Com mais de 100 mortes, surto de febre amarela em Minas desperta dúvidas sobre urbanização

Enquanto 77 óbitos ainda estão em investigação, o estado também registra mortes de macacos em decorrência da doença até nas grandes cidades. Especialistas avaliam adaptação do vetor

João Henrique do Vale Gustavo Werneck
Parque Jacques Cousteau, no Bairro Betânia, segue fechado desde fevereiro, quando macaco foi encontrado morto no interior da unidade de conservação - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PRESS
Um mal que não dá tréguas, exige cada vez mais pulso firme das autoridades e desafia cientistas para descobrir as causas do surto. Já chega a 101, em Minas, o número de óbitos confirmados em decorrência da febre amarela silvestre, com mais 77 em investigação.

Conforme dados divulgados ontem, pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), há 1.076 casos suspeitos da doença, configurando o pior surto da história do país registrado pelo Ministério da Saúde. Também ontem, a Prefeitura de Juiz de Fora, na Zona da Mata, confirmou que um dos seis macacos encontrados mortos na cidade teve a doença, elevando para 93 o número de cidades com esse tipo de ocorrência.

Para especialistas, a morte dos primatas preocupa e serve de alerta, devendo haver investigações profundas para detectar as causas e tranquilizar a população. Entre as questões a serem analisadas está uma possível adaptação ao meio urbano dos mosquitos Haemagogus e Sabethes, transmissores da febre amarela silvestre, e a ação do Aedes aegypti como vetor da doença nas cidades.

Nos últimos quatro dias, mais 12 casos da doença foram confirmados no estado pela SES. O número saltou de 260 confirmações para 272, o que representa alta de 4,6%. Em relação às mortes suspeitas, já são 184, três a mais do que o divulgado na sexta-feira.
Ainda faltam ser analisados 77 óbitos, o que pode quase dobrar o número de mortes pela doença neste ano. No total, foram descartados 57 casos, dos quais seis levaram a óbito. No estado, há 29 cidades com mortes confirmadas, incluindo Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e 50 com óbitos suspeitos.

A pior situação da doença está nos vales do Rio Doce e Mucuri, no Leste mineiro. O município de Caratinga é o que tem mais moradores com suspeita de febre amarela (159), seguido de Ladainha (Mucuri), com 111 notificações; Novo Cruzeiro (Jequitinhonha), com 95; Poté (Mucuri), com 58; Imbé de Minas e Simonésia (Zona da Mata), ambas com 42 casos suspeitos. Em relação a mortes, Ladainha está na liderança: o município tem 13 óbitos confirmados e outros 21 em investigação, seguido de Teófilo Otoni, com 11 confirmações e 15 suspeitos; e Piedade de Caratinga, com sete confirmadas e o mesmo número de suspeitos.

PREOCUPAÇÃO
A morte de macacos com suspeita de febre amarela se espalha pela RMBH. Já são quatro municípios onde os óbitos dos primatas com a doença foram confirmados. Entre eles a capital, que tem a confirmação em dois animais e investiga outros nove casos. Exames também confirmaram a doença em Betim, Contagem e Juatuba. Devido às mortes de primatas, parques municipais foram fechados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), incluindo o Jacques Cousteau, no Bairro Betânia, na Região Oeste. Em mais 11 cidades da região, os casos ainda estão sendo investigados, com rumores de óbitos de primatas em cinco comunidades.

A morte dos macacos preocupa o ecólogo Adriano Paglia e a virologista Giliane de Souza Trindade, professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Foi registrada a morte de macacos em vários municípios, então é necessário fazer uma investigação profunda”, diz Paglia, que tem um trabalho em andamento com o professor Sérgio Lucena, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e fortaleceu as pesquisas em decorrência do surto.

Segundo Paglia, há muitas questões a serem estudadas e muitas pontas soltas desde que começaram as primeiras mortes. Não há indicativos de febre amarela urbana, doença que não é registrada no país desde 1942, mas o ecólogo mineiro afirma ser preciso certificar se os mosquitos silvestres estão se adequando ao ambiente urbano e se outro vetor pode estar transmitindo a doença, como o Aedes aegypti. “É fundamental amarrar essas pontas, mas nada ainda está confirmado em ocorrência de febre amarela urbana.
O mais importante é não aterrorizar a população, embora ela deva ser alertada para os perigos da doença”, diz Paglia, lembrando que 60% dos primatas mortos são micos. A interdição dos parques pelas autoridades foi fundamental, acrescenta o ecólogo.

- Foto: Arte/EM
ARMADILHAS
Na avaliação do ecólogo e professor de ecologia do Departamento de Biologia Geral da UFMG, é fundamental a ampliação da cobertura vacinal para evitar a doença. Paglia ressalta que a parceria entre os laboratórios das universidades de Minas e Espírito Santo está se estreitando, o mesmo devendo ocorrer com o setor de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde da PBH. A virologista e professora do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFMG) Giliane de Souza Trindade, que trabalha com a também virologista Betânia Paiva Drumond, lembra que o macaco é um sentinela, um sinalizador da doença, enquanto os parques são remanescentes silvestres na matriz urbana. “Precisamos entender como o vírus chega ao macaco na área urbana e tentar compreender os riscos. Quanto maior a cobertura vacinal, menor o risco de o surto se instalar nos centros urbanos”.

A virologista informa que a equipe vai colocar armadilhas em parques a fim de capturar mosquitos e aprimorar as pesquisas, tendo em vista que não há registro de febre amarela urbana desde 1942.

CONFIRMAÇÃO A Prefeitura de Juiz de Fora, na Zona da Mata, confirmou ontem que um dos seis macacos encontrados mortos na cidade teve febre amarela. A situação coloca a cidade na lista dos municípios mineiros com registro de morte de primatas. Segundo as autoridades, a confirmação em um dos macacos mortos disparou sete medidas que estão sendo intensificadas na cidade. Apesar disso, não foram registrados casos suspeitos de febre amarela humana no município. As principais medidas são a intensificação da vacinação, com a solicitação de 200 mil doses, e o controle vetorial com apoio do Exército brasileiro para combate ao Aedes aegypti, que em ambientes urbanos também pode transmitir a febre amarela.

Em nota, a SES informa que é fundamental manter a população e profissionais de saúde informados sobre a doença e notificação de primatas encontrados mortos.
Além disso, devem ser notificados e investigados, em até 24 horas, todos os casos humanos suspeitos, incluindo aqueles de doenças febris ictéricas e/ou hemorrágicas, óbitos por causa desconhecida e morte de macacos, ampliar a oferta de vacina aos viajantes não vacinados que se destinem à Área com Recomendação de Vacina no Brasil (ACRV) ou para países com risco de transmissão, pelo menos 10 dias antes da viagem, e aprimorar o fluxo de informações entre secretarias municipais, órgãos regionais e centrais das secretarias estaduais de Saúde, visando à comunicação imediata ao Ministério da Saúde, garantindo oportunidade de decisão e melhor capacidade de resposta..