Invasões se alastram no Anel Rodoviário à espera de obras

Enquanto o projeto de requalificação da via não sai do papel, número de construções cresce às suas margens, o que pode dificultar remoções e elevar cálculo de indenizações

Guilherme Paranaiba
Material de construção à beira da estrada indica que mais moradias, e riscos, estão por vir - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS

Enquanto o projeto de requalificação completa do Anel Rodoviário de Belo Horizonte não sai do papel, a dificuldade que as autoridades terão para implementar uma reforma que mude a cara da via mais movimentada de Belo Horizonte não para de aumentar. A necessidade de remoção de 3 mil famílias que ocupam áreas muito próximas das pistas por onde passam caminhões pesados vai ficando defasada com o aparecimento de novas moradias. Em uma das ocupações mais recentes do Anel Rodoviário, que fica espremida entre o sentido Vitória da rodovia e a Avenida Tereza Cristina, no Bairro Betânia, Oeste de BH, já é possível observar as primeiras casas de alvenaria no meio dos barracões de madeira e telhas de amianto. O farto material de construção, como brita, areia, ferragem, ripas de madeira, terra e telhas, indica que mais moradias vêm por aí. Na prática, essa situação cria dificuldades para a expansão da rodovia, já que em muitos casos as discussões de remoção vão parar na Justiça.

A estimativa das remoções é do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão federal que tem a responsabilidade sobre o Anel. Porém, elas valem apenas para os casos dentro da faixa de domínio da rodovia, onde a ocupação é expressamente proibida. Também é necessário levar em conta as desapropriações, que são aqueles casos de quem vive em uma área regular e terá que dar lugar à expansão do Anel. Para ter acesso a esses números, o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG) afirma que é necessário terminar o anteprojeto de engenharia, que vai definir as intervenções necessárias, cuja conclusão está prevista para agosto.

Um dos pontos que chamam a atenção na ocupação mais recente do Anel, no Bairro Betânia, é que muitas casas dão a impressão de não terem moradores.
Algumas não têm nem chão e estão posicionadas em um barranco, o que inviabiliza a moradia. Outras não têm teto ou objetos pessoais que marquem a presença de alguém no local. Segundo pessoas que transitam pela região e pediram anonimato, a invasão ocorreu há cerca de quatro meses e as casas apareceram muito rápido. “Muitos fazem barracões, mas no fim das contas nem moram ali. Eles ficam aguardando as indenizações”, diz um homem. Já o jovem Jonathan Ferreira, de 21 anos, que mora no local com a mulher, rebate e diz que a ocupação é bem mais antiga. “Estou aqui há quatro anos e todas as casas têm gente. Durante o dia muitos trabalham ou estão fazendo bicos. Não temos outra opção de moradia, por isso estamos aqui”, afirma.

Construções impróprias para servir como abrigo chamam a atenção de quem passa pela rodovia - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS
SEGURANÇA
A arquiteta e urbanista Cláudia Pires, conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), diz que a situação das ocupações no Anel Rodoviário revela a falta de políticas públicas voltadas para a habitação na cidade, mas traz um problema significativo de segurança. “A faixa de domínio existe para trazer segurança para o entorno de uma rodovia e também pode servir de expansão. Nem sempre o poder público tem condições de executar a obra completa e esse instrumento é usado para prever modificações de projeto ou demanda”, afirma.

A realidade na ocupação mais nova do Anel confirma as palavras da especialista, já que caminhões pesados passam a poucos metros das paredes das casas. “Costuma tremer um pouco quando passa caminhão, mas a gente vive assim mesmo”, afirma o servente de pedreiro Aguinaldo da Silva, de 42. No lote onde ele mora, quatro carros estavam estacionados.
O acesso de todos é feito por uma das pistas do Anel, sem mecanismos para reduzir a velocidade. “A gente dá seta e entra”, acrescenta o servente.

Memória

Vaivém do projeto


Entre 2010 e 2014, houve intensos debates entre o estado e a União em torno da obra do Anel. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG) chegaram ao entendimento de que o estado tocaria o processo de projetos e obras, com recursos da União. O estado fez um projeto para três trechos considerados prioridade. Mas os trabalhos esfriaram devido aos desentendimentos sobre a modalidade de licitação, o que fez com que o Dnit levasse o projeto para Brasília. Ano passado, o órgão devolveu os trabalhos para Belo Horizonte e prometeu para novembro a conclusão dos estudos sobre as obras. Agora, Dnit e governo de Minas afirmam que está pronto o projeto funcional, etapa que propôs ajustes, traçados e alternativas de intervenções para melhorar a segurança e fluidez do tráfego. Falta ainda o anteprojeto de engenharia, passo que descreve os parâmetros técnicos e financeiros para escolher as melhores propostas. Só depois da entrega desse documento, em 31 de agosto, será possível licitar as obras.

Monitoramento e retirada

Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o órgão tem uma parceria inédita no Brasil com a Justiça Federal, por meio do Programa Judicial de Conciliação para Remoção e Reassentamento Humanizado de Famílias do Anel Rodoviário e BR-381, com toda a assistência e garantia dos direitos sociais, principalmente à moradia digna, contando com acompanhamento social. Porém, o trecho onde novas moradias estão sendo erguidas fica no segmento do Anel cedido à iniciativa privada.
“A partir do momento em que houve a concessão, a responsabilidade de manutenção da via e do controle e retirada de novas invasões é da própria concessionária, conforme documento denominado PER (Programa de Exploração da Rodovia)”, diz o Dnit em nota.

O órgão sustenta ainda que todas as invasões nos trechos administrados pelo Dnit no Anel Rodoviário são notificadas. “Ao constatar uma nova invasão, o Dnit, imediatamente, notifica o invasor e solicita a desocupação da área. Por vezes, faz-se necessário o apoio da Justiça Federal e das polícias (Militar ou Rodoviária Federal), para a retirada do novo invasor, que não desocupou a moradia após a notificação. Isso porque o Dnit não possui poder de polícia, o que significa que não pode exercer coerção sobre os invasores da faixa de domínio”, afirma Ricardo Meirelles, engenheiro de Infraestrutura do Dnit. Atualmente, não há novas invasões nos trechos administrados pelo órgão federal, segundo o engenheiro.

A Via 040, concessionária responsável pelo trecho, diz que faz o monitoramento da ocupação das faixas lindeiras ao Anel de forma permanente. Dentro desse contexto, as novas ocupações, que oficialmente estão instaladas no km 536 da BR-040, foram percebidas pela empresa e comunicadas aos órgãos públicos, “inclusive com registro de boletim de ocorrência junto à Polícia Militar Rodoviária (PMRv)”, diz a concessionária em nota. “A Via 040 retirou parte dessas edificações irregulares em 10 de junho de 2015, em conjunto com a Prefeitura de Belo Horizonte. Na data, a prefeitura comprovou que o terreno pertence ao município e que, portanto, as próximas ações seriam de responsabilidade e conduzidas pelo poder público municipal”, completa a empresa. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) expediu em outubro de 2015 liminar impedindo o município de fazer qualquer intervenção no trecho, inclusive demolição das edificações. Após essa decisão, a PBH propôs uma ação de reintegração de posse e aguarda decisão da Justiça sobre o caso. .