de Minas

Média de acidentes de trânsito envolvendo bicicletas salta 20% em Belo Horizonte

- Foto: Arte EM

Luís Filipe Marques, de 19 anos, foi pedalar na orla da Lagoa da Pampulha. Na volta, ao passar pela Rua Póvoa de Varzim, no Bairro Jardim Paquetá, na mesma região, foi atropelado por um condutor com sinais de embriaguez, que trafegava pela contramão. Luís era soldado do Exército. Filho único, foi enterrado no Dia dos Pais deste ano, sob forte comoção dos familiares e amigos. No local do acidente, está hoje uma bicicleta pintada de branco, adornada com flores, e um cartaz que cobra justiça e respeito no tráfego. Esse tipo de homenagem, conhecido como “ghost bike”, é instalado em locais de desastres que resultam na morte de ciclistas. O movimento, adotado no mundo todo com o intuito de alertar motoristas, tem se tornado tristemente mais comum em Belo Horizonte, em um contexto em que crescem na cidade o número de automóveis e de adeptos do pedal, e paralelamente o de acidentes envolvendo ciclistas. Às vésperas da Semana Nacional do Trânsito, que começa amanhã, ativistas das duas rodas dizem que o quadro é motivo para aumentar a conscientização e a visibilidade desse meio de transporte pois, sustentam, quanto mais gente trocar o carro pela bike, menores serão os riscos.

O desastre que tirou a vida de Luís Filipe foi uma das 284 ocorrências de trânsito envolvendo bicicletas nos oito primeiros meses deste ano nas ruas de Belo Horizonte.
A média mensal vem aumentando: enquanto em 2016 foram 16,16 ocorrências a cada 30 dias, a taxa bateu em 17,08 no ano seguinte e saltou para 19,5 entre janeiro e agosto de 2018, aumento de 20% nos últimos dois anos,  segundo números mais recentes disponibilizados pela Polícia Militar (veja gráfico). De acordo com o tenente Marco Antônio Said, porta-voz do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar de Minas Gerais, o perfil predominante das colisões é exatamente aquele que vitimou o soldado: “Normalmente, os acidentes ocorrem entre veículos de passeios e bicicletas. E são acidentes feios, porque, de fato, o ciclista está em uma posição de vulnerabilidade, assim como o pedestre. Como a própria lei de trânsito prevê, condutores de veículos maiores precisam ter cuidado com os menores”.

Foi na noite de 11 de agosto que o empresário Geraldo Figueiredo, de 42, ouviu o choro de uma mãe ao ver o filho atropelado pela imprudência de mais um motorista. Dono de um restaurante na Rua Póvoa de Varzim, no Bairro Jardim Paquetá, onde ocorreu o atropelamento, ele não se esquece da cena: “Escutei um barulho muito alto. Quando fui ver do que se tratava, avistei um corpo estendido no chão e um carro fugindo, acelerando. A bicicleta entrou debaixo do carro, e só por isso o motorista não conseguiu escapar”, descreve.

Ele contou que um grupo de pessoas correu em direção ao condutor, depois identificado como Gabriel Palhares Girão, de 23, para não deixá-lo fugir, “Tomaram o celular dele e chamaram a PM.
Ele estava com sinais de embriaguez, mal sabia o que tinha acontecido”, lamenta o empresário que testemunhou a cena. De acordo com o boletim de ocorrência registrado na data, o carro acertou o jovem em sua bicicleta, jogando-o contra um muro. O motorista dirigia na contramão, após ultrapassar três carros, segundo a polícia. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi chamado, mas Luís morreu no local.

Os sinais de consumo de álcool pelo condutor eram claros, segundo o boletim. Os policiais registraram que ele apresentava olhos vermelhos e hálito etílico, e que se recusou fazer o teste do bafômetro. Mesmo assim, de acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Civil, foi preso por dirigir alcoolizado e teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) apreendida. O inquérito está em andamento e depende do fim da perícia.

A morte de Luís Filipe expõe a falta de respeito no trânsito, mas também, para quem conhece a região, as deficiências de infraestrutura que submetem especialmente pedestres e ciclistas a risco: “A rua é perigosa e outros acidentes já aconteceram no mesmo ponto. Já pedimos um quebra-molas, exatamente onde ocorreu o desastre.
Esse caso foi de pura imprudência do motorista, mas um quebra-molas ajudaria a diminuir a velocidade do carro. Ele estava a pelo menos 100km/h”, disse Geraldo Figueiredo.

Passeio ciclístico estimula doação de sangue e reflete popularização das bikes em BH: adeptos pedem passagem e cobram mais respeito no trânsito - Foto: Jair Amaral/EM/DA PressGHOST BIKERS Em 25 de agosto, moradores do bairro onde ocorreu o desastre, familiares e ciclistas se reuniram para fazer manifestação, cobrar justiça e conscientizar motoristas. O grupo partiu da igrejinha da Pampulha e seguiu para a rua onde ocorreu o atropelamento. Lá, houve um ato para a instalação da ghost bike. As bicicletas brancas servem como um alerta aos condutores de automóveis,  para que tomem cuidado com as vidas que pedalam pelas ruas. “O padrão é usar a bicicleta da vítima, pintá-la de branco e retirar peças que chamam mais a atenção, como bancos e pneus”, explicou o ciclista Carlos Edward Campos, de 52, integrante da Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo). O protesto de amplitude mundial chegou ao Brasil por volta de 2009, em São Paulo. Na capital mineira, sabe-se de bicicletas que foram instaladas na Via Expressa, na Avenida Pedro II e na Avenida Cristóvão Colombo. Entretanto, não há um número preciso de registros.

Apesar do alerta pela conscientização, Carlos Campos frisa que os ciclistas não devem ser desestimulados diante desse tipo de situação. “Se pensarmos do ponto de vista da segurança, andar de bicicleta é muito mais seguro do que andar de carro ou de moto na cidade.
Está longe de ser perigoso. No Brasil, morrem mais de 50 mil pessoas por ano vítimas de acidentes automobilísticos e ninguém para de usar o carro, ninguém fala que é perigoso. Na verdade, a ameaça na cidade é o carro”, afirma.

Ciclistas buscam recorde e maior visibilidade


A média mensal de acidentes envolvendo ciclistas em Belo Horizonte subiu nos últimos dois anos, paralelamente ao aumento da frota de veículos motorizados e à percepção de maior adesão da população às pedaladas. Mas, para ativistas das duas rodas, a tendência é de que quanto mais bicicletas haja nas ruas, maior a conscientização, devido à visibilidade que o movimento vai ganhando. E a meta é que os números de ocorrências envolvendo bikes diminua, com maior ocupação dos espaços urbanos. “Isso acontece em consequência da mudança de comportamento das pessoas em relação à bicicleta”, explica Amanda Cristine Alves Corradi, de 27 anos, ciclista e integrante da Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo). A capital ainda passa por um processo de conscientização dos motoristas e ocupação de espaços pelas bikes: “Infelizmente, a gente passa despercebido muitas vezes, e isso é um problema. Uma das maneiras de garantir a segurança é fazendo ações que aumentem o número de adeptos da bicicleta”, afirma. Outra é ampliando a quantidade de ciclovias, consideradas ainda tímidas e fragmentadas.

É preciso abrir caminho para um contingente que não para de crescer, nem de pedalar. Em 2018, a previsão é de que 100 mil bicicletas passem pelo contador instalado na Avenida Bernardo Monteiro, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Um recorde que deve representar um aumento de pelo menos 14% em relação a 2017, quando o marcador registrou 87.139 ciclistas.

Os ativistas da BH em Ciclo explicam que, pelos números do contador, com início de funcionamento em 1º de julho de 2016, já é possível comparar cada um dos 12 meses do ano com o respectivo período do ano anterior. “Até o dia 12 deste mês, 71.942 ciclistas passaram pelo trecho. Acreditamos que vamos alcançar o recorde”, avalia Amanda Corradi. O grupo até organizou um bolão para apostar em que dia e hora que o contador registrará os 100 mil, e qual o número total de ciclistas contabilizado ao fim de 2018.

Segundo a BH em Ciclo, em média, uma pessoa é vista pedalando a cada 13 segundos e 273 a cada hora na capital mineira. No horário de pico, esse número pode aumentar: um a cada oito segundos. Os números fazem parte da pesquisa Contagem de Ciclistas 2017, que teve como objetivo gerar dados que possam ser usados para orientar e monitorar ações do poder público e da sociedade civil, visando a garantir o direito de usar a bicicleta como meio de transporte.

O levantamento foi realizado outras duas vezes e, comparando as versões anteriores, percebe-se que houve aumento anual desde 2010. “Visualmente, a gente percebe que aumentou. Tem mais gente pedalando pela capital, mas não conseguimos mensurar o impacto na cidade inteira”, completa a cicloativista Amanda Corradi.


 

 

Ciclovias em marcha lenta


Belo Horizonte conta hoje com 89,93 quilômetros de ciclovias, com tendência de ampliação. A lógica adotada pelo município foi criar pistas nas regionais e, gradativamente, ir unindo a rede cicloviária, com a meta de chegar a 2020 com 411 quilômetros, já que o Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte identificou aproximadamente quatro centenas de quilômetros de rotas que poderiam ser demarcadas e destinadas ao ciclismo. Com isso, a expectativa é que 6% de todos os deslocamentos da capital se deem por bicicleta.

Mas o quadro atual é considerado vergonhoso por cicloativistas. “Muito aquém do que deveria ser. A malha cicloviária é fragmentada. Não existe uma conexão entre as pistas. São pedaços espalhados na cidade e isso não promove um deslocamento inteiro de forma segura”, critica Amanda Corradi. Para atingir sua própria meta, segundo ela, a prefeitura precisaria criar 13 quilômetros de ciclovia por mês – mas não atinge esse número nem anualmente.

Carlos Edward Campos, de 52, também da BH em Ciclo, concorda de que é muito difícil que o objetivo seja alcançado: “As ciclovias são poucas e são desconectadas, porque a implantação delas parou. Entretanto, o projeto que prevê mais de 400 quilômetros – obviamente, quando totalmente implantado –, vai ter conexão entre as estruturas cicloviárias e entre elas e os meios de transporte público”, disse.

Ele também pondera que não basta construir ciclovias para tornar a cidade segura, uma cidade “ciclável”. “As estruturas cicloviárias, ciclovias e ciclofaixas, são importantíssimas, principalmente, em vias de trânsito pesado. Mas em nenhuma cidade do mundo há essa estrutura em cada metro de via pública. O espaço tem de ser compartilhado”, destaca.

Por isso, para Campos não se trata de restringir ciclistas e pedestres a espaços delimitados, mas sim de reduzir velocidades. “Existe uma tendência mundial de criar as famosas zonas 30, zonas 20, que são áreas onde as pessoas podem caminhar e os carros vão passar (em velocidades limitadas), as bicicletas vão andar e todo mundo vai usar o mesmo espaço. Nas regiões de grande concentração, por exemplo, dentro da Avenida Contorno, não deveria ser permitido veículos transitando a 60km/h”, defende. “A redução de velocidade, mais estruturas cicloviárias, mais toneladas de campanhas educativas perenes vão transformar a cidade, em alguns anos, em uma cidade ciclável, onde ciclistas e pedestres não vão ser mais abatidos nas vias.”

Segundo a BHTrans, não há previsão de recursos neste momento para as ações prometidas para o setor. A estimativa é de que, em média, cada quilômetro de ciclovia custe cerca de R$ 150 mil. “A questão econômica atual do país impacta na evolução dessa quilometragem. Contudo, é fundamental, além de criar as estruturas de ciclovia e os bicicletários/paraciclos, educar e conscientizar a população sobre a importância da bicicleta na mobilidade sustentável que queremos para Belo Horizonte,” informou a assessoria da empresa municipal.

 

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