Facções em guerra no Aglomerado da Serra usam rádio para antecipar ações da PM

Denunciada pelo EM no ano passado, rede de radiocomunicação de gangues no aglomerado intensifica vigilância sobre passos da PM e serve até para troca de ameaças entre criminosos

Mateus Parreiras
Ação de policiais e movimentação de moradores é monitorada por olheiros e divulgada via aparelhos de rádio, como os apreendidos ontem em operação que terminou com localização de armas e prisões - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press - 29/1/16

- Foto: Polícia Militar/DivulgaçãoA ocupação, por dezenas de policiais militares, de vias, becos e praças que são pontos-chave para traficantes do Aglomerado da Serra, o maior conjunto de favelas de Belo Horizonte, deveria sufocar o comércio de drogas e interromper a guerra entre quadrilhas iniciada no dia 6 do mês passado. Mas a estratégia não surtiu o efeito esperado. Do alto de lajes de barracos, nos mirantes, entre jovens nas praças e escolas, olheiros do tráfico munidos de radiocomunicadores monitoram cada passo dos policiais e antecipam ações que poderiam resultar em apreensões de entorpecentes, armamentos e na prisão de líderes das facções criminosas. Na noite de terça-feira e madrugada de ontem, a equipe do Estado de Minas – que já havia denunciado, no ano passado, o esquema de monitoramento na comunidade – captou e acompanhou transmissões de traficantes, que não só continuaram seu “trabalho” como usaram os canais de rádio para ameaçar rivais e intimidar a população para que não os denunciasse. A polícia admite não ser capaz de impedir a rede de comunicação dos criminosos, mas garante usar o conteúdo das conversas para planejar suas operações e conhecer melhor os traficantes. Em operação realizada ontem, foram detidos seis suspeitos de integrar gangues locais.


Durante outra ação policial na terça-feira, por volta das 22h, quando um ônibus repleto de PMs do Batalhão de Choque e as viaturas do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) circulavam pelas ruas estreitas, traficantes discutiam nervosamente se atacariam rivais da Rua Sacramento, na parte baixa, naquela mesma noite. Um dos criminosos tenta convencer outros a adiar a ação: “Vai ficar trocando tiro de dia e de noite, pô? Volta aí, pô. Galera fazendo trouxas de vocês (sic)”.

A resposta vem de um traficante que aparenta estar obcecado em atacar os concorrentes. “Eu tô na pilha. Eu vou pra pista. Não pega nada, não, coisa ruim. Olha aqui no beco para trocar de automática comigo (chama para trocar tiros). Anda. Anda que eu quero ver. Quem estiver escutando aí, a hora é essa. Quem quiser vir para fechar o bonde (grupo de ataque), tá fechado. A Rotam tá aqui, ó. Tá aqui, tá na favela, mas eu já corri da polícia. Eu tô esperando, pô. Quando a galera não queria mesmo (o confronto), eu entornei o caldo e não mexeram mais com nós (sic)”.
Mas o grupo é convencido a não fazer o ataque por outro membro da quadrilha. “Eu copiei, eu copiei, mas tem morador (que pode ser atingido e piorar a ocupação da polícia), falou? (sic)”.

Confira os diálogos entre os criminosos


AMEAÇAS Em meio à indecisão, um traficante rival entra no canal de rádio usado pela quadrilha e faz mais ameaças, por volta de meia-noite. “Tudo gira mesmo. Tudo que era meu e tu pegou tem que devolver. Eu copiei de você chegando. Ô, Cabeça, tô derrubando você agora no seu barracão da sua casa. Você deu foi sorte (de não ser achado em casa).”

O movimento intenso de policiais fez com que olheiros trabalhassem intensamente durante a noite e a madrugada. Pelas conversas, dá para ver como minam a ação policial, ao descrever pelo rádio cada movimento das autoridades. Há situações em que prisões importantes não ocorreram por um triz. “(A polícia) Tá virando ali no começo da (Beco) Chaparral.

Ela tá virando ali, ó. A Rotam entrou ali. Não sei pra quê. Ih, parou aí, ó, em frente à creche. Duas Rotams paradas aí em frente à Chaparral em frente à creche. Copiou, Praça 7?”, transmitiu um dos traficantes por volta das 21h de terça-feira. Em resposta, outro integrante da quadrilha, identificado como “Nado”, foi averiguar de perto e passar mais informações sobre a operação. “Já estou colando aí (se aproximando para monitorar a PM de perto).” De repente, um dos monitores transmite uma mensagem urgente alertando a um companheiro identificado como “Panda” para correr com as drogas, diante da aproximação da polícia. “Corre, Panda, corre Panda! A pedra (drogas) aqui, ó!”

Em vários momentos, moradores que circulam pela comunidade são monitorados para saber se são policiais ou membros de quadrilhas rivais. Caso sejam militares, a estratégia observada é a de informar a rota para que os traficantes possam fugir. Se a suspeita for de inimigos, os moradores são acompanhados e podem até ser agredidos ou baleados. Por volta de 20h, o homem que é chamado de Chandon e que exerce função de gerente do tráfico pergunta sobre duas pessoas que estão passando pelas ruas. “Ô Chandon. Ô Chandon, acho que é os home (polícia) aí, viu, Chandon? (sic)”, disse um dos olheiros. “Isso aí é morador, falou, Chandon, morador, falou?”, responde um dos olheiros mais próximos. “Ô Chandon, é morador daquele lugar que você falou lá, ó”, completa o criminoso, dando a entender que se trata de pessoas que vivem em locais dominados por gangues rivais. “Pois é, vamos monitorar”, responde o gerente.
- Foto: Arte EM

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