Jornal Estado de Minas

Moradores de Bento Rodrigues participam de missa campal na comunidade destruída pela lama

Bento Rodrigues – Eram 19 cruzes brancas, com nomes e sobrenomes escritos em preto, cada uma representando uma vida destruída, há exatos dois anos, pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central, a maior tragédia socioambiental da história do Brasil. Com os olhos traduzindo dor, pedido de Justiça e muita esperança, amigos e parentes das vítimas do subdistrito de Bento Rodrigues, o mais afetado, e de outros da região prestaram homenagem à memória dos mortos, durante missa celebrada, no início da tarde de ontem, num espaço que representa a própria alma da comunidade: as ruínas da Igreja de São Bento, padroeiro local e cuja imagem do século 18 nunca foi encontrada.

Antes de a celebração eucarística começar, formou-se uma fila na entrada das ruínas, que estão cobertas por uma tenda, e, a cada nome falado no microfone, a pessoa se dirigia ao altar montado por moradores de Bento Rodrigues levando a cruz. Depois, todos unidos gritaram bem alto: “Não foi acidente! Foi crime!”. Trazendo a cruz com o nome da sua mãe, Maria das Graças Celestino, então com 64 anos, Marly de Fátima Felício Felipe, de 33, casada e com dois filhos, disse que seu único desejo é justiça. “Já passamos muita tristeza e dor”, resumiu.

Após cântico de hinos, o padre Geraldo Barbosa, a Arquidiocese de Mariana, foi até o altar e disse que a missa trazia a memória de dois anos de conflitos, de angústia e esperança. “Temos que olhar para a frente, não apenas em Minas, mas em todas as localidades afetadas ao longo do Rio Doce, até o Espírito Santo”. A emoção permeou toda a cerimônia, assim como o sentimento de decepção das famílias de Bento Rodrigues, que, conforme eles, até hoje não foram atendidas em seus anseios, principalmente quanto à construção das novas casas e o reassentamento. Carregando o primeiro objeto sacro, um crucifixo de metal, encontrado por ele na lama que vazou da barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billinton, o zelador do templo, Filomeno da Silva, de 83, lembrou que a peça é um símbolo de luta e esperança.
“A frustração continua a mesma”, confessou.

Sandra Quintão e a filha, Ana Amélia - Foto: Jair Amaral/EM/DA PressAtuante na comissão dos atingidos pela catástrofe ambiental, Mônica Quintão explicou que a celebração da missa, nas ruínas da capela de mais de 300, foi uma exigência dos moradores. “Ontem (sábado), montamos tudo, inclusive cobrindo o piso original com placas de madeira. Fizemos a solicitação à direção da Fundação Renova, que colocou muitos empecilhos, dizendo que seria perigoso. Resolvemos fazer por nossa conta, correr o risco”, disse Mônica. Em vários pontos da capela improvisada, a comunidade distribuiu cartazes sinalizando indignação. Três deles revelavam parte dessa trajetória: “Não desistimos de lutar. Jamais se matará a história, a cultura e a memória de um lugar”; “Ainda temos atingidos com direitos negados pelas empresas.
Até quando?”; e “Dois anos de impunidade. Queremos nossos direitos. Não trocamos nossa história pela lama. Chega de incertezas”.

SEGURANÇA Em nota, a Fundação Renova informou que não houve empecilhos, mas preocupação com a segurança. E que “ofereceu toda a estrutura externa para a realização da missa, disponibilizando fornecimento de água, banheiros químicos e de ambulância”. E mais: Laudo técnico foi enviado para a Arquidiocese de Mariana, para o Ministério Público de Patrimônio, para a Defesa Civil e para a Comissão dos Atingidos de Mariana, informou sobre a existência de riscos. “Paralelamente, a Renova ofereceu estrutura de tendas e altar do lado externo. Mas os moradores optaram por assumir a responsabilidade e realizar a missa no interior (da igreja).
O prazo para a entrega do reassentamento está mantido para o primeiro semestre de 2019. A expectativa é de que as obras tenham início no primeiro trimestre de 2018.

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