Jornal Estado de Minas

Iphan usará placas para destacar bens culturais de BH mesmo que eles não existam mais

Fachada da antiga Livraria Francisco Alves - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press

Na década de 1920, intelectuais mineiros, entre eles o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), costumavam se encontrar na Rua da Bahia, no Centro da capital. Na rota de diversão, bate-papo e leitura estavam a Livraria Francisco Alves, o Café Estrela e o Bar do Ponto – dos três, apenas o primeiro conserva o prédio, embora ocupado por atividades diversas. Nada impede, no entanto, que os endereços sejam marcados com placas a fim de destacar a importância na vida urbana, como pretende o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A criação da Declaração de Lugares de Memória, instrumento inédito no país, faz parte das novidades na política de preservação de bens materiais comandada pela autarquia federal e com participação da sociedade. 


“O prédio não precisa existir mais. O essencial é mostrar que ali tem uma história, como é o caso desses lugares simbólicos de Belo Horizonte frequentados por Carlos Drummond”, diz o diretor do Departamento de Patrimônio Material do Iphan, Andrey Rosenthal Schlee. Quem sobe a Rua da Bahia verá que o antigo prédio da livraria abriga uma escola na parte superior e sapataria e restaurante (no térreo), o Café Estrela cedeu espaço a uma construção que já foi shopping e hoje estacionamento, e o famoso Bar do Ponto saiu de cena para, no terreno, ser erguido um hotel.

Andrey explica que o fortalecimento das ações de preservação dos bens culturais passa por um “canal aberto com a população”. Até 1º de maio, estará disponível no site da instituição a consulta pública sobre a política de patrimônio material, “que consolida princípios, premissas, objetivos, procedimentos e conceitos que foram se formando e se modificando ao longo das décadas”.
As contribuições podem ser feitas pelo e-mail ppm@iphan.gov.br.

A consulta pública do Iphan toca em questões polêmicas que devem gerar ampla discussão: cavernas, fósseis e índios. No campo da paleontologia (fósseis) e espeleologia (cavernas), a proposta quer esclarecer diversos aspectos em relação às competências da autarquia nesses patrimônios. De acordo com o texto, “a esses bens culturais somente cabe proteção do Iphan, quando for constatada a existência de valores referentes à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nos demais, a intervenção seria dos órgãos ambientais.

Também estão contempladas na política as especificidades culturais de povos e comunidades tradicionais. Em relação aos povos indígenas, está previsto o direito de autodefinição de suas prioridades em processos que envolvam a preservação de seu legado cultural.
Dessa forma, vale para a política de patrimônio material o princípio que já era aplicado ao imaterial, “legando aos detentores dos bens culturais o protagonismo na construção das ações de preservação, o que contribui por sua vez com a superação da divisão entre as duas vertentes de proteção”. 

- Foto: Igino Bonfioli/Arquivo EM/Década de 1930

PARTICIPAÇÃO
Na avaliação do diretor, a iniciativa, após aprovada pelo ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, será como matriz para as futuras atividades da instituição e deverá entrar em prática no segundo semestre. O lançamento da política, após consolidação das propostas enviadas, está previsto para 17 de agosto, Dia Nacional do Patrimônio Cultural, que comemora também o aniversário do primeiro presidente do Iphan, Rodrigo Melo Franco de Andrade. O evento será no Paço Imperial, no Rio de Janeiro (RJ).

O objetivo da ação do Iphan, instituição que completou 80 anos em 2017, é contar com a participação da sociedade para construir “uma política tão importante para a cultura do país e que é responsabilidade compartilhada por todos”. Assim, o documento possibilitará maior esclarecimento sobre os principais conceitos que compõem os processos e as ações de preservação dos bens culturais portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Em nota, o Iphan esclarece que o texto da proposta traz inovações importantes para os procedimentos que envolvem a preservação e valorização do patrimônio cultural. “Mas, permeando todas elas, está o objetivo de promover a construção coletiva dos instrumentos de preservação, garantindo assim a legitimidade das ações do Iphan junto a comunidades e também entre os agentes públicos”. E mais: “Esse objetivo decorre de diversos princípios sugeridos, sobretudo da indissociabilidade entre os bens culturais e as comunidades, da participação ativa na elaboração de estratégias e da colaboração entre as esferas do poder público e a comunidade.

 

SERVIÇO

Consulta pública sobre a política de patrimônio material
Contribuições aceitas até 1º de maio de 2018, pelo e-mail ppm@iphan.gov.br

 

Mudanças à vista


Conheça alguns pontos que estão na iniciativa do Iphan sobre o patrimônio material

Declaração de Lugares de Memória
» Instrumento de proteção inédito.
Ainda que um bem cultural tenha perdido integridade e autenticidade, em consequência da ação humana ou do tempo, o Iphan poderá reconhecer a importância do valor simbólico

Paleontologia e Espeleologia
» De acordo com o texto, a esses bens culturais (fósseis e cavernas) somente cabe proteção do Iphan quando for constatada a existência de valores referentes à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Povos e comunidades tradicionais
» Em relação aos povos indígenas, está previsto o direito de autodefinição de suas próprias prioridades em processos que envolvam a preservação de seu legado cultural. Dessa forma, vale para a política de patrimônio material o princípio que já era aplicado ao patrimônio imaterial, legando aos detentores dos bens culturais o protagonismo na construção das ações de preservação.

Fonte: Iphan

Um ponto, duas histórias

Quase quatro décadas depois de a geração de escritores de 1920 fazer da Rua da Bahia o principal corredor de diversão e debates nascia o Edifício Arcangelo Maletta, que se transformaria em ponto de encontro das novas turmas de literatos, boêmios, artistas e intelectuais de Belo Horizonte. Na esquina da Rua da Bahia com a Avenida Augusto de Lima, o prédio atraiu gerações de mineiros como ponto obrigatório de debates sobre a política e a cultura nacionais. Construído em 1957 como edifício misto comercial e residencial, ele tomou o lugar de outro pronto famoso: o prédio histórico do Grande Hotel (foto), que hospedou personalidades até ser demolido. Nas galerias térreas e no pilotis do Maletta se encontram restaurantes e bares tradicionais, e um conjunto de livrarias e sebos que mantêm viva a tradição cultural do espaço. A Cantina do Lucas, tombada pelo Patrimônio Histórico-Cultural de BH, fica no pilotis e é um dos destaques do edifício. 

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