Em condições extremas

Cursos de sobrevivência ganham cada vez mais adeptos no Brasil

Em pleno feriado da semana santa, a reportagem do Estado de Minas acompanhou um grupo de quatro pessoas que trocou o bacalhau e a diversão nos estados de origem por suor e superação

Mateus Parreiras
Giuliano Toniolo, instrutor do curso, ensina como fazer uma fogueira - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

A chuva fria ensopou as calças e encheu de água as botas impermeáveis, fazendo os calçados transbordarem a cada passo. Com a tempestade no fim da tarde, a preocupação era construir rapidamente um abrigo para passar a noite.  A falta de luz dificultava esticar uma cobertura de plástico velho sobre uma árvore e coletar entre touças de espinhos as folhas que revestiriam o solo do refúgio improvisado ao relento. Essa batalha contra o tempo para resistir à noite no mato, sem barracas ou cobertores, parece o relato de alguém perdido na mata após acidente ou fuga. Mas as dificuldades extremas são parte do treinamento de sobrevivência em áreas selvagens a que pessoas comuns têm se sujeitado como forma de preparação para situações extremas.


Em pleno feriado da semana santa, a reportagem do Estado de Minas acompanhou um grupo de quatro pessoas que trocou o bacalhau e a diversão nos estados de origem por suor e superação durante curso de sobrevivência no cerrado mineiro, em Lagoa Santa, na Grande BH. Comportamento que se tem popularizado no Brasil com a difusão de programas de TV e canais da internet que mostram aventuras, conhecimentos e técnicas para sobreviver em locais inóspitos e a convulsões sociais.
A procura pelos meios de subsistir num ambiente selvagem é o extremo a que chegam pessoas que seguem a filosofia do sobrevivencialismo, que busca a capacitação para crises e eventos catastróficos, como a insegurança de uma guerra civil por conta de disputas políticas ou desabastecimento devido a greves prolongadas, colapso econômico ou cataclismo natural –, enchentes, estouro de barragens, maremoto, tornados e até tempestades solares.

Parece exagero para a maioria das pessoas, mas os adeptos levam a sério e, entre outras dezenas de medidas preventivas, buscam trocar conhecimentos para a produção de víveres, ferramentas, estratégias de fuga, meios de defesa e fazem até estoques de comida, medicamentos e combustível.

“Além da participação de militares, membros de órgãos de segurança pública e missionários, aumentou bastante a quantidade de outros profissionais que perceberam o valor desse tipo de conhecimento para a sua segurança, como médicos, biólogos, ciclistas que fazem trilhas, escaladores e muitos outros civis”, conta Giuliano Toniolo, mineiro de Ouro Preto e instrutor do curso de sobrevivência, que é reconhecido internacionalmente.

As histórias dos participantes são similares. Todos fazem passeios na natureza e sentiram a necessidade de saber como se virar caso se percam ou sofram um acidente. “Comecei a me interessar pela sobrevivência depois de assistir aos programas da TV e do YouTube. Senti a importância de estar preparado em caso de necessidade e descobri que na realidade as coisas são muito mais duras do que parecem nesses programas”, disse o gerente paulista Douglas Cury, de 31.


“Senti que, como a maioria das pessoas, estava perdendo contato com o mundo natural e totalmente dependente das facilidades urbanas.

Essa foi uma forma de retomar esses conhecimentos”, afirma o economista carioca César Manoel Cruz, de 49. “Cada vez valorizo mais a vida na natureza e tento me ligar mais a isso. Por isso, achei importante fazer esse curso”, conta o design gráfico e também carioca Ruben Cervo, de 21. “Passei a fazer muitos acampamentos e esses conhecimentos são uma necessidade. Podem salvar vidas”, avalia o engenheiro de BH,  que mora em Vitória, Zoroastro Santolim Pimenta, de 32.
O gerente paulista Douglas Cury sentiu a necessidade de estar pronto para enfrentar as dificuldades da natureza inóspita - Foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
Coletores e caçadores

Antes do início das atividades, Toniolo reúne o grupo e fala sobre a evolução humana e a transmissão de técnicas primitivas que permitiram a subsistência de grupos coletores e caçadores, lascando pedras para fazer facas e conseguindo fogo por centelhas ou atrito. Nesse momento, mesmo sem que os alunos percebam, ele costura uma espécie de pacto de união para sobreviver entre os participantes, que culmina à noite com a vigília do fogo,  quando se estabelecem turnos para que os sobreviventes mantenham acesa a fogueira do acampamento. “Somos um clã. A responsabilidade de cada um é manter o fogo, que simboliza a nossa sobrevivência enquanto grupo”, diz o instrutor.

 

 

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