O cupido virtual está à solta, unindo corações conectados na internet.
A azaração não precisa mais, necessariamente, ocorrer em bares, baladas, na universidade ou em festas com turmas de amigos. De casa, do trabalho, da rua, enfim, de qualquer lugar, é possível, com o celular na mão, dar o primeiro passo para uma conversa que resulta em uma saída casual, namoro e até mesmo em casamento. O Estado de Minas conversou com casais, foi às ruas checar como a paquera virtual funciona e constatou: os aplicativos são, de fato, uma febre no campo dos relacionamentos.
Essa mudança de comportamento foi constatada em pesquisa da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Intitulado Searching for a mate: The rise of the internet as a social intermediary (Procurando por um parceiro: o crescimento da internet como intermediário social), o estudo mostra que, até o fim da década de 1990, a forma mais comum para os americanos encontrarem seus pares era por meio de amigos, entre colegas de trabalho, em bares e restaurantes, em festas de família, na universidade, vizinhança, no colégio e até mesmo na igreja, nessa ordem.
O fim dos anos 1990 e início dos 2000 marcam o nascimento do cupido virtual, que, em linha cada vez mais crescente, pulou para terceira posição, atrás apenas dos meetings entre amigos e das saídas para bares e restaurantes.
Pela ferramenta, mantiveram conversas e, depois de conquistada a confiança um do outro, saíram do ambiente virtual e se encontraram. “Acho que o aplicativo viabiliza uma conversa que, às vezes, não é possível em uma noite, por exemplo. Nas baladas, tem local que não dá para conversar por causa do barulho, a iluminação e até mesmo as pessoas, que estão bêbadas”, conta Karina. Os dois estão juntos há um mês, ainda se conhecendo melhor, mas felizes. Fabiano confirma o lado positivo do aplicativo e afirma que não estava mais a fim de sair para a balada para encontrar uma namorada.
Uma curtida Com sete meses de namoro, o casal Marcus, de 27, e Camila, de 25, tem mais experiência para afirmar que é possível encontrar um parceiro ideal na internet. Assim como Karina e Fabiano, foi por meio do Tinder que o técnico de redes e a bacharel em relações internacionais se conheceram. No aplicativo, funciona assim: cada pessoa tem um perfil em que pode postar fotos, informações pessoais e preferências. No caso de Marcus e Camila, bastou um like para que o cupido entrasse em ação.
O primeiro encontro foi uma ida ao cinema e ocorreu depois de várias conversas pelo WhatsApp. E deu tudo certo. Os dois só confirmaram o clima de romance que já existia no ambiente virtual. “Claro que é preciso ter muito cuidado para não se deparar com uma situação complicada”, alerta Marcus.
Apesar do seu poder de unir as pessoas e de muita gente levar o relacionamento a sério, ainda há quem tenha vergonha de admitir publicamente que o relacionamento teve início por meio de um aplicativo. “Ainda há muito preconceito, porque tem gente que acha que é ambiente só pra pegação”, conta a analista de sistemas Fernanda, de 32, que namora há oito meses com o empresário Ricardo, de 36. “Claro que cada pessoa tem um objetivo. Tem gente que só quer ficar uma noite, mas há casos, como o nosso, em que as pessoas dão certo e ficam juntas. Temos planos de nos casar”, disse Fernanda.
Um desses personagens que preferem o anonimato é um homem de 54 anos que contou ao Estado de Minas sua história de paixão virtual. Ele, que buscava um relacionamento duradouro, encontrou no aplicativo Badoo a atual companheira, com quem está há um ano e três meses.
Relacionamento homoafetivo Entre o público gay, os aplicativos também fazem sucesso e, do mesmo modo, podem resultar em pegação ou namoro. Mas, entre homossexuais, uma característica descrita na pesquisa norte-americana chama a atenção: a paquera virtual é muito mais frequente entre eles que entre casais heterossexuais. Em primeiro lugar no ranking, essa já é a forma mais comum de início dos relacionamentos para casais do mesmo sexo.
Foi o que aconteceu com o casal de namorados Thiago Vidigal, de 24 anos, que é jornalista, e o designer gráfico Kelvin Desmots, de 23 anos. Numa troca de mensagens no aplicativo Hornet, eles ficaram interessados um no outro, conversaram por uma semana, se encontraram e depois de pouco mais de um mês começaram a namorar. O relacionamento já dura oito meses, em clima de amor e confiança. “Nos damos superbem. O fato de termos nos conhecido na internet não muda nada”, conta Thiago, ressaltando que os aplicativos vieram para ficar. Kelvin completa: “É uma nova possibilidade para conhecer pessoas legais para namorar ou fazer amizades na sua cidade ou em qualquer outro lugar."
Entre a internet e a troca de olhares
Mas não só de relacionamento sério vivem as redes virtuais de paquera, já que a pegação também “corre solta” nos encontros por meio de aplicativos. Nas conversas com usuários dessas ferramentas em bares da Região Centro-Sul da capital, ficou clara essa intenção. “Se a gente quiser, tem uma mulher pra sair todo dia”, afirmou um deles, que preferiu não se identificar. No entanto, apesar do aumento dos encontros casuais, eles estão atentos aos riscos de roubos e violência e dizem que abandonaram uma das redes sociais para a paquera porque ela “perdeu a qualidade. Popularizou demais”, se referindo a perfis diferentes das características que buscam em uma parceira.
Isso, no entanto, não é problema, pois é cada vez mais frequente o aparecimento de novos aplicativos, que vão ganhando adesão com o passar do tempo. “O que está em alta agora é o Happn, que marca pessoas com as quais você cruzou em seu percurso”, contou um analista de sistemas, que prefere não se identificar. E apesar da constatação unânime entre usuários de que a paquera virtual veio para ficar, há quem ainda resista e mantenha o saudosismo do olho no olho. “O aplicativo ajuda, mas acho que é uma coisa mais fria. As pessoas estão perdendo aquela questão do tête-à-tête, estão pulando a paquera”, explica José Renato Pessali, de 34 anos. Ele já se relacionou com uma garota que conheceu nas redes sociais, mas prefere o jeito antigo. “Gosto mais da conquista. É mais saudável”, afirmou
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Carlos d’Andréa, doutor em estudos linguísticos e professor do Departamento de Comunicação da UFMGA importância dos filtros
“Não há dúvida de que a mediação das redes sociais, os aplicativos e outros recursos tecnológicos mudaram a forma como as pessoas se encontram. E é importante pensar com maior amplitude, como as cidades estão cada vez mais complexas, os deslocamentos mais difíceis, além das muitas restrições de tempo, dinheiro e gasto de energia e violência urbana, que dificultam o convívio social direto. Tem também a questão da timidez e da comodidade de estar mais próximo de pessoas que se busca conhecer, já que os aplicativos têm filtros por idade e localização e permitem avaliar as características do outro. Mas penso que essas ferramentas não substituem as outras formas de início dos relacionamentos. São apenas uma nova maneira.”
CONHEÇA OS APLICATIVOS
Tinder – Surgiu em 2012 nos Estados Unidos e funciona com o cruzamento de dados de geolocalização. Com isso, as pessoas recebem imagens de quem está relativamente próximo. Para entrar na rede social, é preciso ter um cadastro no Facebook. Caso tenha interesse em uma pessoa, basta clicar no coração verde. Se não, aperte o botão com um X. Se o interesse for recíproco, os dois são direcionados para uma outra tela, o chamado match. Lá, elas podem conversar e se conhecer melhor. O aplicativo tem mais de 50 milhões de downloads.
Happn – A intenção do aplicativo é unir pessoas que “se esbarram nas ruas”. O Happn permite que os usuários conversem uns com os outros quando se cruzam pela cidade. Se aprovou o outro perfil, basta clicar em um coração no alto da tela. Se ambos fizerem isso, acontece um crush e um
chat é aberto.
Grindr – O aplicativo é o mais famoso entre os homossexuais. O serviço de geolocalização mostra os usuários que estão relativamente próximos uns dos outros. A pessoa que se interessar pelo perfil sugerido pelo Grindr deve clicar sobre a foto da outra, que deve autorizar ou não a conversa. Se sim, são levados para outra janela onde
podem se conhecer.
Badoo – Pelo próprio site na internet ou por meio de um aplicativo, usuários podem se inscrever e selecionar suas preferências (amizade, bate-papo ou relacionamento). A partir daí, o sistema exige o cadastro de, pelo menos, uma foto de perfil. O site, então, elabora uma espécie de jogo, onde os usuários têm suas fotos exibidas baseado na localização pré-selecionada no ato do cadastro ou – no caso do aplicativo – pela geolocalização do celular. Quando há o interesse das duas partes, uma janela é aberta para que eles possam se conhecer melhor. .