Jornal Estado de Minas

'Japoneiros': intercâmbio cultural entre Minas e Japão cresce a cada ano

Diogo Porto da Silva conheceu Mariko Sato quando estudava filosofia: acolhimento em dois idiomas - Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Um comporta quase seis vezes a população do outro, em território uma vez e meia menor. No mapa-múndi, estão em posição oposta, mas na vida concreta, nem a barreira do idioma impede a troca de conhecimentos de duas culturas tão diferentes, conectadas há 60 anos, quando os primeiros moradores do País do Sol Nascente chegaram ao território mineiro. Destino não tão comum, o Japão tem sido opção cada vez mais procurada por mineiros que sonham estudar no exterior. Do lado de cá, Minas atrai cada vez mais japoneses interessados em desvendar os encantos das Gerais e recebe parte considerável dos estudantes nipônicos que escolhem o Brasil para fazer intercâmbio. Em alguns casos, a experiência de viver em um país com costumes diversos daqueles da nação de origem deu certo a ponto de fazer a busca pelo saber terminar no altar.

Novidade. Para o design Frederico Nunes, de 23 anos, esse é o maior chamariz para jovens que desejam fazer intercâmbio no Japão. Há três anos, como presente de formatura, ele passou três meses viajando pelo país. Encontrou brasileiros fazendo faculdade, outros que haviam passado em concurso em prefeituras locais e diversos outros exemplos.

Coordenador do Instituto de Cultura Oriental (ICO), no Bairro São Lucas, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, aproveitou para visitar escolas com a quais a instituição tem parceria. “Com uma semana perdi o medo de errar o idioma. Em Tóquio, as pessoas se comunicam em inglês com os estrangeiros, pois a última coisa que imaginam é que você sabe falar japonês”, diz.

Ele até pensou em estender a viagem, mas decidiu voltar ao Brasil e esperar completar 25 anos de idade para tentar uma bolsa de mestrado em planejamento estratégico no Japão. Espera, desse modo, evitar a burocracia para tirar o visto. “Não negam o visto, mas pedem cada vez mais documentos para ter a certeza de quem está entrando no país. Eu tinha a certificação do trabalho, das escolas que ia visitar e carta de recomendação e, mesmo assim minha documentação voltou três vezes”, conta.

Frederico relata que, nos últimos cinco anos, pelo menos oito alunos na faixa de 20 anos foram estudar no Japão para fazer graduação, doutorado, acordos de intercâmbio e outras bolsas. Outros tantos foram só para conhecer.
“Muitos brasileiros que nem são descendentes de japoneses acabam gostando do país oriental por causa da cultura. Antes, os alunos entravam influenciados por algum desenho e só depois começavam a pensar em uma escola no Japão. Hoje já tem gente no básico pensando em bolsa de estudos.”

DEMANDA O aumento do interesse é registrado também pela World Study. “Nos últimos três anos, houve crescimento da demanda para a Ásia em geral. E a grande procura é por parte de adolescentes, por influência da cultura e em busca de experiência completamente diferente. Os meninos chegam hoje aos 15 anos com um inglês muito bom, por isso, querem um novo idioma”, afirma a gerente regional da agência em BH, Simone Gomes. Outro atrativo são os influenciadores digitais japoneses, verdadeiras febres entre os jovens. Segundo Simone, nem os adultos escapam: adoram conciliar o aprendizado do idioma enquanto curtem as férias.

Na agência, a maior demanda de estudantes tem sido para a high school, o equivalente ao ensino médio brasileiro.
E aí vem a comprovação de que o idioma japonês tem feito a cabeça da meninada, pois para se candidatar a uma vaga é pré-requisito ter conhecimento pelo menos intermediário da língua e comprovar que estuda o idioma há pelo menos três anos.

A estudante Isadora Santos, de 18 anos, foi uma dessas alunas. Ela voltou ano passado, depois de uma temporada de 10 meses, e se revela uma mineira de alma japonesa. O intercâmbio a ligou de vez a um amor antigo. Amante da cultura, fã de games e da moda japonesa, começou a assistir animes, desenhos animados japoneses, quando tinha 11 anos. Ela desenha e, em seu traço, há toda a influência do estilo oriental. Diante de tantas evidências, o pai a matriculou em um curso, em que estudou durante dois anos. “A ficha dessa experiência não tinha caído nem quando voltei ao Brasil. Fui com uma expectativa baixa, pois muita gente me falou que eu teria de me esforçar muito na escola e de acostumar com a comida. E, no entanto, fui muito bem recebida.”

Entre as orientações, aula de boas maneiras e para onde ir em caso de terremoto e tsunami. Isadora retornou com fala, escrita e leitura fluentes.
“Tenho muita vontade de voltar. Percebi que minha vida lá era muito mais feliz do que no Brasil. Amo minha família, mas a liberdade lá é muito maior e há mais opções do que fazer”, conta a menina, que sonha em fazer a graduação no Japão.

Na escola, Isadora se impressionou com a dedicação dos estudantes. Primeiro, são raras as mudanças de instituição durante os ensinos fundamental e médio. do mesmo jeito que a atenção dos professores com os alunos é grande, grande também é o respeito pelos mestres. Conversa em sala de aula é algo que não existe. “As pessoas imaginam os japoneses frios e eles acham que somos pegajosos. O brasileiro tem essa coisa de abraçar e beijar. Não recebi nenhum abraço no meu tempo lá, mas eles são muito afetivos de outro jeito. Mostrar afeto e gentileza é tão comum quanto aqui, mas de um modo diferente.”


Dos estudos ao altar

Tem amor pelo país tão forte que ultrapassou a linha dos estudos.
O professor de japonês e doutorando em filosofia Diogo César Porto da Silva, de 30, morou três anos no Oriente para fazer mestrado na Universidade de Kyusho, na cidade de Fukuoka. Aos 18 anos, por curiosidade, começou a estudar japonês, já que gostava de animes e mangás. Em 2011, o aluno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conseguiu uma bolsa para estudar filosofia japonesa, área com poucos pesquisadores no Brasil, a mesma linha de pesquisa do doutorado. E no meio de tantas descobertas, conheceu a engenheira química Mariko Sato, de 27, com quem se casou em 2015.

“Fui muito bem acolhido pelo meu professor e colegas de departamento. E o que mais me impressionou é que, diferentemente da UFMG, as áreas de humanas têm departamentos bem reduzidos. Aqui, eram 25 professores só na filosofia. Lá, eram três”, conta. Nenhum choque cultural, mas muitos na vida cotidiana. “No Japão, funciona tudo como um reloginho e eles têm muita dificuldade para lidar com o imprevisto. Tive dificuldade em me adaptar a essas regras muito quadradas, que não dão espaço para um pouco de liberdade. Isso foi o que mais me causou dificuldade. Fora isso, são muito receptivos e prestativos.”

Diogo voltou, a então namorada veio por duas temporadas, até o casamento no Japão. “Ela é mais brasileira do que eu”, brinca ele. Ela fez curso de português para estrangeiros na UFMG e de cosmetologia e pós-graduação em São Paulo. Conta que quando chegou, em 2014, a adaptação foi difícil pela falta de conhecimento do idioma e diante de uma cultura tão diferente. Em sala de aula, o que mais chamou a atenção foi a comunicação mais próxima entre professor e aluno. “No Japão, em uma aula da escola fundamental até a universidade, professor e aluno nunca conversam muito. Aula para mim era o professor falar e o aluno ouvir. No Brasil, os alunos perguntam quando não entendem. E o professor também conversa com o estudante durante a aula”, diz. “Isso que foi difícil para mim também, porque para mim aula era mais ouvir o professor e não atrapalhá-lo, deixando para tirar dúvidas depois. No Brasil, os alunos tiram a dúvida durante a aula.”

Já a comida, a natureza e o tamanho do estado impressionaram: “Cabe duas vezes o Japão em Minas Gerais”. A engenheira, que hoje trabalha, sente falta da família e de comida japonesa fresca. Mas não consegue ter preferência entre um território e outro. “Acho que os japoneses vão gostar da comida e de como os mineiros tratam bem as visitas. Talvez os japoneses gostem de o professor não se recusar responder à dúvida do aluno. E também da relação mais amigável entre educador e estudante, porque no Japão é difícil ter este tipo de comunicação.”


Oportunidades

O Governo do Japão, por meio do Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia, oferece diferentes modalidades de bolsas de estudo para estrangeiros em universidades japonesas: graduação, pós-graduação, escolas técnicas superiores, curso profissionalizante, treinamento para professores do ensino infantil, fundamental e médio, língua e cultura japonesa. No Brasil, os processos seletivos são feitos pelas representações diplomáticas japonesas (embaixada, consulados e escritórios consulares), desde 1956. Outra possibilidade é o Programa Japonês de Intercâmbio e Ensino, no qual jovens estrangeiros são convidados a atuar nas representações dos governos locais com o intuito de promover o enriquecimento do ensino de línguas estrangeiras, o intercâmbio cultural e a mútua compreensão entre as nações.


Nem a língua é barreira

Se tem brasileiro apaixonado pelo País do Sol Nascente, os ares tropicais também conquistam cada vez mais corações do outro lado do globo. Os adolescentes Karen Hashimoto, de 16 anos, e Wataru Kaibe, de 17, chegaram em agosto do ano passado a Belo Horizonte. Perfeitamente adaptados, ainda estranham certos costumes, mas nada que atrapalhe. A exemplo deles, Minas Gerais tem recebido nos últimos 25 anos média de dois japoneses por ano e enviado para lá outros dois mineiros, por meio do programa de intercâmbio do Rotary.

Para Karen, nem o idioma é barreira. Num português quase perfeito, ela conta seu cotidiano em BH. Do Japão, apenas os olhos puxados e o local de nascimento, pois a alma já é praticamente mineira. “Vida no Brasil é liberdade. Não quero voltar ao Japão”, diz, com firmeza. “Gosto de lugares quentes. Fiquei entre o México e o Brasil. Acabei vindo para cá”, conta. “Gosto disso, de beijar, de abraçar o outro”, afirma. “Minha cidade é perto do mar. Aqui, só tenho a Pampulha”, diz, aos risos, a garota bem-humorada de Kanagawa, que já é fã de funk e música sertaneja. Os passinhos já estão no requebrado do corpo.

Ela transita sem medo pela cidade que a recebeu. Ainda se espanta com alguns detalhes, como o doce que, segundo ela, é muito doce, e com o horário reduzido das escolas. No Japão, as aulas vão das 9h às 16h. “Aqui, adolescentes podem se beijar na escola, que para mim é lugar de estudar, unicamente”, diz.

Essas relações mais próximas  também impressionaram Wataru, natural da cidade de Nara. “Beijar e abraçar é só o namorado ou namorada. Ainda é estranho ver isso, mas nada que me deixe desconfortável”, disse, numa conversa que misturou inglês e português. A comida e as pessoas marcam a temporada mineira: “Na escola, todos me cumprimentaram em japonês. Fiquei surpreso.” Amazônia, Rio de Janeiro e São Paulo são alguns lugares de interesse. Karen só pensa em conhecer o bicho-preguiça.

TROCA DE CULTURAS O presidente do programa de intercâmbio de jovens do Rotary, Guilherme Belmani, conta que sempre há adolescentes interessados de um lado e de outro. “Os meninos não sabem o que vão encontrar quando vêm. No Japão não é comum dar a mão para cumprimentar e, aqui, no aeroporto já abraçamos. A maioria aprende o português. Damos aulas para todos os intercambistas, que têm entre 15 e 18 anos”, relata. “É uma experiência única e abre a cabeça dos estudantes para outras realidades. É uma troca de culturas.”

A parceria entre o Rotary de Minas e o do Japão começou no início dos anos 1990, graças à inciativa do presidente emérito da organização, Ivan Vianna. “Fui quatro vezes ao Japão em 1985 e entrei para o Rotary em 1990. sempre quis abrir intercâmbios para esse país, pois eu o conhecia bem. Há uma relação amistosa com o Brasil. Eles sabem que foi a nação que abriu as portas para o Japão depois da Segunda Guerra Mundial”, relata. “Sempre houve uma amizade entre os dois povos e há muitos costumes parecidos e curiosos. O japonês tem costume de trocar presente igual ao brasileiro. Aliás, em japonês presente é presento, de origem portuguesa”, relata..