Áreas de preservação permanentes em Minas são alvos de desmatamento

Elas deveriam estar sob preservação permanente, mas não escaparam. Agora, 22% das APPs de Minas precisam de recomposição. Pior: o ataque das motosserras continua, flagrou o EM

Mateus Parreiras - Enviado especial
Crime à luz do dia: árvores são cortadas em área de preservação permanente na zona rural de Viçosa, marcada por vegetação de mata atlântica - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

Viçosa
– Num dos fragmentos de mata atlântica em Viçosa, na Zona da Mata, os galhos manchados das árvores de vinháticos, cedros e angicos amparavam orquídeas, equilibravam cipós e sustentavam ninhos de aves, mas não resistiram a poucos golpes dos dentes de aço de uma motosserra. Em pouco tempo, a máquina de corte desmembrou as árvores, reduzindo-as a lenha e a serragem em plena área de preservação permanente (APP). Ataques sistemáticos às florestas, como esse que foi flagrado pela reportagem do Estado de Minas em 18 de abril, ofuscam as esperanças de regeneração das APPs, uma das conquistas que se espera depois de Minas Gerais ter sido o primeiro estado brasileiro a registrar 100% das suas propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR), no segundo semestre do ano passado. Analisando esses dados, que trazem os registros de reservas e áreas produtivas, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) concluiu que mais de 270 mil hectares de APPs – o equivalente a oito vezes a área de Belo Horizonte – precisarão ser recompostos, chegando a 22% do total dessas matas. Enquanto isso, os 78% de APPs restantes sofrem ataques como o que foi narrado acima, ampliando esse passivo ambiental.

A derrubada da APP surpreendeu o coordenador técnico de meio ambiente da Emater-MG em Viçosa, Marcelo Caio Libânio Teixeira, que acompanhava a reportagem em campo. “Sem dúvida, é um crime ambiental. Além de APP, aquela é uma área de mata atlântica que só poderia ser cortada em situações excepcionais, como, por exemplo, em caso de utilidade pública”, afirma. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente é crime que prevê detenção de um a três anos e multa.


Os madeireiros em Viçosa se valiam da camuflagem que a selva e o relevo acidentado conferiam, mas também da impunidade que desfrutam frente a uma fiscalização considerada deficiente.
“Há um grande problema de fiscalização por parte dos órgãos públicos competentes, especialmente com relação à falta de estrutura física e operacional, que hoje é proporcionada pelo estado de um modo geral. A rotatividade de servidores atraídos pelas melhores ofertas de mercado na iniciativa privada, além da falta de conexão entre os órgãos municipais, estaduais e federais são um grande problema”, avalia a presidente da Comissão Estadual de Direito Ambiental da OAB/MG, Cintia Ribeiro de Freitas.

CADASTRO De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a mata atlântica encolheu em 26.193,30 hectares entre 2009 e 2015 – quase a mesma área do município de Lagoa Santa. Somando todo o desmatamento do período, o estado perdeu 171.947,16 hectares de vegetação, um rombo que equivale à soma do espaço ocupado pelos municípios de Belo Horizonte, Contagem, Betim, Sabará, Nova Lima e Ribeirão das Neves. A esperança é de que com o CAR se possa conhecer exatamente os limites espaciais das vegetações e terrenos que demandam proteção. O registro das áreas de preservação e culturas das propriedades rurais no CAR é parte das exigências do Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) e pode ser um reforço nas ações de inibição da devastação. “Podemos destacar duas funções principais do CAR. A primeira é a regularização florestal do território brasileiro e a segunda é formar um banco de dados ambiental do território para que esse possa ser monitorado e as políticas públicas possam ser orientadas”, afirma o gerente de reserva legal do IEF, Gustavo Luiz Godoi de Faria Fernandes. Até a semana passada, já haviam sido registrados 593.751 imóveis em Minas Gerais, superando os 550 mil que se tinha computado no último senso agropecuário, de 2006. Minas Gerais é o estado brasileiro com o maior número de propriedades.

FISCALIZAÇÃO Para o secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce), onde Viçosa está inserida, Edson Valgas de Paiva, as informações que estão sendo geradas a partir do registro espacial das propriedades rurais serão fundamentais para subsidiar as próximas fases do processo de regularização ambiental. Contudo, somente isso não basta. “O CAR é imprescindível para garantia da conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, mas a redução dos desmatamentos e a recuperação da mata atlântica só serão possíveis com maior empenho nas ações de fiscalização e combate aos crimes ambientais, trabalho intenso de engajamento e conscientização ambiental dos proprietários rurais e a implantação de mecanismos de incentivo aos produtores, que os estimulem a promover a recuperação ambiental e a conservação dos remanescentes florestais”.

Segundo a Semad, as ações de fiscalização ambiental podem ser motivadas por denúncias, por órgãos de controle e planejadas segundo critérios técnicos que definem as regiões prioritárias, considerando os maiores pontos de pressão sobre o meio ambiente. “A Semad vem aprimorando as tecnologias remotas de monitoramento e controle. Por meio dessas estratégias, já foi possível ampliar a cobertura das ações de fiscalização nos últimos anos.
Quanto à ampliação do efetivo não há previsão de aumento”, informou a secretaria. Entre o ano passado e este ano, ocorreram 1.303 fiscalizações que resultaram em R$ 67.373.543,61 em multas.


Mata Atlântica tem regime especial

A mata atlântica abrangia uma área de 1,3 milhão de km2 do território nacional, ao longo de 17 estados. Atualmente há 8,5% de remanescentes florestais acima de 100 hectares e 12,5%, se contados os fragmentos acima de 3 hectares. O bioma é um dos mais ameaçados e ricos em biodiversidade do planeta e por isso foi decretado como Reserva da Biosfera pela Unesco e Patrimônio Nacional. De acordo com a Lei Federal 11.428/2006, a conservação, em imóvel rural ou urbano, da vegetação primária ou secundária em qualquer estágio de regeneração do Bioma Mata Atlântica cumpre função social e é de interesse público. “Pode, a critério do proprietário, ser computada como Reserva Legal e seu excedente utilizado para fins de compensação ambiental”. Uma legislação extremamente restritiva regula a derrubada dessa vegetação. “O corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração ficam vedados quando esta abriga espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, exerce a função de proteção de mananciais, controla a erosão, forma corredores entre remanescentes de vegetação, protege o entorno das unidades de conservação ou possui excepcional valor paisagístico”..