Jornal Estado de Minas

BH 120

BH abriga obras que marcam o início e o fim da trajetória de Oscar Niemeyer

Projeto da Catedral Cristo Rei foi o último presente do arquiteto para a capital que amanhã completa 120 anos - Foto: Beto Novaes/EM/DA PressMais de sete décadas de história e quatro quilômetros de distância separam dois marcos da arquitetura moderna em Belo Horizonte, que completa 120 anos amanhã: a Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha, e a Catedral Cristo Rei, em construção no Bairro Juliana, na Região Norte, coincidentemente um dos primeiros e o último projeto, na capital, de Oscar Niemeyer (1907-2012), que morreu há cinco anos perto dos 105 anos de idade. O templo à beira da Lagoa da Pampulha integra o conjunto moderno da Pampulha, saído da prancheta do arquiteto na década de 1940 e reconhecido como Patrimônio e Paisagem Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

“Mais do que modernos, podemos dizer que a igreja e a catedral têm o estilo Niemeyer”, diz o professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Carsalade. A catedral não é a linguagem pura do modernismo, mas a igreja, a Casa do Baile (atual Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e Design), o Iate Clube e o Museu de Arte (antigo cassino) levaram o nome de BH mundo afora”, explica Carsalade, lembrando que, na época, Juscelino Kubitschek (1902-1976) era o prefeito, e outros projetos com a assinatura do arquiteto carioca se concretizaram na cidade e no estado.

Na avaliação do professor e coordenador técnico do dossiê sobre a Pampulha, apresentado em 2014 à Unesco, o sentimento dos belo-horizontino em relação a Niemeyer deve ser de gratidão. “A Pampulha mudou a história da arquitetura brasileira, representou uma nova forma de fazer arquitetura e foi concebida como obra de arte total. Esse é o grande diferencial. No barroco mineiro ocorreu o mesmo, e um dos exemplos é a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto.” Obra de arte total significa que vários especialistas se uniram para trabalhar em um mesmo projeto – “gênios que atuaram conjuntamente, e não de maneira isolada”, como observa Carsalade.

Atualmente fechada e sem mobiliário, a igrejinha deverá ser restaurada a partir de abril, com possível publicação do edital de licitação até o fim deste mês. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap/Prefeitura de Belo Horizonte), o projeto, orçamento e cronograma para execução da obra foram aprovados pela Secretaria do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em junho de 2015. A previsão inicial era de que as obras começassem no primeiro semestre de 2016, mas, devido ao grande número de casamentos agendados, foi necessário o adiamento das intervenções.

REFERÊNCIA Nas páginas do seu livro As curvas do tempo: memórias, de 1998, Niemeyer escreveu que a Pampulha significou um despertar na sua carreira, servindo de referência até para o projeto de Brasília, inaugurada em 1960 e fruto da sua parceria com o urbanista Lúcio Costa (1902–1998).
Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, a Pampulha explodia em curvas. Com efeito, vai ficar na história uma das frases de Niemeyer que resumem esse pensamento: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual”.

Embora não tivesse religião, declarando-se ateu, Niemeyer era um homem de “muita sensibilidade, com um espírito que transcende”, explica Carsalade. No caso específico da chamada Igrejinha da Pampulha, trata-se do primeiro projeto de um templo católico feito pelo arquiteto. Para o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, que encomendou o projeto da Catedral Cristo Rei, “a genialidade de Niemeyer e a forte influência de sua arquitetura na identidade da capital foram determinantes na definição de seu nome”.

Dom Walmor tem os passos da história bem vivos na memória. “Recordo-me que, em 2005, procurei Niemeyer para apresentar nossa intenção de edificar a Cristo Rei. Expliquei que não tinha recursos financeiros, mas que gostaria de lhe confiar a missão de elaborar uma concepção arquitetônica.
Ele abraçou com entusiasmo essa missão e, em uma de nossas reuniões, disse que a catedral é uma obra completa em razão da sua importância para os mineiros. Niemeyer sempre comentava: ‘A Catedral Cristo Rei será uma referência, o lugar mais visitado da capital’”.

- Foto: Leandro Couri/EM/DA Press - 14/12/14
- Foto: EM

Um convite digno da festa de aniversário


A celebração do aniversário de BH é ótima oportunidade para os brasileiros conhecerem o conjunto moderno da Pampulha e os belo-horizontinos redescobrirem sua cidade. Em uma tarde de segunda-feira, aproveitando uma ligeira trégua da chuva, a alagoana Rita Alcântara, moradora de Maceió, fez um passeio pela região ao lado da filha Sannyele, de 23 anos, estudante de química, e do genro Ricardo Amaral, de 25, formado em comunicação. Ao contemplar o painel de autoria de Cândido Portinari (1903-1962) recriando a vida de São Francisco de Assis, Rita considerou a obra de arte “interessante e diferente”.

Comentando a curiosa coincidência de visitar a Pampulha no dia em que se completavam cinco anos da morte de Niemeyer (5/12/2012), a alagoana chegou mais perto para apreciar os mosaicos azuis. Enquanto fotografava o grupo, Ricardo chamou a atenção para a localização do conjunto moderno, com o espelho-d’água dominando uma área de 309 hectares e unindo os prédios que atraem gente do mundo inteiro. A turma ainda conheceu as famosas curvas sinuosas da Casa do Baile, a cobertura em forma de asa de borboleta do Iate e o charme do Museu de Arte da Pampulha (MAP). Como eles, turistas não se cansam de admirar as marquises sinuosas e jardins com plantas do cerrado planejados pelo paisagista Burle Marx (1909-1994).

Sonho antigo dos católicos belo-horizontinos, a Catedral Cristo Rei, projeto da Arquidiocese de Belo Horizonte, está no quarto ano de construção – metade do tempo previsto, portanto – com avanços e mudanças na paisagem da Região Norte da capital. Ainda este mês, começa a concretagem do piso da Tenda da Paz, espaço interno dedicado às celebrações religiosas.

Já em 2018, segundo a arquidiocese, será iniciada a construção dos pórticos com 100 metros de altura e da cúpula (teto da igreja) de 2,8 mil metros quadrados, na arrancada para a inauguração prevista para 2021, ano do centenário da arquidiocese.

Na área externa, na Praça das Famílias, com 16 mil metros quadrados, serão gravados futuramente, nas contas de um rosário, os nomes e cidades das pessoas que colaboram com o projeto orçado em R$ 120 milhões. O espaço onde ficará o altar externo, abrigará até 20 mil pessoas – no interior do templo, cabem cerca de 5 mil. As doações dão o ritmo da obra. Do total de recursos exigidos, já foram investidos cerca de 25%, incluindo fundações, pilares, vigas e outros serviços. 

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