Jornal Estado de Minas

Sem saída a curto prazo, Defesa Civil de BH recomenda fugir de áreas de risco

Pouco mais de 12 horas de chuvas intermitentes foram o bastante para espalhar o caos por Belo Horizonte, gerar enxurradas capazes de causar pânico e morte, além de arrastar a capital para um quadro de alerta permanente. Entre a noite de segunda-feira e a tarde de ontem, tempestades deixaram ilhados motoristas e passageiros do transporte público na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, e provocaram a primeira morte oficialmente registrada nesta estação na capital: uma estudante de 11 anos não resistiu após ser levada pela correnteza com a irmã de 10 e outras duas colegas, quando iam para a escola, no Bairro Conjunto Felicidade, na Região Norte. A irmã mais nova está internada em estado grave. A prefeitura reagiu ao quadro, que incluiu desmoronamentos e dezenas de outros alagamentos, decretando situação de emergência diante dos temporais, que em alguns locais da cidade já superaram a média histórica esperada para dezembro e prometem castigar a cidade pelo menos nos próximos dois dias. Sem soluções a curto prazo, resta ao belo-horizontino correr da chuva, como aconselha a própria Defesa Civil, que reforça a recomendação para que se fuja dos 80 pontos de inundação mapeados na cidade.

Vídes mostram enxurrada e PMs resgatando as crianças



O alerta vale pelo menos até 2017 – quando nova gestão assumirá a prefeitura – e é feito por autoridades municipais e especialistas, considerando o cenário atual dos sistemas de drenagem em BH e o acumulado de chuvas. No caso da Avenida Vilarinho, por exemplo, onde na noite de segunda-feira cerca de 20 veículos ficaram presos na inundação e pelo menos seis foram arrastados, o problema é histórico e a solução, distante. O gargalo foi identificado ainda no primeiro ano da administração de Marcio Lacerda, em 2009. Naquela época, diagnóstico da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) recomendava uma série de intervenções, mas elas não saíram do papel.
E, mesmo se saírem, podem ser insuficientes, já que a PBH está tentando contratar novos estudos para atualizar as soluções.

“Não podemos achar que teremos uma saída imediata. A Sudecap está fazendo estudos, mas até encontrar uma solução as pessoas têm que adotar medidas de autoproteção. A Defesa Civil emite alertas. As áreas de risco estão sinalizadas. As pessoas precisam evitar esses locais, fugir de lá”, aconselha o coordenador da Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas. Ele explica que a orientação vale para todos os pontos críticos, inclusive locais de antigo registro de problemas, como Avenida Tereza Cristina (do Barreiro à Via Expressa), o cruzamento das avenidas Cristiano Machado e Sebastião de Brito, no Bairro Dona Clara; e as avenidas Francisco Sá (Prado), Bernardo Vasconcelos (Cachoeirinha) e Prudente de Morais com Joaquim Murtinho, no Cidade Jardim.

O mês de dezembro em Belo Horizonte é o período em que historicamente mais chove na capital. Na Região de Venda Nova, por exemplo, a chuva já alcançou 91% do esperado para todo o mês.
E a média de 319,4 milímetros em 31 dias esperada para a cidade já foi praticamente pulverizada por todo o Vetor Norte, que inclui as regiões da Pampulha, Venda Nova, Norte e Nordeste. Na Pampulha (331,5mm), esse patamar já foi superado. Venda Nova (291,8mm), Norte (312,5mm) e Nordeste (311,3mm) estão bem perto disso.

Sobre as recentes ocorrências nessas regiões, o coronel Alexandre Lucas explica que o problema é resultado da grande impermeabilização, que causa sobrecarga do sistema de drenagem, associado às intensas precipitações. “Com isso, o risco e os desastres se potencializam. Um grande volume de chuva em curto espaço de tempo é uma grande ameaça em um local vulnerável. As pessoas têm que respeitar o perigo nessas áreas e não tentar atravessar enxurradas, a pé, de carro ou em qualquer outro meio de transporte”, afirma.

Ele disse que haverá uma reunião para apurar por que o ônibus do Move ficou ilhado na Avenida Vilarinho na segunda-feira, para saber se o motorista foi surpreendido ou tentou avançar. Na ocasião, o sistema de monitoramento hidrológico de BH registrou 53,6 milímetros de água em apenas 30 minutos em Venda Nova, segundo a Sudecap. “A precipitação verificada neste curto espaço de tempo caracteriza uma chuva de intensidade alta e não frequente para a região”, informou a Sudecap, em nota.

Na avaliação do professor Nilo de Oliveira Nascimento, do Departamento de Engenharia Hidráulica da UFMG, a prefeitura precisa avaliar bem qual medida será adotada para enfrentar os problemas de inundação na cidade.
“São obras caras, que precisamm, mais do que aumentar galerias e construir bacias de detenção, pensar também no aumento da permeabilidade dessas áreas e investimento nos sistemas de alerta à população”, diz.

A Sudecap admite a insuficiência da infraestrutura para drenar a água da região, mas aponta a interferência de outras duas questões: o crescimento dos níveis de ocupação na bacia, além do comprometimento do funcionamento dessas estruturas pelo acúmulo de lixo e entulho. De fato, ontem havia muito lixo preso nas grades que separam a linha férrea da pista destinada aos carros na Avenida Vilarinho, bem em frente aos terminais de transporte de passageiros do metrô e do Move. Funcionários da prefeitura fizeram uma força-tarefa para dar conta de toda a sujeira.

Na conta da Sudecap, para resolver o problema estão três intervenções. Uma delas é a implantação da bacia de detenção do Córrego Lareira, que, além do piscinão, inclui a construção de redes de esgoto,  complementação do sistema viário, áreas de uso social, desapropriações, e remoção de famílias, avaliada em R$ 64 milhões. Porém, como empresas entraram na Justiça e travaram a licitação, a Sudecap preferiu cancelar o edital e fazer outro, com previsão de relançamento no primeiro semestre do ano que vem. Outra ação complexa necessária é a ampliação do canal da Avenida Vilarinho e também da Rua Doutor Álvaro Camargos, até o trecho abaixo da Avenida Cristiano Machado. Além disso, é necessário ampliar a microdrenagem, aumentando as redes de condução da água da chuva.

“A população de Venda Nova está abandonada. Você só escuta a prefeitura falar que não tem dinheiro”, diz Rodrigo Araújo, de 44 anos, o dono de uma fábrica de ferramentas na Vilarinho, bem perto de onde um ônibus do Move ficou ilhado. Entra ano e sai ano o resultado é o mesmo, segundo ele. Na semana passada, ele contou que a água atingiu uma de suas máquinas e até hoje ele não conseguiu ligá-la.
“Parece que depois das intervenções do Move aqui na região, o problema ficou mais frequente. A impressão que temos é de que todas as construções inviabilizaram a drenagem”, completa Rodrigo.

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