Grafites pintados em muros de BH resgatam espaços deteriorados e atraem olhares

Com permissão de proprietários, grafiteiros transformam pontos degradados de BH em expressões de arte, por meio do projeto Telas Urbanas

Márcia Maria Cruz

Os muros são pintados e ganham vida tanto pela iniciativa dos artistas, que contam com a permissão de proprietários, quanto por meio do projeto Telas Urbanas, - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

 As linhas e cores de artistas urbanos revitalizam a paisagem de Belo Horizonte. Locais degradados, como o baixo dos viadutos, se tornam pontos de visitação, como é o caso do viaduto José Alencar, na Avenida Antônio Carlos, que, na tarde de ontem, uma turma de formandos do curso de psicologia da PUC Minas escolheu para cenário do ensaio fotográfico, ou a Rua Niquelina, onde painéis gigantes quebram a monotonia do cinza e transformam a via em galeria a céu aberto. Os muros são pintados e ganham vida tanto pela iniciativa dos artistas, que contam com a permissão de proprietários, quanto por meio do projeto Telas Urbanas, desenvolvido pela Fundação de Cultura de Minas Gerais. Por meio de edital, o projeto permitiu que 83 artistas e grafiteiros colorissem os espaços públicos da cidade.

A artista visual Priscila Amoni, de 31 anos, trocou o ateliê pelas ruas e as telas pelos muros para apresentar seu trabalho. Ela faz parte de uma geração que tem mudado a cara da cidade por meio da arte urbana. “A cidade virou meu ateliê. Trabalho com pincel na rua. Quando estamos aqui, temos que ter desapego, porque vem uma criança nos puxar e pede para deixar pintar, tem o cachorro que late, a polícia.
É uma arte mais rápida e não contamos com a calma do ateliê”, afirma a jovem, que fez mestrado em pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. A mudança da tela para os muros atende ao chamado para participar da escrita na cidade. “Não tem como julgar a arte que está na rua. Não tem curador. É uma arte da diversidade. Não há motivo para existir seleção do que é bonito ou feio, do que é permitido ou não”, argumenta. Ela lembra que algumas formas de expressão da arte urbana são de compreensão difícil. “A arte de rua, muitas vezes, é a expressão das vozes que são caladas na sociedade”, diz em referência às pichações.


Para pintar muros e paredes, Priscila pede autorização aos proprietários. “Já recebi muitos nãos. Mas as pessoas na Rua Niquelina têm percebido que a via virou um corredor de arte urbana. Estão mais abertas para isso”, pontua. Os painéis são feitos em parcerias por artistas com projeção, como é o caso de Eduardo Fonseca e a paulistana Mag Magrela, um dos nomes mais importantes da arte visual do Brasil, que também assina murais na Niquelina.
Ao longo de toda a extensão da rua, é possível encontrar trabalhos do Minas de Minas, coletivo de grafiteiras, Gud e Thiago Mazza, artistas dos mais famosos da cidade. Com autorização dos proprietários, Priscila tira o investimento para comprar as tintas do seu bolso.“Não é o Estado nem a polícia que definem o que é a arte na rua, que é o espaço da diversidade. Na rua aparece o dissenso para que a gente possa dialogar.”

Com painéis de Eduardo Fonseca, Alexandre Rato e outros artistas, o Viaduto José Alencar chama a atenção de quem passa pela Avenida Antônio Carlos, na Região da Pampulha, e foi escolhido pelos alunos do curso de psicologia da PUC Minas para ser o cenário das fotos do convite de formatura. “É uma identificação com as coisas da cidade”, afirma o estudante Douglas Henrique Gomes, de 24. O local foi sugerido pelo fotógrafo Bruno Rafael, de 35, responsável pelo ensaio. “A paisagem urbana de BH é muito explorável, com os grafites e pinturas fica com colorido maravilhoso”, diz. As pinturas, na avaliação da estudante Marcella Álves, de 22, torna a cidade mais aprazível. “A arte urbana mexe com a gente. Passamos a observar mais a cidade”, avalia.

Outro corredor de arte urbana que chama atenção de quem passa é a Avenida Pedro I. Na tarde de ontem, o corretor Nilson Ismeiro, de 53, levou a filha Eduarda Eugênia e a colega Maria Eduarda Borges, ambas de 11, para fotografar as pinturas.
“A nossa turma decidiu que iríamos trabalhar com o rap e o grafite, que são culturas muito expressivas”, diz Maria Eduarda. As meninas pretendem falar do espaço urbano da capital para o trabalho da Escola Municipal Professor Amílcar Martins. A comerciante Marta Eliana Cândida Faria, de 58, cedeu o muro do estabelecimento comercial na Avenida General Olímpio Mourão Filho com a Rua Desembargador Custódio Lustosa para a pintura de um grafite. “Foi feita por um amigo da gente. Ele deu a ideia e nós topamos”, diz. A aprovação foi tanta que ela já preparou outro muro para ser grafitado. “Estamos tentando entrar em contato com a artista que faz o Bolinho. Queremos colocar um aqui”, diz.

O projeto Telas Urbanas convocou, por meio de edital 68, para ocupar espaços públicos com arte mural. Outros 15 foram convidados pela Associação dos Amigos do Museu de Arte da Pampulha, por possuírem prestígio nacional. Os artistas eram de 14 cidades brasileiras, com perfis heterogêneos. “A arte urbana é um fenômeno mundial que nasce de vários fatores, sobretudo do desejo dos artistas que não estão nas galerias. É uma forma de expressão”, diz o presidente Fundação Municipal de Cultura, Leônidas Oliveira.

O que diz a lei: Não há uma legislação específica sobre arte urbana em Belo Horizonte. A questão é tratada, de forma parcial, no Decreto 15.155, de 26 de fevereiro de 2013, que permite o uso de tapumes para a veiculação de obras artísticas, como pintura, grafite, plotagens e outras formas de representação gráfica. Segundo a Secretaria Municipal de Regulação Urbana, em caso de imóveis privados, a autorização para a pintura em muro e paredes é de responsabilidade do proprietário.

.