Ibama contesta Samarco e alerta para diques cheios; obra de contenção é suspensa

Ibama informa que dois dos três diques feitos pela Samarco para tentar conter lama que continua vazando em Mariana não cumprem mais a função. Sozinha, terceira represa não é capaz de reter todo o material e projeto para a quarta estrutura teve de ser suspenso

Mateus Parreiras
Segundo órgão ambiental, o chamado dique S3 é hoje o único operante, de um total de quatro barramentos projetados para tentar reter rejeitos que continuam a descer da represa rompida em 5 de novembro - Foto: Leandro Couri/EM/DA Press
O sistema de diques projetado pela mineradora Samarco para tentar estancar o vazamento de lama e rejeitos que são despejados há cinco meses pelas barragens do Fundão (que se rompeu) e de Santarém (atingida pelo rompimento) opera com excesso de sedimentos e duas das três estruturas já estão saturadas. Com isso, continua a poluição da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. A informação sobre a sobrecarga da última contenção ainda operante e sobre o esgotamento das duas outras é do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e contrasta com afirmações que a empresa tem feito. Segundo a Samarco, mesmo depois de os diques S1, logo abaixo do represamento de Santarém, e S2, que vem na sequência, terem sofrido os efeitos das cheias do período chuvoso, as “estruturas têm contribuído para a melhoria dos aspectos de cor e turbidez dos rios afetados pelo acidente com a barragem”. O dique S2, com capacidade para reter 45 mil metros cúbicos de detritos e água, chegou a ruir com as chuvas, foi refeito e depois acabou soterrado por lama. A mineradora afirmou, há uma semana, que “concluiu a construção dos diques S1, S2 e S3 em fevereiro”, mas, em novo levantamento do Ibama, o instituto atesta que atualmente os dois primeiros se encontram totalmente inoperantes.

Em novembro, mês do rompimento da Barragem do Fundão, que causou a morte de 19 pessoas e o maior desastre socioambiental do Brasil, ao encher de lama os rios Gualaxo do Norte, do Carmo, Doce e parte da costa do Espírito Santo, a Samarco planejou construir quatro diques, denominados S1, S2, S3 e S4 , como parte do primeiro acordo com o Ministério Público estadual e órgãos ambientais para tentar estancar a degradação hídrica. De acordo com o Ibama, essas são “estruturas filtrantes e galgáveis, isto é, vão retendo material mais grosso e deixando passar água com qualidade melhor”. Ao longo da vida útil desses reservatórios, é previsto que sejam assoreados, até que percam sua finalidade após reter lama e rejeitos, que vão decantando e sendo acumulados no fundo das represas.

Porém, o Ibama constatou que o volume de água e de rejeitos que chegou a essas estruturas foi maior do que o dimensionado pela Samarco.
“Isso (o assoreamento completo dos diques) ocorreu rapidamente, no período de chuvas, com os diques S1 e S2. Logo, tais diques cumpriram sua função no momento e hoje estão inoperantes”, informa o instituto. O único dique em funcionamento é o S3, posicionado praticamente em cima de Bento Rodrigues, o subdistrito arrasado de Mariana. Mais abaixo, o outro dique previsto era o S4, que quando pronto praticamente transformaria Bento Rodrigues e todas as estruturas existentes na sua área em uma nova barragem de detritos, como mostrou o Estado de Minas na última semana. Mas, segundo a empresa, o S4 não será mais construído no local inicialmente previsto, devido à descoberta de estruturas arqueológicas na região. Com isso, a estrutura denominada S3, que tem um reservatório com capacidade para 1,3 milhão de metros cúbicos, é a única em funcionamento para receber toda a lama calculada inicialmente para ser distribuída em quatro contenções.

As barragens não têm funcionado a contento, de acordo com o Ministério Público, que já anunciou a intenção de propor medidas judiciais na tentativa de cessar os danos ambientais contínuos à Bacia do Rio Doce. O líquido que continua a escorrer do dique S3 é barrento e deposita um pó cinzento e brilhante nos leitos e margens dos cursos d’água em que desemboca, como constatou a reportagem do EM. O córrego vermelho que continua a correr é apenas uma fração do rio que costumava passar por Bento Rodrigues, já que um lago enorme se formou a partir do barramento e libera pouco volume. O reservatório criado para melhorar a qualidade da água acabou por inundar pastagens e bosques que estavam cobertos pelos rejeitos.
- Foto: Arte EM
MEDIDAS A Samarco informou que tem adotado ações para impedir o assoreamento com o carreamento de lama e rejeitos depositados nas margens dos rios. “Trabalhos nas margens dos rios (afluentes tributários) estão sendo realizados, tais como o enroncamento (colocação de pedras), plantio de grama e implantação de mantas de geotêxtil, itens que são parte do plano de recuperação ambiental entregue ao Ibama”, informou, em nota. O instituto afirma ter “realizado reuniões com a Samarco, nas quais são explicadas as estratégias utilizadas; e tem vistoriado os locais em que está sendo feita a revegetação emergencial”. Sobre autuações, foram feitas cinco, com multas individuais no valor de R$ 50 milhões, aplicadas em cada processo. O próprio órgão federal reconhece que o valor é baixo diante do tamanho do estrago.
Mas é o “máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais, sem reajuste há 18 anos”.

Samarco diz que quadro é normal

A Samarco informou ontem que era esperado que “ocorresse o assoreamento dos reservatórios ao longo do tempo”. “À medida que os sedimentos se depositam em cada um dos reservatórios, a água segue mais clarificada”, sustenta, afirmando que o sistema “continua com o funcionamento conforme esperado”, apesar de o Ibama e o Ministério público terem avaliado que os diques S1 e S2 acabaram tornando-se inoperantes antes do programado.

A própria empresa informou que o dique S3 está sendo redimensionado para comportar mais rejeitos. A mineradora informou que vem tomando outras medidas. “Com o início do período seco, a Samarco trabalha na construção de uma nova estrutura de contenção, em aterro compactado, na saída da Barragem do Fundão”, informou, acrescentando que faz bombeamento da drenagem pluvial e outras ações para reduzir o volume de água que chegam às barragens e, consequentemente, o carreamento de sedimentos para os cursos d’água.

Em relação ao dique S4, a Samarco informa que o projeto foi dimensionado para não haver inundação de todo o subdistrito de Bento Rodrigues. Ainda assim, como foi identificada estrutura arqueológica na área de inundação prevista inicialmente, o projeto está suspenso. Soluções estão sendo discutidas com os órgãos competentes.

Ação para manter Bento na memória

O temor de que Bento Rodrigues se torne uma barragem de rejeitos, soterrando a memória do acidente e das vítimas, vem mobilizando movimentos sociais. O coletivo Um Minuto de Sirene, de Mariana, iniciou um movimento em que defende o tombamento da região no mesmo modelo de áreas de catástrofes e atrocidades, como o memorial do 11 de setembro de 2001, em Nova York, o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, e Il Grande Cretto, na Itália. Nas redes sociais, ativistas lembram que muitos especialistas chegaram a estimar que em cinco meses o Rio Doce estaria limpo, fato que ainda não ocorreu.
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