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Estado de Minas

Especialista acredita que caverna em BH foi cavada por preguiça gigante

Com base em sinais na terra e em rochas, especialista que confirmou a descoberta de toca de animal extinto no Parque das Mangabeiras crê que abertura foi obra de ancestral das preguiças


postado em 11/12/2017 06:00 / atualizado em 11/12/2017 07:49

Integrante da equipe mostra marcas de garra na parte superior da cavidade, cuja abertura fica no meio da mata no Parque das Mangabeiras (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Integrante da equipe mostra marcas de garra na parte superior da cavidade, cuja abertura fica no meio da mata no Parque das Mangabeiras (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
A paleotoca (antigo abrigo de animais pré-históricos extintos) identificada no Parque das Mangabeiras, na Zona Sul de Belo Horizonte, por um grupo de espeleólogos, biólogos e estudiosos da paleontologia provavelmente foi escavada por um representante das dezenas de espécies de preguiça-gigante já descritas. A avaliação é do biólogo Luciano Vilaboim, do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, responsável por identificar características que permitiram classificar a cavidade não como uma abertura natural, mas sim como o antigo abrigo escavado por um representante da megafauna que há cerca de 10 mil anos vagava pela área onde hoje fica a capital mineira.

Vilaboim defende que a toca de BH tem mais características de ter sido obra de alguma espécie de preguiça pré-histórica do que de um tatu extinto. Os tatus conhecidos não tinham, por exemplo, a capacidade de cavar o teto de uma caverna com as garras, pois não tinham essa extensão de movimento com as patas, que se moviam apenas para frente e para os lados. “Os pampatérios que conhecemos hoje, aqui no Brasil, em laboratórios, têm garras pequenas, comparadas, por exemplo, às do tatu-canastra (com até 20 centímetros), mas as garras que perfuraram esse teto são muito grandes”, explica o especialista.

"É muita sorte ter um patrimônio como este dentro de um parque. Caso contrário, a construção de estradas, de casas e principalmente a ação das mineradoras poderiam suprimir e destruir completamente a caverna"

Luciano Faria, espeleólogo



Para explicar a hipótese de ter sido aquele um refúgio de uma preguiça-gigante, o especialista conta um pouco da evolução das espécies no continente. “A América do Sul era uma espécie de ilha, e por milhões de anos as populações de preguiças se desenvolveram nela. Chegamos a encontrar preguiças com até seis metros de comprimento. Não que seja uma dessas que abriu a caverna. Mas, talvez, uma espécie de preguiça de dois metros, ou pouco menor, que em algum momento fez tocas”, disse.

A salvo de tigres e outros predadores


O motivo da escavação de uma toca por um animal tão grande é justamente o fato de não ser esse um exemplar que ocupava o topo da cadeia alimentar na época da megafauna que habitou as montanhas de Belo Horizonte. “Havia tigres-dentes-de-sabre, que talvez predassem esses animais. Uma toca dessas poderia ser um bom esconderijo para esse tipo de animal ter seus filhotes e se abrigar”, considera Vilaboim.

Para o espeleólogo Luciano Faria, uma das vantagens de a paleotoca ter sido descoberta no interior do Parque das Mangabeiras é justamente sua conservação. “O que temos aqui, hoje, é apenas o fundo de uma cavidade maior, cuja estrutura entrou em colapso e desabou. Daí a importância de conservar esse tipo de formação. Se não existisse o parque com toda essa cobertura vegetal, os efeitos erosivos poderiam aumentar e a abertura deixar de existir. É muita sorte ter um patrimônio como este dentro de um parque. Caso contrário, a construção de estradas, de casas e principalmente a ação das mineradoras poderiam suprimir e destruir completamente a caverna.”

(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Volta de 10 mil anos no tempo


O arranjo para avaliar se a estrutura do Parque das Mangabeiras era mesmo uma paleotoca envolveu certo nível de apreensão. Já desci com o espeleólogo e professor de química Luciano Faria em várias cavidades naturais mineiras, mas pela primeira vez ele colocaria uma teoria inédita à prova. Teria encontrado a única paleotoca de que se tem notícias na capital mineira? Vários especialistas da PUC Minas e da UFMG foram chamados para ajudar a atestar se seriam aqueles os vestígios de um animal pré-histórico que vagou pelas montanhas de BH há milhares de anos. Mas muitos se esquivaram da tarefa, que foi corajosamente aceita pelo biólogo do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas Luciano Vilaboim. Um grupo de entusiastas de várias instituições acompanhou o trabalho.

A cavidade fica a 50 metros de uma das estradas internas do parque, e a apenas 200 metros das quadras de esportes, em meio a vegetação fechada. Suas pedras escuras são cobertas por musgo e uma árvore tem raízes pendendo, como se fossem franjas sobre a abertura. Logo na base da entrada, a visão de dois sulcos de 15 centímetros de profundidade, riscando paralela e continuamente a rocha maciça por 30 centímetros, já deteve a atenção dos exploradores. E o que havia dentro da caverna era ainda mais impressionante.

Os olhos do biólogo da PUC Minas pareciam brilhar na escuridão, enquanto os fachos de luz das lanternas iluminavam os entalhes simétricos que as garras de um animal de grande porte rasgaram milhares de anos atrás. Com os braços, o especialista simulava os golpes que escavaram aquela toca. De cima para baixo, rasgando o teto, e de um lado para o outro, abrindo mais sulcos. “É impressionante imaginar a força e as garras de um animal capaz de cavar dessa forma. Dá para a gente se transportar para aquela época e praticamente ver as patas, enormes e muito fortes, com duas garras maiores escavando terra e rochas, sempre em pares”, foi descrevendo Vilaboim, como se não estivesse mais no século 21, mas numa toca de 10 mil anos atrás, com uma preguiça-gigante ou tatu pré-histórico.

A satisfação de Luciano Faria, o descobridor da paleotoca, também se fez presente na sua expressão, que mudou de tensão, para alívio. “Eu estava certo. Enviei fotografias para muitos especialistas até de outros estados, como do Sul do país, onde fica a maior quantidade de paleotocas descritas no Brasil. Fico muito feliz com essa confirmação e chamo a atenção para uma outra formação que ficou fora do Parque Nacional do Gandarela, e que pode ser consumida por projetos minerários”, disse.


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