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Estado de Minas

Morre Gegê, um dos protagonistas da série 'Travessia', do Estado de Minas

Soropositivo, Genildo Castro ajudou muitas pessoas com palestras em várias regiões do país. Ele maquiou Bruna Lombardi na série Grande sertão: veredas


postado em 03/05/2018 06:00 / atualizado em 03/05/2018 07:57


Ele sonhava viver 200 anos, dizia não ter medo do passar do tempo e, com sabedoria, garantia que tristeza faz mal à saúde. Mas os planos – e a travessia – de Genildo Castro, conhecido popularmente como Gegê, foram interrompidos na terça-feira, perto de completar 61 anos, em Pirapora, no Norte de Minas, onde morava “desde que se entendia por gente”. Na manhã de ontem, o corpo do homem, natural de Juazeiro (BA), foi enterrado em Pirapora, no cemitério velho do Bairro Santo Antônio, deixando grande saudade nos familiares e amigos.

“Foi um símbolo de coragem, o reflexo de uma opinião. Há mais de 30 anos, revelou publicamente ser soropositivo e, a partir daí, ajudou muita gente com esclarecimentos. Fazia palestras em fábricas sobre as doenças sexualmente transmissíveis (DST/Aids) e, no carnaval, montava uma barraquinha para distribuir preservativos e folhetos informativos”, lembrou, ontem, o amigo de longa data de Gegê, o artesão Adélio Brasil. Durante anos, Gegê foi orientador do programa municipal de DST/Aids da microrregião de Pirapora, com atuação nos municípios vizinhos de Buritizeiro, Barra do Guaicuí e Várzea da Palma.

Genildo foi um dos personagens do caderno especial Travessia do Estado de Minas, publicado há dois anos, para homenagear seis décadas da obra monumental Grande sertão: veredas, do escritor mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa (1908-1967). Admirador do livro, que lera na juventude, Gegê recordou com entusiasmo da minissérie levada ao ar em 1985, pela Rede Globo, com os atores Tony Ramos no papel de Riobaldo, e Bruna Lombardi encarnando Diadorim e seus olhos verdes.


Em entrevista ao EM, ele contou: “Na época, eu trabalhava como cabeleireiro e maquiador no Hotel Canoeiros, em Pirapora. Como o cabelo da Bruna tinha que ficar muito curtinho para fazer o papel e ficar parecida com um rapaz, ela era obrigada a cortá-lo de três em três dias. Houve um problema na equipe, o cabeleireiro voltou para o Rio de Janeiro e eu assumi as tesouras.” Como se tratava de uma produção ambientada em lugares de muita poeira, ele ainda fazia a maquiagem na atriz, deixando a pele branquinha, com as cores da terra.

Genildo Castro trabalhava na conscientização com o Programa DST/Aids na região (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press - 20/2/16)
Genildo Castro trabalhava na conscientização com o Programa DST/Aids na região (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press - 20/2/16)


Sempre de bom humor e mantendo distância do “diabo, na rua, no meio do redemoinho”, como escreveu Guimarães Rosa sobre os embates do jagunço Riobaldo com o demo, Genildo contava sua história sem fazer drama. Aos 28, descobriu-se soropositivo, embora, conforme afirmou ao EM, tivesse uma a carga viral “indetectável”. Segundo amigos, Gegê enfrentara um quadro de depressão muito forte, iniciado quando no ano passado, quando perdeu o emprego. “Estava de cama havia muito tempo”, lamentou. O certo mesmo é que, para os mais próximos, ficará a imagem de um homem feliz, que dizia: “A cada dia, olho no espelho e me acho maravilhoso. Cultivo a alegria, pois tristeza faz mal à saúde.” 

PALESTRAS
A experiência diária no Programa de DST/Aids levou Genildo a várias regiões do país para fazer palestras sobre as doenças sexualmente transmissíveis. “Falo em todo tipo de ambiente e tenho uma linguagem específica para cada público, de funcionários de empresas a estudantes. Mas gosto mesmo é da minha terra, Pirapora”, contou aos repórteres com um sorriso de quem vai e volta das viagens com alegria. O assunto não o intimidava. Espírita, esbanjava tranquilidade: “Contei muito com o apoio da minha família e decidi não me entregar ao sofrimento, muito menos me tornar um suicida. Vivi uma fase muito turbulenta, encarei com coragem e estou aqui feliz da vida. Logo depois que descobri ser soropositivo, escrevi e encenei o monólogo O quarto escuro, procurando exorcizar todos esses fantasmas. Vi muita gente morrendo.”


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