
O fato de a capital não ter mar nunca foi motivo de falta de entretenimento para os belo-horizontinos, que sempre se divertiram nos bares, restaurantes, parques, praças, teatros e salas de cinema. Nos anos de 1950, 1960 e 1970, BH contava com diversas salas de cinemas espalhadas pelo Centro e bairros da cidade. E, naquela época, levar uma garota ao cinema para assistir a um filme era um dos expoentes do romantismo. O advento da modernidade, que trouxe o videocassete, DVD, shoppings e canais de TV exibindo bons filmes, gerou uma crise no setor e a capital mineira perdeu praticamente todas as salas de exibição de rua, restando o Cine Belas Artes.
“O programa predileto daqueles idos de 1980, pós-ditadura, já dono das próprias pernas e de alguns trocados, era o cinema do final de semana. Garoto ainda, era conhecido dos porteiros do Jacques, Royal, Acaiaca, Brasil e Palladium. Zezito, meu pai, foi o grande incendiário do pequeno coração cinéfilo aqui. O velho era encantado por Mazzaropi, Chaplin e Clint Eastwood – para citar apenas três dos sujeitos que iluminaram a minha infância”, recorda Jefferson.

“Entre tantos, cresci tomado de provocação e fantasia. Seguro de que a arte existe porque a realidade não basta. E o cinema foi a janela para o mundo. Vivi Rock Balboa, de Silvester Stalone, na vontade de vencer na vida, e com ET, de Spielberg, o respeito pelo desconhecido. Com Oliver Stone, em Platoon, ficou fácil perceber algumas das múltiplas faces da guerra. Isso tudo, entre um quarteirão e outro, naquela BH do passado, da poesia nas ruas, quando dançar na chuva era o que podia haver de mais arriscado para um menino curioso”, lembra o cineasta.
QUALIDADE O diretor, produtor e crítico de cinema Mário Alves Coutinho recorda que a qualidade do filme é que orientava sua escolha por uma sala de cinema. “Inaugurado na década de 1960, o Cine Palladium era o melhor em termos técnicos e conforto. O primeiro filme a que assisti em uma sala de cinema não foi aqui em BH, mas na minha cidade natal, Campo Belo. Quando criança, adorava ir ao cinema aos sábados e domingos. As chamadas pré-estreias também eram muito importantes e uma maneira mais rápida de ver um filme que me interessava.”

CINECLUBES Estes marcaram época e foram responsáveis por fazer a imaginação de diferentes gerações se projetar para além das montanhas, como a arte do cinema é capaz. O jornalista Pablo Pires Fernandes, do EM, conta que muitos, em BH, estabeleceram uma relação com o cinema por causa de Humberto Mauro. “Não falo do pioneiro do cinema brasileiro, mas da sala de cinema do Palácio das Artes. Centro de cineclubismo na cidade, foi lá que gerações tiveram contato com as obras-primas e a história da sétima arte.”

“Era estudante e tinha pouco dinheiro no bolso, mas distribuía a programação impressa do cinema em troca de livre acesso aos filmes lá exibidos. Naquela época, vivia entre o Cine Pathé, o Roxy e, às vezes, o Royal, mas assistia a quase tudo que passava na Humberto Mauro e no Savassi. Depois vieram o Usina Cineclube e o inovador Cine Imaginário, com três telas, bar aberto e programação que misturava shows, projeções e performances variadas. Foram lugares importantes para muita gente, agregando suspiros e afinidades no escuro.”
O cineasta Geraldo Veloso justifica o porquê do fechamento das antigas salas de rua. “O cinema mudou. Como negócio (que sempre foi). Nunca as salas foram iguais por mais de três décadas. Há milhares de razões para isso ocorrer. E vaicontinuar ocorrendo. E o cinema também mudou (por razões técnicas, intelectuais, culturais, sociológicas, econômicas, políticas e muitas outras)”, justifica.

O diretor Alfredo Alves está lançando o documentário Entre uma pipoca, um beijo e um drops Dulcora, que revela a história de salas de cinema da capital mineira, a partir da memória afetiva de personalidades da cena cultural da cidade. “A narrativa perpassa pelos quatro grandes momentos da exibição cinematográfica na capital: os cineteatros do centro; os cinemas de bairro; o movimento cineclubista e as salas de shopping”, explica o cineasta. O documentário estreia no primeiro semestre do ano que vem.