O país tem hoje um modelo de educação formal em conta-gotas do início ao fim. Num extremo, crianças são impedidas de começar a vida escolar, porque, simplesmente, não há vagas em creches ou escolas. No outro, jovens e adultos não conseguem acessar o ensino superior e garantir formação e diploma. No meio de tudo isso, um ensino fundamental que patina em seus anos finais e dá sinais claros de derrocada logo no início do nível médio. As conclusões vêm da análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2017, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada ontem. Elas se referem a números que pouco avançam ano a ano. Minas Gerais acompanha os passos lentos do Brasil. No estado, onde a luta contra o analfabetismo ainda é desafio, praticamente 20% de jovens na faixa de 15 a 29 anos estão totalmente fora do radar da escola ou do mercado por não estudar nem trabalhar.
“O Brasil tem muito a evoluir.
O pequeno Luís Bernardo, de 3 anos, faz parte do um terço dos mineirinhos que foram para a sala de aula nos primeiros anos de vida. A mãe dele, Bárbara Mascarenhas, considera a educação do filho uma prioridade e o pôs ainda bebê na escolinha. “O levei pela primeira vez quando ele tinha 1 ano e 2 meses”, conta. Mãe de Francisco, de 5 anos, e de Maria Antonieta, de 2, Luciele Xavier, de 35, também integra esse universo de poucos. Formada e doutorada em física, parou de trabalhar quando estava grávida do menino e resolveu se dedicar à criação dos filhos desde então. “Desde cedo pus a educação em primeiro lugar.”
MELHORA O que começa a passo lentos, ganha fôlego na fase seguinte do aprendizado, quando o ensino fundamental alcança taxa de escolarização de 99% em Minas e frequência de 97,8% das crianças de 6 a 14 anos. Mas, as distorções começam a dar sinais depois de um período de apenas quatro anos. Enquanto 97,2% das crianças de 6 a 10 anos frequentam o 1º ao 4º ano na idade certa, nos anos seguintes, do 5º ao 9º, o percentual de alunos com a idade correta para a etapa (11 a 14 anos) cai para 90%. Ou seja, no estado, 2,8% das pessoas de 6 a 10 anos e 10% daquelas com idade entre 11 e 14 anos estavam atrasadas em relação à etapa de ensino que deveriam cursar ou haviam evadido do sistema de ensino brasileiro, segundo o IBGE.
O atraso se acentua ainda mais na fase seguinte, o ensino médio, tido como o grande gargalo do país. O percentual de adolescentes entre 15 e 17 anos que estão com idade adequada para a série que cursam despenca para 75,1% em Minas Gerais.
Entre as mulheres dessa faixa etária, no estado, 80,4% frequentavam o ensino médio no tempo correto. Entre os homens, a taxa ficou em 70,1%. Quando observadas as taxas entre brancos e pretos ou pardos, o percentual é de 80,2% e de 72,4%, respectivamente. “A diferença de homens e mulheres é a mesma de brancos e pardos. Há uma sobreposição que vimos por outras pesquisas que a pior situação, hoje, é ser homem negro. Essa sobreposição tem diversas outras consequências para a sociedade brasileira: impacto na questão da empregabilidade e renda futura ou na segurança pública, por exemplo. A pior configuração hoje para estar fora do ensino médio é ser menino, negro e pobre. A escola está perdendo a corrida para outras situações nas quais esse menino está emaranhando”, ressalta Priscila Cruz. (Colaborou Sílvia Pires)
Palavra de especialista
Priscila Cruz
presidente-executiva do Movimento Todos pela Educação
Falta indignação
“No Brasil não há desculpa de não se conhecer o problema nem ter diagnóstico.
Sem estudo e desempregados
Um dado da Pnad chama a atenção: a quantidade de jovens de 15 a 29 anos na geração “nem, nem”, ou seja, que nem estudam nem trabalham (19,7%). No Brasil, essa proporção é de 23%. Em Minas, entre os mais novos, com idade entre 15 e 17 anos, que ainda estavam em idade escolar obrigatória, 78,7% se dedicavam exclusivamente ao estudo. Entre as pessoas de 18 a 24 anos, 40% estavam ocupadas e não trabalhavam. No grupo mais velho, de 25 a 29 anos, 61,9% estavam ocupados e não estudavam, ao passo que 21,2% não fazia nem um nem outro.
É o caso da jovem Stephanie Lima Machado, de 22 anos, moradora de Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ela cursou até o 1º ano do ensino médio e resolveu interromper os estudos. “O escolar não passa perto da minha casa, então, eu teria que pagar transporte para chegar à escola”, diz, relatando que já tentou retomar os estudos, mas desistiu. O emprego, que procura em qualquer área, também não consegue. “Esse está difícil mesmo”, afirma e diz, sem muita convicção, que se tivesse estudo “talvez seria mais fácil ter um trabalho”. Assim como ela, um irmão de 19 anos também parou o ensino médio no 1º ano. Em casa, só o caçula de 9 anos está na escola. Para o futuro, ela pensa em tentar novamente a sala de aula para chegar mais longe: “A faculdade não é importante para mim, mas o ensino técnico, sim.”
Em Minas, a proporção de pessoas de 25 anos ou mais que terminaram a educação básica obrigatória (que concluíram o ensino médio) foi de 41,7%, em 2017, abaixo do observado para o Brasil (46,1%). Por outro lado, as pessoas sem instrução e com fundamental incompleto ou equivalente correspondiam a 45,4% da população de 25 anos ou mais de idade, no estado, ao passo que no país eram 40,9%.
A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi estimada em 6% (1,03 milhão de analfabetos), um pouco abaixo da observada para o Brasil (7%). A taxa de analfabetismo apresentou relação direta com a idade, aumentando para as mais avançadas até atingir 19,2% entre as pessoas de 60 anos ou mais. No estado, a taxa de analfabetismo para os homens foi 5,7% e para as mulheres, 6,3%. Analisando por cor ou raça, verifica-se que a taxa de analfabetismo para pretos ou pardos (7,2%) foi superior à observada entre os brancos (4,3%). “A questão do analfabetismo é mais demográfica que por outro motivo e tem a ver com a renovação da população, tendendo a diminuir ano a ano. Considerando que pessoas mais idosas têm nível de escolaridade mais baixo, a taxa de analfabetismo entre eles é mais alta que no restante da população”, explica o analista do IBGE Gustavo Fontes.
O funil da universidade
Os amigos Lucas Calais, de 17 anos, e Breno Queiroz, de 16, se reúnem todos as tardes para andar de skate depois das aulas, pelas ruas da Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Lucas está no último ano do ensino médio e se prepara para prestar o vestibular. “Meus pais sempre me incentivaram a estudar. Farei o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no fim do ano e pretendo cursar publicidade e propaganda ou jornalismo”, conta. Já Breno ainda tem dois anos de estudos antes de prestar o exame, mas diz que vem se preparando para as provas. “Quero fazer biologia e, por isso, já estou pensando em fazer um cursinho pré-vestibular”, comenta. Os dois farão parte de um seleto grupo da população brasileira que hoje tem acesso ao ensino superior. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), menos de um terço das pessoas entre 18 e 24 anos estão estudando. Proporção que se reduz ainda mais quando verificado quem está na graduação.
Em Minas, 29,4% desse grupo etário está na sala de aula. Mas, a chamada “taxa ajustada de frequência escolar líquida no ensino superior”, ou seja, quem está estudando a etapa correta para a idade, é de apenas 22,2%. Isso significa que pouco mais de um quarto desses jovens estão nos bancos de universidades e faculdades. No estado, para as mulheres, essa taxa chegou a 25,9%, enquanto para os homens foi de 18,6% – uma queda em relação a 2016, quando as proporções ficaram em 29,5% e 22,5%, respectivamente. Na análise entre brancos e pretos e pardos, o abismo é ainda maior: 31,7% contra 16,9%.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas, rebate os dados da Pnad e diz que a situação é ainda mais grave. “A taxa líquida não é de 22,2%, mas de 18%. Ou seja, somente 18% dos jovens entre 18 e 24 anos estão cursando o ensino superior, idade correta para essa etapa de estudos”, afirma. “O termo taxa ajustada de frequência escolar líquida foi inventado pelo MEC (Ministério da Educação) para forjar os dados e aumentar os números. Surpreendentemente, o IBGE também usa”, diz.
Segundo ele, três fatores contribuem para o cenário e a redução das matrículas no ensino superior: situação econômica, aumento considerável do desemprego e a diminuição dos contratos firmados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). “