Jornal Estado de Minas

Parceiros não se tratam contra a sífilis com a mesma frequência das mulheres

Ao mesmo tempo em que o controle da sífilis esbarra na insuficiência de ações de prevenção, a doença ganha ainda mais força para se alastrar diante de outros entraves. Já constatado, é baixo o percentual de parceiros que tratam a doença concomitantemente à gestante – procedimento considerado adequado, segundo protocolo do Ministério da Saúde.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que, em apenas 1.201 casos dos 4.519 registros de gestantes diagnosticadas com sífilis entre janeiro de 2015 e outubro de 2016, os parceiros também se trataram ao mesmo tempo em que as mulheres. O número representa 26,57% do total.

Em 41,3% dos casos (1.870), não houve adesão e, para os 32% restantes (1.448), não há informação acerca do tratamento do parceiro nas fichas de atendimento. Além desse problema, Minas Gerais enfrenta outro que é comum a uma realidade nacional: o desabastecimento da penicilina benzatina, medicamento usado no tratamento da sífilis.

A coordenadora de DST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Estado da Saúde, Jordana Costa Lima, explica a importância da adesão ao tratamento. “A sífilis é uma doença muito fácil de ser transmitida, mais até que a hepatite e o vírus HIV. Além disso, se a mulher se trata e o parceiro não, ela volta a ser reinfectada e começa um novo ciclo da doença”, diz. Ela lembra ainda que a pessoa com sífilis tem maior chance de contrair o vírus da Aids, porque um dos sintomas da doença são as feridas, que aumentam a exposição ao HIV.

O chamamento ao parceiro para se tratar, no caso das gestantes, tem relação ainda com a saúde do bebê, uma vez que, não tratada ou reinfectada, a mãe transmite a doença via placenta e a criança apresenta sérios problemas de saúde (veja arte).
Segundo Jordana, 20% daquelas crianças que tiveram sífilis congênita nasceram com algum tipo de complicação, seja neurológica ou de má-formação.

Sobre o trabalho de prevenção, a coordenadora explica que o estado mantém ações, como distribuição de preservativos (30 milhões por ano) e intensificou o diagnóstico ao longo dos últimos anos, com aplicação gradativa de testes rápidos. Sobre campanhas, Jordana diz que Minas segue diretrizes do Ministério e que começa, nos próximos dias, com trabalho publicitário voltado para a conscientização da população.

Ministro da Saúde, Ricardo Barros, acredita que é necessário um diagnóstico precoce de sífilis, para que a prevenção seja mais eficiente - Foto: AntônioCruz/AgênciaBrasil - 08/11/2016

CONTROLE
Em Belo Horizonte, a referência técnica da Coordenação de Saúde Sexual e Atenção às DSTs/Aids, Maria Gorete dos Santos Nogueira, explica que há uma série de ações sendo feitas para a prevenção e o controle da sífilis, a exemplo de treinamento de equipes, aplicação de testes rápidos, distribuição de preservativos e material didático, além de ações de conscientização. Ela destaca, ainda, que os municípios que apresentam alto número de casos são justamente aqueles em que o trabalho de diagnóstico vem sendo feito, como é o caso de BH. Mas admite que “todas as vezes que vêm os surtos de outras doenças, os programas (da sífilis) são atropelados por essas outras prioridades da saúde. Infelizmente é uma realidade: há diminuição de investimento e de pessoal nas ações”.

De acordo com o Ministério da Saúde, desde 2014, países de todo o mundo sofrem com a baixa nos estoques, devido à falta de matéria-prima para a produção. Mas diz que, este ano, adquiriu, em caráter emergencial, 2,7 milhões de frascos de penicilina benzatina, com prioridade na prescrição para grávidas e seus parceiros. Além disso, o ministério já iniciou a compra de 230 mil ampolas de penicilina cristalina.

Epidemia em todo o Brasil


Dados do Boletim Epidemiológico da Sífilis deste ano, com informações de 2014 e 2015, mostram que a doença também cresceu em altas proporções no restante do país.
A sífilis adquirida teve aumento de 32,7% no período, enquanto em gestantes o índice foi de 20,9% e a congênita chegou à marca de 19%. Em 2015, o número total de casos notificados de sífilis adquirida no Brasil foi de 65.878. No período de 2010 a junho deste ano, foi registrado um total de 227.663 casos de sífilis adquirida. E os homens são maioria, presentes em 136.835 (60,1%).

Campanha começa hoje em Minas


Depois de assinar, no fim de outubro, carta de compromisso estabelecendo estratégicas para a redução da sífilis congênita no país, no prazo de um ano, o Ministério da Saúde deu início a uma campanha publicitária, chamando a atenção para ações de prevenção da doença. Em Minas Gerais, as ações começam hoje. Materiais sobre a sífilis serão distribuídos para as 28 regionais de saúde, via correio. Estas, por sua vez, distribuirão aos municípios sob sua jurisdição.

O foco da ação é para detecção precoce da doença, na primeira consulta do pré-natal, e encaminhamento da mãe e seu parceiro sexual para imediato tratamento com penicilina. O incentivo é para que os testes rápidos sejam feitos ainda no primeiro trimestre da gestação, para facilitar o diagnóstico.
A iniciativa prevê, ainda, atividades de educação para qualificar gestores e profissionais.

Como um dos focos é fazer a detecção da doença precocemente, a quantidade de testes entregues aos estados e municípios teve aumento. “Nosso objetivo é reunir a sociedade no esforço de combate à sífilis. Assim, poderemos incentivar a testarem, principalmente as grávidas, para evitar a transmissão vertical da doença. Trazemos soluções factíveis no compromisso que assinamos hoje”, enfatizou o ministro da saúde, Ricardo Barros, na ocasião do pacto feito, em outubro. Segundo o Ministério da Saúde, de 2001 para 2015 foram adquiridos 5 milhões a mais de testes, número que saltou de 1,1 milhão para 6,1 milhões.

Os profissionais da saúde também receberão capacitação sobre a doença, por meio do Manual técnico para o diagnóstico da sífilis. Ele apresenta três fluxogramas para o diagnóstico seguro da infecção. Os profissionais e serviços de saúde poderão selecionar aquele que mais se encaixa à sua realidade local.

Personagem a notícia

José da Silva*

Descobriu por acaso

Como a sífilis é silenciosa, muitas vezes ela pode ser detectada apenas depois de anos. Como foi o caso de um promotor de eventos, de 55 anos, que preferiu não se identificar. Ele descobriu a doença por acaso, depoisde fazer um exame de rotina.
“Minha dermatologista me pediu para fazer um checape e descobri que estava com sífilis há anos”, afirmou, sem saber em qual situação contraiu a doença. O tratamento foi feito com penicilina. “Tomei três injeções e tudo se resolveu. Não tive nenhum sintoma, nem notei nada de estranho em minha pele. Agora, por causa disso, faço exames frequentes”, disse. O promotor de eventos crítica as campanhas para prevenção da doença, pois acredita que são feitas de forma errada. “Têm que ser mais agressivas. Devem falar a verdade, que a doença é transmitida por meio de relação sexual, com drogas injetáveis. Esse tipo de coisa não aparece. A abordagem está ruim, poderiam dar exemplos mais esclarecedores”, sugeriu.
Como trabalha com adolescentes de 14 a 17 anos, ele presencia uma cultura preocupante: a falta de preservativos. “Sempre abordo esse tema com eles e vejo que ninguém está usando camisinha. Virou uma cultura que pode estar contribuindo para o aumento do número de casos”, alertou.
* Nome fictício.