Três anos após as manifestações de 2013, restam processos, inquéritos não concluídos e a dor pela morte de dois jovens

Para Neide Maria Caetano de Oliveira, mãe de um dos jovens mortos, nada mudou desde então. "Adiantou fazer manifestação, ir para a rua? O que mudou foi a minha vida".

Junia Oliveira

Neide Maria Caetano de oliveira, mãe de Douglas Henrique de Oliveira Souza, que morreu ao cair do viaduto em BH durante as manifestações de 2013 - Foto: Alexandre Guszanche/EM/D.A PRESS

Os sorrisos e afagos do filho querido se tornaram lembranças. No coração de mãe, um vazio imenso nunca mais será preenchido. O futuro não aconteceu e do passado ficará a eterna interrogação. Talvez pulso firme teria impedido Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos, de sair de casa naquela quarta-feira, 26 de junho, quando sua vida foi interrompida de forma trágica. Ele foi um dos dois jovens que morreram depois de cair do viaduto José Alencar, na Pampulha, em Belo Horizonte, durante as manifestações de 2013. Para a doméstica Neide Maria Caetano de Oliveira, de 46, passados quase três anos, restou a ferida para sempre aberta e nenhuma das mudanças pelas quais o filho saiu para lutar. Para a Justiça, o movimento resultou em pelo menos três processos envolvendo os chamados “black blocs”, grupo acusado de atos de vandalismo naquela época.

Neide não entrou com qualquer processo contra o poder público nem pensa em fazê-lo. Do inquérito policial tampouco tem notícia.
O que não quer é apenas deixar o filho cair no esquecimento. “Não vai adiantar, não vai trazer meu filho de volta. Não quero isso para mim. Quando minha ferida começa a cicatrizar, vou cutucar de novo?”, questiona. “A situação do Brasil não muda. A única coisa que muda são nossas vidas perdendo os filhos. A tendência é só piorar. Mudou alguma coisa? Adiantou fazer manifestação, ir para a rua? O que mudou foi a minha vida. Fiquei sem o sorriso, sem o abraço dele. Minha sensação é de que tudo foi em vão”, diz.

Ela se lembra dos últimos momentos com Douglas, quando pediu para ele não ir à manifestação. Menino trabalhador – acordava às 5h para pegar serviço às 6h e entregava um quarto do salário de R$ 800 à mãe para ajudar em casa – não tinha vícios nem se envolvia com nada ilícito. Sem ligação com movimentos sociais ou partidos políticos, foi com alguns colegas para a rua protestar contra a situação do país por acreditar que aquilo era o certo e necessário. “Se eu pedisse com mais energia para ele não ir, porque eu não queria, ele não iria.
Por vários dias me cobrei por não ter sido mais enérgica”, recorda-se. Mãe também de duas filhas e avó de uma neta, Neide se agarra à família, que sofre junto com ela, para continuar em frente.

A cena do filho caindo no viaduto a persegue até hoje. “Quando eu vi aquilo, falei: ‘Senhor, seja feita a sua vontade. Me dê forças, Pai.’ E continuo contando com a força do Pai”, relata. Douglas morreu horas depois, no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na Região Hospitalar da capital. Acordar de madrugada com o rosto do filho é comum para Neide. Acender a luz e vê-lo, sereno, olhando para ela, também: “Ninguém separa esse elo e esse amor. Meu filho e os colegas não eram pessoas de bagunça. Foram por um ideal mesmo. Infelizmente, eu falava naquela época e repito agora: não tem jeito, não tem para onde caminhar.
O povo vai continuar votando e vai continuar ninguém fazendo nada. O que mudou? Nada. É o que mais me revolta. Saber que nada mudou, nada muda.”

Além de Douglas, outras cinco pessoas caíram do Viaduto José Alencar, que faz a ligação entre as avenidas Antônio Carlos e Abrahão Caram. Ele tentava pular a mureta para alcançar a outra pista, mas não viu o buraco entre as duas estruturas do elevado. Um desnível entre as pistas gera a falsa impressão de que elas são unidas. O jovem Luiz Felipe Aniceto de Almeida, de 22, também perdeu a vida. Ele caiu no dia 22 de junho, quatro dias antes do acidente de Douglas, e ficou internado em estado grave no João XXIII por 19 dias.

O inquérito que apura as mortes ainda não foi concluído e está sob a responsabilidade da 3ª Delegacia Noroeste. De acordo com a assessoria da Polícia Civil, todos os indícios até o momento apontam que os óbitos foram causados por acidente. A conclusão dos documentos aguarda a perícia de algumas imagens recebidas pelo delegado. No mês passado, houve pedido de extensão do prazo, que seria de 30 dias.

APURAÇÕES

As tensões e confrontos provocados pelos black blocs também estão na mira da Justiça. Tramita na 7ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, em BH, processo com 11 réus acusados de crimes contra a administração pública. A última movimentação é de 3 de março. A juíza Rosângela de Carvalho Monteiro deferiu pedido da defesa, feito em setembro do ano passado.

Os advogados demandam a expedição de ofício às emissoras de televisão para que remetam, na íntegra, as gravações à Justiça; o encaminhamento à perícia dos instrumentos apreendidos e considerados como armas e do DVD com as imagens das câmeras do Olho Vivo; e envio de ofício ao Instituto de Criminalística requerendo a complementação do laudo com esse material. Um desses 11 réus tem outro processo, sobre restituição de materiais apreendidos. No terceiro julgamento relacionado aos suspeitos de atos de vandalismo, já arquivado, os réus foram absolvidos.

VINTE DIAS DE TENSÃO

As manifestações de junho de 2013 começaram com o objetivo de contestar os aumentos nas tarifas de transporte público e levaram, de início, milhares de pessoas às ruas de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) e Recife (PE). A partir da repressão policial, os protestos ganharam forte apoio popular, principalmente de estudantes, estendendo-se a outras pautas, como os gastos públicos com a Copa do Mundo, a má qualidade dos serviços públicos, a reforma política e a corrupção política em geral. Em BH, o ponto nevrálgico foi a Praça Sete, no Centro, com a multidão seguindo pela Avenida Antônio Carlos em direção  do Mineirão, na Pampulha, onde estavam sendo realizados os jogos da Copa das Confederações. Por causa dos protestos, não houve aumento das tarifas de ônibus, mas a mobilização deixou um saldo trágico: seis pessoas caíram do Viaduto José Alencar e duas delas morreram. Houve atos de vandalismo que provocaram destruição, sobretudo na Avenida Antônio Carlos.



17 de junho

Nigéria x Taiti

Em Belo Horizonte, 20 mil pessoas segundo a Polícia Militar e 50 mil de acordo com os manifestantes ocupam as ruas, com início de protesto pacífico na Praça Sete e caminhada pela Avenida Antônio Carlos, ocupando a pista no sentido Pampulha. Perto do câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), gás lacrimogêneo e de efeito moral, tiros de balas de borracha, vandalismo, pelo menos seis pessoas feridas e cinco presas no confronto entre manifestantes e policiais militares. Durante a pancadaria, um jovem de 18 anos cai do Viaduto José Alencar. Agências bancárias e lojas são alvo de vandalismo.

19 de junho


Os confrontos do primeiro protesto dão lugar a manifestações pacíficas em BH, numa marcha que se iniciou com estudantes da UFMG, no câmpus Pampulha. A concentração, no acesso da Avenida Antônio Carlos, começou tímida, reunindo cerca de 200 jovens no fim da tarde, mas ganhou força rumo à Praça 7, chegando a juntar quase 10 mil pessoas, numa união e reforço pela paz.

22 de junho
Japão x México

Na capital, vândalos atacam policiais militares, interrompem manifestação pacífica e transformam o entorno do Mineirão num campo de batalha. Aproximadamente 120 mil pessoas vão às ruas. A manifestação tem início pacífico na Praça Sete, seguindo-se caminhada pela Avenida Antônio Carlos. Na esquina com Avenida Abrahão Caram, perto do estádio, manifestantes que queriam ultrapassar o perímetro de segurança estabelecido pela Fifa fazem barreiras, destroem equipamentos públicos, picham prédios e atacam concessionárias de veículos. Três jovens, entre eles Luiz Felipe Aniceto de Almeida, de 22 anos, caem de uma altura de cerca de cinco metros do Viaduto José de Alencar, na Avenida Antônio Carlos. Ele morreu depois de ficar internado em estado grave no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII por 19 dias.

26 de junho
Brasil x Uruguai

O encontro de um batalhão de policiais e 50 mil manifestantes explode em uma guerra de pedras, fogo, bombas de efeito moral e balas de borracha. O resultado é a Avenida Antônio Carlos arrasada: incêndio, saque e destruição em concessionárias, bancos, lojas e postos de combustíveis. No total, 24 pessoas são detidas e pelo menos 16 ficam feridas. Dois jovens caem do Viaduto José Alencar. Um deles é o auxiliar de logística Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos. Ele morre horas depois no João XXIII. Douglas tentava pular a mureta para alcançar a outra pista, mas não viu o buraco entre as duas estruturas do elevado. Um desnível entre as pistas gera a falsa impressão de que elas são unidas. Na foto, familiares de Douglas prestam homenagem a ele no local da queda.

28 de junho

Cinco quilômetros da LMG-808, que liga Contagem a Esmeraldas, na Grande BH, são bloqueados por moradores durante 12 horas em protesto pela falta de ônibus para os bairros Novo Retiro e Monte Sinai. Também foram fechadas a BR-381 (Betim), BR-040 (Conselheiro Lafaiete), BR-116 (Governador Valadares), MG-010 (Cidade Administrativa), MG-424 (Vespasiano) e a LMG-806 (Ribeirão das Neves). Em duas semanas, mais de 40 protestos fecharam rodovias que cortam Minas.

29 de junho


Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, é votada a PL 417, que reduziria a passagem em R$ 0,10. Sem concordar com a decisão, vários movimentos ocupam a sede do Legislativo municipal pedindo um corte de R$ 0,25.

7 de julho


Nove dias depois, os manifestantes decidem desocupar a Câmara, após anúncio do prefeito Marcio Lacerda (PSB) de redução de R$ 0,15 no preço da passagem, mais isenção do ISSQN. Na sede do Legislativo, o protesto deixou um saldo de pichações nos banheiros (foto acima), além de uma porta blindex e uma vidraça quebradas.

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