Minha primeira reação foi imaginar: ‘O que minha patroa vai pensar? E minha família?’. Posso perder meu emprego por causa disso. Fiquei extremamente constrangida”. Esse foi o relato de uma das vítimas da lista rotulando mulheres como as “mais putas” em Muzambinho, no Sul de Minas Gerais. A listagem começou a circular pelo WhatsApp há uma semana e tem mais de 100 nomes de mulheres, entre elas adolescentes. A jovem moradora da cidade de 20.430 habitantes G.A.S.T., de 17 anos, se diz “arrasada” e com vergonha de fazer parte do “ranking”. Outras listas como “os mais gays” e “os mais chatos” também correm nas redes sociais das cidades vizinhas – o que expõe o preconceito contra as próprias mulheres, às profissionais do sexo e aos homossexuais. Especialistas lembram que tanto quem cria quanto quem compartilha esse tipo de lista pode responder ao ato judicialmente.
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Após saber da citação do nome de suas filhas, mães ficaram incomodadas e começaram a procurar a polícia. Porém, as investigações para chegar aos autores e colaboradores das listas ainda não foram iniciadas. “É preciso que, além do registro do boletim de ocorrência, as vítimas venham à delegacia para assinar um termo de responsabilidade para a abertura do inquérito”, explicou o delegado. Cinco jovens procuraram a polícia para oficializar a denúncia. As 100 jovens criaram um grupo no WhatsApp para discutir o assunto. Elas se organizam para registrar um boletim de ocorrência coletivo e fazer a representação.
Responsável por atender um grupo de mulheres citadas na lista, a advogada Taysa Crystina Justmiano contou que o sentimento entre as vítimas é o mesmo: “Estão revoltadas, incomodadas e muito constrangidas”. Após as conversas que teve com as clientes, a advogada explicou que as mulheres acreditam que a lista seja fruto de fofocas e foi feita para causar exposição e constrangimento a elas. Já em relação à lista dos “mais gays”, não há, ainda, nenhum registro de ocorrência denunciando o crime.
REAÇÃO Na contramão do preconceito, várias meninas compartilharam e curtiram um texto, nas redes sociais, de apoio às vítimas.
Para Dalcira Ferrão, psicóloga, conselheira-presidente do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais e militante LGBT, a circulação desse tipo de lista nas redes mostra lógicas machistas e LGBTfóbicas rotineiras. “O conceito e a ideia da diversidade sexual ainda causa muitos desconfortos, principalmente, quando estamos falando de mulheres, que têm sua liberdade ao corpo e seu direito à sexualidade negados historicamente”, pontuou a especialista. Ela acrescenta que é importante que as vítimas recebam suporte e apoio não só profissional, mas de amigos e familiares para que não tenham autoestimas abaladas, quadros de isolamento, de fobia social, depressivos ou até mesmo quadros psíquicos mais graves.
CRIME CIBERNÉTICO O delegado da Polícia Civil para Crimes Cibernéticos em BH, Felipe Nogueira, acredita que o total de ocorrências revela o quanto o brasileiro gosta de ofender pela internet e que age dessa forma a partir de duas falsas crenças: a de que a tecnologia proporciona o anonimato e de que não há lei capaz de punir os infratores. “Além de a pessoa achar que quando posta em rede social não vai ser descoberta, também confunde liberdade de expressão com a possibilidade de ofender o outro”, disse. A partir do momento que uma pessoa expõe algo sobre a vida de outra pessoa, pode ser responsabilizada. “Você está manchando a imagem de terceiros e a boa honra.”, concluiu.
Já o presidente da Comissão de Eletrônicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Luís Felipe Sílvia Freire, pontua que o simples fato de compartilhar ou divulgar conteúdo já caracteriza o crime. “A rede social pode acalçar um número grande de pessoas muito rapidamente. Quanto maior for a repercussão, maior a pena ao(s) autor(es) e a indenização”, disse o especialista. *Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
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