Jornal Estado de Minas

TJMG julga se uniformiza sentença sobre parte de 50 mil processos contra a Samarco

Governador Valadares sofreu com a falta de água durante uma semana na época do rompimento a Barragem do Fundão, em Mariana, que afetou o leito do Rio Doce e exigiu a suspensão da captação - Foto: Túlio Santos/EM/DA Press - 16/11/15
Quase 50 mil processos contra a Samarco estão parados nos juizados especiais de cidades banhadas pelo Rio Doce, em Minas Gerais. As ações questionam desde a qualidade da água depois do rompimento da Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, na Região Central de Minas, danos e prejuízos até a responsabilidade da empresa pela tragédia, que completa três anos em novembro. As tramitações foram suspensas depois de a mineradora entrar com vários pedidos de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs), na tentativa de buscar no Judiciário uma sentença única para a enxurrada de casos. Somente em Governador Valadares, na Região Leste do estado, 47 mil processos estão nessa situação. Hoje, é dia decisivo para a questão. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) julga, à tarde, em Belo Horizonte, se vai admitir ou não a possibilidade de uniformizar as decisões.

O IRDR pode ser suscitado por alguma das partes envolvidas ou pelo próprio magistrado quando há várias ações questionando o mesmo assunto ou pedindo reparações semelhantes. Admitindo o incidente, uma decisão vale para todos, logo, todas as ações têm o mesmo resultado. Mas, enquanto isso não é definido, os processos ficam suspensos, aguardando o entendimento da Justiça sobre se serão julgados de maneira única ou individualmente.

Pelo menos quatro pedidos foram feitos pela mineradora.

Hoje, duas teses estão na pauta do julgamento para instauração de IRDR. Uma delas é a apuração da prática de ato ilícito pela Samarco quanto ao rompimento da Barragem do Fundão, bem como sobre os danos causados pela suspensão do abastecimento de água potável no município de Galileia, vizinho de Valadares, em razão daquela que é considerada a maior tragédia socioambiental da história do país. “O acidente causou extensos danos a um imensurável número de pessoas, sendo que incontestáveis ações vêm sendo propostas visando ao ressarcimento dos prejuízos causados e considerando-se a multiplicidade de ações versando sobre o mesmo fato jurídico, impor-se-ia a instauração do presente incidente”, afirma o relatório do desembargador Amauri Pinto Ferreira.

A outra tem a ver com ações da cidade de Governador Valadares, que ficou sem abastecimento de água durante uma semana na época do rompimento. A tese a ser definida pelos desembargadores discute a legitimidade, sua forma de comprovação, a caracterização do dano acerca da qualidade da água fornecida depois da retomada de seu fornecimento, os critérios para sua verificação e, por fim, o valor da indenização em razão do rompimento da barragem. O tema teve idas e vindas por causa de pedidos de vista. Foi incluído na pauta em novembro do ano passado e, este ano, voltou a sessões ocorridas em fevereiro, maio e junho. Pelos rumos do processo, a tese não deve ser acatada pelos magistrados.
Até o momento, três desembargadores admitiram o incidente de resolução de demandas repetitivas, um o admitiu parcialmente e cinco o rejeitaram. Falta o voto de um magistrado.

COMPETÊNCIA Dos outros dois IRDRs, um foi acolhido e outro, rejeitado. A mineradora teve sucesso até o momento no requerimento que discutiu se os juizados especiais são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais. E também aquelas que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da Barragem do Fundão. A Samarco alegou a natureza técnica complexa da questão e a necessidade de produção de prova pericial, o que seria incompatível com o procedimento da Lei 9.099/1995, que trata dos juizados especiais.

No fim de maio, a Corte admitiu o IRDR e fixou tese jurídica sustentando que os juizados especiais não são competentes para processar e julgar ações que tratam de problema no fornecimento de água ou de pedidos de indenização por danos morais relacionados nas cidades que captam água do Rio Doce. Os 10 desembargadores, por unanimidade, entenderam que tais ações tratam de questões de natureza técnica complexa, por isso, é imprescindível a produção de prova pericial para apurar o dano. Eles decidiram ainda que só podem ser julgados nos juizados especiais os casos que tiverem prova já produzida em outro processo acerca da qualidade da água, desde que todas as partes tenham se manifestado. O magistrado impôs a extinção das ações que questionam a qualidade da água e a necessária postulação dessa matéria na Justiça comum.

Se nesse mérito a Corte deu razão à empresa, em outro, não admitiu as alegações.
Há um ano, a Samarco perdia sua primeira batalha no quesito IRDR, ao não conseguir a uniformização de sentenças para as ações que pedem indenizações pelo ato ilícito praticado pela mineradora em virtude do rompimento da Barragem do Fundão, bem como sobre o aumento do preço da areia para construção e da areia fina usada para acabamento, impactando na atividade econômica desenvolvida por profissionais da construção civil. Esses casos continuarão sendo analisados individualmente.

RAPIDEZ
A Samarco informou, por meio de nota, que o objetivo do IRDR é buscar junto ao TJMG “uma uniformização dos critérios para fixação dos valores das indenizações em razão da interrupção do abastecimento público de água após o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015. A iniciativa busca dar mais agilidade na resolução das ações judiciais e compensar os cidadãos de forma rápida, justa e eficaz”.



TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO Paralelamente à suspensão dos processos contra a Samarco Mineração S.A. que aguardam o julgamento de pedido de Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) correm ações de conciliação. Isso porque os processos que foram encaminhados para acordo, por meio do Posto Avançado de Autocomposição (PAA), podem ou não coincidir com as ações que foram suspensas por meio do IRDR. O PAA foi criado em setembro do ano passado, em Governador Valadares, por meio de cooperação técnica entre o Tribunal de Justiça de Minas Gerais com a Fundação Renova, entidade constituída pela Samarco e suas controladoras, Vale S.A. e BHP Billiton. O convênio tem validade de um ano.

O novo Código de Processo Civil e a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estimulam a conciliação a qualquer tempo, seja antes ou depois da existência de um processo. Assim, não há obstáculo a que num processo suspenso, aguardando julgamento do IRDR, seja feito um acordo entre as partes. Com o acordo homologado, o processo é finalizado e deixa de ser afetado pela decisão futura do IRDR.
Se, por outro lado, as partes não julgarem o acordo conveniente, elas podem seguir com a ação.

Nas audiências de conciliação, há a homologação, pelo juízo, dos casos em que houver acordo. Depois dessa etapa, a Fundação Renova quita as indenizações por meio de um cartão pré-pago. Se depois da audiência não há conciliação, o caso retorna para a fila, no Juizado Especial de Governador Valadares. De acordo com secretaria do juizado, mais de 36 mil audiências foram feitas desde o início do PAA, com alguns acordos firmados. A média é de 224 audiências diárias.

Procurada, a Samarco não informou sobre a quantidade de acordos firmados até o momento nem sobre o valor das indenizações.

Confira o que é o IRDR e as questões que estão em discussão


Entenda:

>> O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas busca uma sentença única para todos os casos. Ele pode ser suscitado por alguma das partes envolvidas ou pelo próprio magistrado quando há várias ações questionando o mesmo assunto ou pedindo reparações semelhantes. Admitindo o incidente, uma decisão vale para todos, logo, todas as ações têm o mesmo resultado.

>> Para a instauração do IRDR, é necessário um contingente elevado de ações, mas, uma vez que se atinge esse número e o incidente é admitido, nada impede que novas ações ingressem no Judiciário. As demandas são paralisadas sempre que se identificar que elas têm o mesmo objeto que aquele delimitado pelo tema do IRDR.

>> Somente em Governador Valadares, na Região Leste do estado, 47 mil processos estão nessa situação.

O que está em julgamento em cada pedido de IRDR feito pela Samarco ao TJMG:


>> 1- Discute-se sobre a ocorrência, ou não, de ato ilícito praticado pela Samarco Mineração S/A em virtude do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, bem como sobre os danos causados pela suspensão do abastecimento de água potável no município de Galileia em razão do acidente.
Situação: na pauta da sessão de hoje.

>> 2- Discute-se sobre a ocorrência, ou não, de ato ilícito praticado pela Samarco Mineração S/A em virtude do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, bem como sobre o aumento do preço da areia para construção e da areia fina usada para acabamento, impactando na atividade econômica desenvolvida por profissionais da construção civil.
Situação: inadmitido em 28 de agosto de 2017

>> 3- Discute-se legitimidade ativa, sua forma de comprovação, a caracterização do dano em razão de dúvida subjetiva acerca da qualidade da água fornecida, depois da retomada de seu fornecimento em Governador Valadares, os critérios para sua verificação e, por fim, o valor da indenização em razão do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana.
Situação: na pauta de hoje. Até o momento, três desembargadores admitiram o IRDR, um admitiu parcialmente e cinco não admitiram. Falta o voto de um magistrado.

>> 4- Discute-se se os juizados especiais são competentes para processar e julgar demandas que têm como objeto o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais.
E também aquelas que trazem entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas em decorrência do rompimento da Barragem do Fundão.
Situação: No fim de maio, a Corte admitiu o IRDR e fixou tese jurídica sustentando que os juizados especiais não são competentes para processar e julgar ações.