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Estado de Minas

PF aponta 'dolo eventual' da Samarco em tragédia de Mariana

Relatório da Polícia Federal obtido pelo EM acusa mineradora de assumir "risco" de que ocorresse "evento danoso de enormes proporções, que não pode ser confundido com mero acidente". Documento indica falhas de monitoramento e plano de emergência pro forma


postado em 30/01/2016 11:00 / atualizado em 30/01/2016 11:12

O inquérito da Polícia Federal que apura as responsabilidades pelo rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, está quase concluído. O Estado de Minas teve acesso exclusivo ao relatório de indiciamento e revela que a PF responsabilizou seis funcionários da mineradora, incluindo o presidente afastado, Ricardo Vescovi, por dolo eventual no crime ambiental – quando se assume o risco, mesmo sem intenção de que o crime aconteça.

Para fundamentar a acusação, os delegados fizeram até o momento 37 interrogatórios e determinaram a realização de sete perícias técnicas. Os erros da empresa apontados no inquérito vão desde falhas no monitoramento da barragem, com equipamentos apresentando mau funcionamento; passando por falta de controle na quantidade de rejeitos que eram depositados em Fundão até a constatação que o plano de emergência era apenas “pro forma” para obter licenciamento.

“O atendimento aos meros requisitos formais para obtenção de licenciamento e autorização de funcionamento da barragem sem a tomada dos devidos cuidados e com o conhecimento da real situação da barragem faz com que a empresa assuma o risco de se ocorrer um evento danoso de proporções enormes, que não pode ser confundido com mero acidente. A Samarco em mais de uma ocasião foi alertada sobre problemas na Barragem do Fundão e não tomou os devidos cuidados e acertos sugeridos”, escreveu no relatório o delegado Roger Lima de Moura, que preside o inquérito.

Dois depoimentos foram fundamentais para as conclusões dos delegados federais. O primeiro é do consultor Joaquim Pimenta Ávila, contratado pela empresa para fazer análise dos riscos de Fundão. Em setembro de 2014, a empresa dele constatou problemas graves na barragem, segundo o relatório da PF. Ávila recomendou a instalação de nove piezômetros (usados para medir a pressão das barragens), mas os resultados obtidos por esses equipamentos não foram incluídos no laudo elaborado pela empresa contratada para fazer o processo de licenciamento da barragem, a Vogbr.

O local destacado como problemático pela consultoria de Ávila – um recuo do projeto original da barragem – não foi incluído na carta de risco. “Por que essa resistência em atualizar a carta de risco com os piezômetros do recuo?”, questiona o relatório da PF. “Há de se ressaltar que não se fez atualização da carta de risco da barragem desde 2013 até 2015 mesmo com indicação de que deveria ser atualizado desde a declaração de estabilidade de 2014, reiterada em 2015 e sem cumprimento pela Samarco”, destaca o relatório elaborado pelos delegados da PF.

O segundo depoimento fundamental para os delegados da PF atribuírem o dolo eventual à empresa e a seus funcionários foi de Randal Fonseca, que, em 2009, alertou que o plano de ações emergenciais de barragem da Samarco era apontado como desconforme. “A Samarco contratou uma empresa para elaboração de novo plano de ações emergenciais que nunca foi posto em prática, que, segundo afirmado pela testemunha (Randal), a Samarco achou que o plano era muito complexo”, sustenta o relatório da PF.

A Polícia Federal deixa claro na abertura do relatório que não considera a Samarco apenas como pessoa jurídica, mas também leva em conta a atuação dos responsáveis pelas decisões do monitoramento da barragem, a Gerência de Geotecnia, o responsável técnico por Fundão, o gerente-geral de Operações da barragem e o presidente da empresa. “É possível concluir que a Samarco, através de seus representantes legais, tinha pleno conhecimento dos riscos de rompimento que corria a Barragem do Fundão, uma vez que já em 2012 foi apresentado relatório de vistoria indicando a sobrecarga na referida barragem e elencando um rol de providências que deveriam ser tomadas para minimizar os riscos”, sustenta o documento da Polícia Federal.

TRÊS MESES Na semana que vem, o rompimento da Barragem do Fundão completará três meses. Os 34 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos oriundos da represa arrasaram os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, mataram 17 pessoas e deixaram outras duas desaparecidas. Foi o maior desastre socioambiental da história do Brasil e um dos mais graves do mundo. Deixou centenas de famílias desabrigadas, que viveram por mais de um mês de maneira provisória em hotéis de Mariana até serem levadas para casas alugadas pela mineradora. Agora, as vítimas aguardam as indenizações e a definição do local onde será reconstruída a comunidade em que viviam

A lama – equivalente a 20 mil piscinas olímpicas – afetou gravemente todo o Rio Doce, desde a nascente, nas cidades de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, na Região Central de Minas, até a foz, em Linhares, no Espírito Santo. Provocou a morte de peixes e animais, o colapso no abastecimento de água de grandes cidades, como Governador Valadares e Colatina, além de deixar sem trabalho centenas de pescadores e produtores rurais.

Com base no relatório do delegado da PF, o Ministério Público Federal avaliará se denuncia os investigados e, na sequência, o juiz decidirá se recebe a denúncia e inicia a ação penal.


Para polícia, houve ‘domínio de fato’

O relatório de indiciamento da Polícia Federal fundamenta o dolo eventual como “vontade, mesmo que não dirigida ao resultado, e consentimento na ocorrência, ou seja, assumir o risco de produzi-lo”. Os delegados também se valem da teoria do domínio de fato. “A pessoa que tem autoridade direta e imediata sobre os agentes na prática da ilicitude, tendo conhecimento ou devendo tê-lo pela função que ocupa, poderá também ser responsabilizada do mesmo modo que os autores imediatos, principalmente se aproveita os benefícios da conduta criminosa, como o lucro da empresa, a diminuição de gastos e o aumento da produtividade”, aponta o relatório. A investigação da PF é sobre o crime ambiental, mas, na análise de um dos delegados responsáveis pela investigação, a morte de 17 pessoas e as duas vítimas que estão desaparecidas foram consequência do rompimento da barragem, o que pode ampliar a pena dos acusados. A investigação das mortes está a cargo da Polícia Civil. O delegado regional de Ouro Preto, Rodrigo Bustamante, já pediu dilação de prazo duas vezes para apresentar o inquérito, sendo que o limite vence no dia 14.


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