Jornal Estado de Minas

Atingidos por barragem alertam para falta de importância que vem sendo dada aos danos da tragédia

A 45 dias de a maior tragédia socioambiental do Brasil completar dois anos, o ritmo de reparação dos estragos produzidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, é considerado aquém das necessidades pela comissão dos moradores de comunidades atingidas. Ontem, um grupo de representantes das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Cima e Paracatu de Baixo cobrou uma série de ações da mineradora Samarco, proprietária da barragem que vazou em 5 de novembro de 2015. Entre as reivindicações estão a inclusão de pessoas na lista dos atingidos, um novo cadastro para indenizações, início das obras das novas comunidades para reassentamento das pessoas dentro do prazo acertado, que foi o primeiro semestre de 2017. Em sua batalha por afirmação e dignidade, os atingidos cobram inclusive não serem referidos por termos como “impactados” por entenderem que isso tira a importância da tragédia. Contudo, em Nova York, o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, referiu-se ontem ao rompimento como se fosse um “acidente” e uma “fatalidade” sem mencionar a responsabilidade da empresa Samarco. “Aquilo (o desastre) tem que ser encarado como foi, de fato foi um acidente. Nós temos que trabalhar para que outros não ocorram, mas como uma fatalidade, você não tem controle sobre isso”, disse, despertando a indignação dos atingidos.

Entre eles, pessoas como a representante de Paracatu de Cima e de Baixo, Maria do Carmo Silva D’Angelo, de 36 anos, que ainda se lembra do drama que viveu quando sua irmã ligou avisando que Bento Rodrigues tinha sido tragado pela lama e os rejeitos da barragem rompida. “É terrível você sair correndo no meio da noite com o seu filho no colo, no escuro, procurando um lugar alto para escapar da lama.
Naquele dia fomos parar na casa de um vizinho, com meus pais e minha sogra”, lembra. O drama dela ainda não cessou, pois a casa onde vive foi condenada pela Defesa Civil. Mas não há outra alternativa, pois, segundo ela, nem a Samarco nem a Fundação Renova lhe providenciaram a reconstrução da residência ou uma outra moradia. Assim como ela, outras 40 residências condenadas deveriam ser reconstruídas, mas a Fundação Renova só reconheceria 27 desses, de acordo com levantamento da Cáritas, uma fundação católica de assistência que auxilia os atingidos. Outro levantamento aponta existirem 100 famílias na zona suscetível a uma inundação caso se rompa a Barragem de Germano, estrutura que fica no mesmo complexo minerário de Fundão e comporta ainda mais rejeitos.

ENTREGA DAS CASAS
A demora para que as intervenções na área escolhida para a construção da nova Bento Rodrigues faz moradores removidos suspeitarem que a obra vá ultrapassar o prazo acordado inicialmente, que previa a entrega das casas para o primeiro semestre de 2019. Enquanto isso, só no Centro de Mariana vivem 297 pessoas que lidam com a saudade dos parentes que foram espalhados, com o isolamento por não se sentirem parte da comunidade urbana e o preconceito das demais pessoas que os culpam pela inatividade da empresa que era uma das maiores empregadoras de Mariana e teve suas atividades interrompidas desde a tragédia.

Os atingidos pedem, ainda, a revisão do cadastro de atingidos, pois o que foi criado pelo Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) não é reconhecido – como o próprio TTAC.
Desde abril a formulação de novo termo vem sendo negociada com a Fundação Renova. O novo cadastro levaria em conta os bens materiais perdidos, as atividades econômicas exercidas, os bens coletivos destruídos, os bens imateriais que se foram e uma metodologia que permita uma valoração justa. Atualmente os atingidos recebem um salário-mínimo acrescido de 20% desse salário por dependente. A própria legitimidade da Fundação Renova, criada com o acordo feito entre a mineradora e os governos federal e estadual para gerenciar as reparações. Contudo, a entidade, segundo os atingidos, não tem ninguém que foi afetado pela tragédia nos seus quadros.

SEM ATRASOS Por meio de nota, a Fundação Renova, entidade criada pelo Comitê Interfederativo (CIF) para implementar e gerir os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem, informou que está em diálogo com os proprietários das 40 moradias rurais que receberam notificação preventiva da defesa civil em razão do acidente, visando ampliar o conhecimento da situação e avaliar a inclusão nos programas. A fundação disse que incluiu 27 imóveis rurais em seus programas.

Já em relação às 100 famílias em zona de impacto em caso de rompimento da Barragem de Germano, que querem se mudar, a fundação disse que a área de abrangência é de responsabilidade da Samarco. A Renova descartou que haja atraso nas obras de reassentamento e afirmou que o cronograma está mantido.

“Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) prevê a entrega da obra dos reassentamentos no primeiro semestre de 2019. O projeto está em fase de adequação com acompanhamento de representantes da Comissão de Moradores com sua assessoria (Cáritas), integrantes da Câmara Técnica de Infraestrutura (dentre os quais se encontram Semad e Secir) e a Prefeitura de Mariana.
Ajustes no projetos foram solicitados pelo Comitê Interfederativo. O processo segue trâmites legais. O cronograma para o início das obras está sendo construído conjuntamente com todos os envolvidos nesse processo”, destacou o comunicado.

CADASTRO A entidade informou ainda que, em Mariana, o Cadastro Integrado está sendo revisto pela Comissão dos Atingidos de Mariana, em conjunto com a assessoria técnica desse grupo, e mediação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). “Até setembro, 75% das solicitações foram acatadas para a modificação do cadastro. Discussões finais estão em curso para reduzir a incompatibilidade verificada em 25% das questões e se chegar ao consenso”, pontuou.

De acordo com a fundação, na região há 514 famílias, ou 1.611 pessoas, para as quais a referência para as ações de reparação e indenização da Renova é o cadastro emergencial, feito pela Defesa Civil logo após o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. “O Cadastro Integrado foi desenvolvido com a participação de instituições públicas, como do Ministério do Desenvolvimento Social, do Ministério da Pesca, da Casa Civil e do CAD Único”, justificou.

Já a Samarco, por meio de nota, minimizou o risco de um novo rompimento da barragem. “As estruturas do Complexo de Germano estão estáveis, são monitoradas 24 horas e fiscalizadas pelos órgãos públicos e por auditoria independente. O Centro de Monitoramento e Inspeção da Samarco conta com cerca de 480 equipamentos de última geração, tais como estação robótica e meteorológica, radares de precisão milimétrica, laser scanner, câmeras, drones, piezômetros e acelerômetros”, diz o texto.

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