Jornal Estado de Minas

Alunos da UFMG fazem dossiê com novas suspeitas de fraudes nas cotas raciais

 

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ainda nem concluiu as apurações de possíveis fraudes para ingresso na instituição por meio das cotas e já vive outra onda de denúncias. Desta vez, os alvos são pelo menos 25 alunos que foram aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2018 e entraram na graduação este semestre ou entrarão no próximo. As acusações ocorrem depois de a Federal ter instituído procedimento para tentar barrar irregularidades. Os nomes constam num dossiê elaborado por estudantes da instituição ligados ao movimento UFMG contra as fraudes em cotas. De acordo com o documento, a ser entregue à universidade no dia 17, esses cotistas não atendem a critérios raciais. O grupo ameaça ir ao Ministério Público caso providências não sejam tomadas.



As denúncias levaram os estudantes a se organizar pelas redes sociais para apurar os casos, sob o lema de “Fraude nas cotas não passarão em branco”. Em postagem no Facebook em março, o movimento UFMG contra as fraudes em cotas afirma que “todo semestre é a mesma coisa”. “Assistimos inerte a colegas nossos ocuparem ilegitimamente vagas reservadas a cotistas. Por isso, convidamos a todas e todos que se indignam com essa situação que nos informe os possíveis casos de fraude nas cotas raciais na entrada de 2018. Os casos serão encaminhados para apuração da reitoria da UFMG”, afirma.

De acordo com a publicação de 31 de março, o formulário on-line tem objetivo de juntar o nome de pessoas que devem ser investigadas por fraudar autodeclaração racial na seleção de 2018. “Os dados pertinentes aqui coletados serão juntados em uma denúncia formal para a Reitoria da UFMG. Não é necessário se identificar para realizar a denúncia”, diz o texto. De preenchimento obrigatório, o denunciante devia pôr os nomes e curso dos alunos que julgava ter fraudado o sistema. O texto pedia ainda, caso possível, o link de alguma rede social dos acusados.

Estudante de medicina e integrante do grupo, Ágatha Soyombo afirma que há casos gritantes, a exemplo do que ocorreu ano passado. Em setembro, o movimento negro da UFMG denunciou três alunos que teriam burlado o sistema para ingressar no curso de medicina, entre eles um loiro dos olhos azuis. A UFMG abriu sindicância e prometeu concluí-la em novembro, depois em dezembro. Em novembro, houve nova denúncia, envolvendo uma aluna do mestrado. Em entrevista ao Estado de Minas no mês passado, a reitora Sandra Goulart informou que as apurações ainda estão em andamento. A punição máxima é a expulsão da universidade.



Também em setembro, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento com intuito de apurar o caso de estudantes brancos que supostamente ingressaram no curso mais disputado da Federal por meio de uso fraudulento das cotas raciais. Para tentar barrar o uso indevido do benefício, a UFMG adotou este ano a carta consubstanciada. Por meio dela, candidatos a uma vaga na universidade por meio das cotas devem relatar por que se consideram negros ou pardos. Sandra Goulart informou que uma comissão permanente vai acompanhar as questões relacionadas às cotas. “As pessoas ainda estão protegidas pelo critério da autodeclaração. O ideal seria que se exigisse uma leitura maior. Posso me declarar branca, mas minha leitura nem sempre corresponde à realidade. É preciso avaliar critérios que a sociedade valoriza e reconhece”, afirma Ágatha, que é negra filha de pai nigeriano e entrou na UFMG sem cotas.

Outro integrante do movimento, o aluno do 2º período de psicologia Caíque Belchior, de 19 anos, relata que os estudantes com suspeita de terem burlado as cotas têm cadeiras em medicina, direito, engenharia e medicina veterinária. “Pegamos casos em que explicitamente houve fraudes e essas foram as pessoas sobre as quais conseguimos ter informações, ou seja, o número pode ser maior”, afirma. Segundo ele, a carta é considerada insatisfatória pelos alunos.

Caíque Belchior ressalta a definição de população negra, segundo o Estatuto da Igualdade Racial: conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga. “Na carta, a pessoa tem que se considerar negra. O pardo vem de uma construção social de tentar embranquecer para ter espaço social no Brasil. Outras pessoas se declaram pardas porque não têm consciência de que são brancas. E isso não a torna menos responsável pelo erro que cometeu”, ressalta o estudante, que também é negro e entrou pela ampla concorrência.



O movimento defende a criação de uma banca avaliadora, que seja composta pela gestão da universidade e por alunos. “O racismo no Brasil é construído a partir do fenótipo. E ele não se manifesta somente pela cor da pele, mas pela textura do cabelo, formato do nariz e da boca”, relata. “Não temos intuito de fazer um tribunal racial, mas de eliminar casos mais gritantes. Pelo método atual, a pessoa inicia o curso e eventual medida só será tomada depois que já entrou. Queremos que quem burla não seja aceito e a entrada e a vaga sejam redirecionadas para quem é de direito.”

A UFMG informou que todas as denúncias são apuradas, mas não se manifestou sobre a questão.

O que diz a lei


A Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, determina que universidades e institutos federais reservem metade de suas vagas de graduação para quem cursou integralmente o ensino médio em escolas públicas. Dentro desse universo, são estabelecidos critérios de renda e raciais. A metade das vagas será destinada a alunos da rede pública vindos de famílias com renda de até um e meio salário mínimo por pessoa. Os outros  concorrentes da rede pública poderão ter qualquer renda. A porcentagem de alunos que se autodeclaram pretos, pardos, indígenas e deficientes terá de ser no mínimo a mesma dessa população no estado de acordo com o censo do IBGE.

 

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