Jornal Estado de Minas

PF faz operação contra desvio de dinheiro em obra do Ministério da Justiça e da UFMG

A Polícia Federal constatou, em coletiva à imprensa nesta quarta-feira, que R$ 4 milhões foram desviados do projeto de construção do Memorial da Anistia Política do Brasil. A força-tarefa apura a não execução e o desvio de recursos públicos que deveriam ter sido destinados à construção do memorial, em um projeto financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na manhã hoje, oito mandados judiciais de condução coercitiva e 11 mandados de busca e apreensão foram cumpridos pela corporação na operação “Esperança Equilibrista”. Entre os conduzidos estão o reitor e a vice-reitora da UFMG e o presidente da undação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep).

 

De acordo com Leopoldo Lacerda, delegado da Polícia Federal, as oito pessoas conduzidas para prestarem depoimento são da alta cúpula da UFMG. A instituição, por sua vez, informou que os conduzidos são: o reitor Jaime Arturo Ramírez; a vice-reitora Sandra Goulart (eleita para a reitoria a partir de 2018); o presidente da Fundep Alfredo Gontijo de Oliveira; a ex-vice reitora (2006 a 2010) e atual coordenadora do Projeto República da UFMG Heloísa Starling; a ex-vice reitora (2010-2014) Rocksane Norton e uma das responsáveis no Memorial da Anistia, Silvana Cozer.



A investigação da PF aponta desvio de recursos públicos e falsificação de assinaturas de bolsistas e estagiários do projeto de execução do museu. "O inquérito policial foi instaurado em março deste ano, diante da presente construção inacabada do museu, no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul, em Belo Horizonte.
Desde então, a gente fez contatos com a Controladoria Geral da União (CGU) e com o Tribunal de Contas da União (TCU) para ver se existia alguma irregularidade referente a esses órgãos. Entre eles, posso citar documentos em que existiam informações falsas, como assinaturas de bolsistas e documentos que incluíam documentos não condizentes com a movimentação bancária que de fato ocorreu," explicou o delegado Leopoldo Lacerda.

Segundo a PF, teriam sido gastos mais de R$ 19 milhões na construção do memorial e pesquisas de conteúdo para a exposição, mas o único produto aparente é um dos prédios anexos ainda inacabado. "Temos provas de que pelo menos R$ 4 milhões foram desviados do projeto e essa cifra tende a aumentar a partir do prosseguimento da investigação e da análise de todos os contratos de prestação de serviços," conta Leopoldo Lacerda. “Nos autos, existem provas demonstrando que os documentos falsificados envolvem coordenadores da UFMG, ou seja, que eles tinham ciência de que parte da verba estava sendo desviada. O desvio foi realizado de várias formas. As principais foram por meio de pagamento de fornecedores e colaboradores que não têm relação com o projeto e pagamentos de bolsas de estágio – que variavam entre R$ 1,5 mil e R$ 8 mil – que não foram destinadas para os bolsistas e, sim, desviadas para outras cotas.
A gente ainda está investigando o beneficiário final”, disse. O delegado destacou a confecção de vários livros que não “estavam destinados ao projeto do museu”.

Caso os suspeitos sejam condenados, o delegado informou que eles podem responder por peculato de desvio e formação de quadrilha.

PROTESTOS


Enquanto professores da UFMG prestavam depoimento dentro da sede da Polícia Federal, no Bairro Gutierrez, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, professores da universidade e militantes do Sindicato dos Trabalhadores das Instituições de Ensino Federais (Sindifes) protestaram em uma rua em frente à delegacia. Os educadores reclamaram da maneira com que a operação foi conduzida. O policiamento na porta da corporação, onde os docentes se concentraram, foi reforçado com agentes armados.

 Professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Eli Lola Gurgel Andrade, diz que o caso surpreendeu os docentes. "Nos causa estranheza, ainda mais que seja com centenas de projetos que andam na UFMG, exatamente o projeto que levanta o compromisso que a universidade tem com a luta pelas liberdades democráticas neste país," explicou. Por sua vez, o professor do Departamento de Filosofia da UFMG, Rodrigo Duarte, afirmou que a condução dos educadores foi precipitada.
"Pelo que parece, a investigação está em um estado muito incipiente e ele (delegado) se referiu a uma organização criminosa atuando dentro da UFMG. Isso nos pareceu um pré-julgamento indevido, pelo menos."

A vereadora Áurea Carolina (PSOL) marcou presença no protesto e condenou a ação. “Eu considero que é uma violência muito grave. É uma violência simbólica, porque ativa um imaginário de que criminalização de quem luta, de quem denuncia a tortura, a violência, a ditadura militar e é uma violência física contra essas pessoas que foram conduzidas coercitivamente, que são alvo desses mandatos. É consternador e sem palavras o que estamos vivendo. É um avanço muito acelerado dessas forças anti-democráticas, odiosas, obscurantistas, que se utilizam das instituições para cometer arbitrariedades”, disse.

Em relação às denúncias de excesso durante a operação, o delegado afirmou que “as conduções coercitivas são uma forma de atuação na investigação para evitar combinação de depoimentos. Está previsto por lei”.

MEMORIAL

 


Viaturas da Polícia Federal em frente à reitoria da UFMG nesta quarta - Foto: Reprodução da internet/WhatsAppIdealizado em 2008, o projeto do Memorial visa a preservação e a difusão da memória política dos períodos de repressão – contemplados pela atuação da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Segundo o delegado Leopoldo Lacerda, as obras começaram em 2013 e deveriam ter sido terminadas em 2015. “O projeto contempla dois eixos: 1) a construção e reforma do 'coleginho' (antiga Fafich), a construção de dois prédios anexos e uma praça de convivência e de reflexão; 2) a pequisa de conteúdo e produção de material que seria exposto no museu”, disse.



"A vice-reitora sempre foi a coordenadora do projeto financiado pelo Ministério da Justiça. A UFMG, como executora, contratou uma construtora e a Fundep para executar a pesquisa. O contrato foi várias vezes aditivado e prorrogado. Até hoje, não finalizado e os valores sempre aumentaram", concluiu delegado.

 

O Estado de Minas entrou em contato com a assessoria de imprensa da UFMG que informou que está aguardando um posicionamento jurídico.  

*Sob supervisão da subeditora Ellen Cristie

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