Universitário morto no Pará era esperado para comemorar aniversário do avô em MG

Estudante mineiro é brutalmente assassinado em praia do Pará e polícia acredita em latrocínio. Em Pedro Leopoldo, o pai, o avô e o irmão lembram que ele era muito ligado à natureza.

Gustavo Werneck Rafael Passos
O avô de Gabriel Cortez, Edson; o pai, José Luiz; e o irmão, Marco Túlio, reveem no tablet fotos do jovem, que fazia estágio no Pará e "era muito ligado à natureza" - Foto: Cristina Horta/EM/DA Press

Pedro Leopoldo –
O próximo dia 23 seria de festa na casa do empresário Edson Jorge, todo entusiasmado para comemorar o aniversário de 87 anos e reunir a numerosa família na casa em Pedro Leopoldo, na Grande BH. Um dos convidados mais esperados era o neto Gabriel José Jorge Cortez, de 26, estudante de agroecologia em viagem ao Pará, a quem o avô se refere carinhosamente como Biel. No entanto, para dor e tristeza de Edson, o jovem não estará presente – a não ser na saudade e belas lembranças. No sábado, ele foi brutalmente assassinado com um tiro nas costas e o corpo encontrado na região conhecida como Praia da Xacará, às margens do Rio Xingu, em Porto de Moz, no Pará.


A Polícia Civil trabalha com pelo menos uma hipótese para a morte de Gabriel, que cumpria estágio havia três meses, com respaldo escolar, na Cooperativa de Produtos Orgânicos de Xingu, em Altamira. Residente em Divinópolis, na Região Centro-Oeste do estado, o estudante estava perto de concluir o curso no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, em Rio Pomba, na Zona da Mata. O enterro será hoje, às 11h, no cemitério de Pedro Leopoldo, cidade onde residem muitos familiares do rapaz descrito como “sereno, dedicado aos estudos e muito ligado à natureza”.

Segundo as investigações, Gabriel estava a passeio em Porto de Moz, onde chegara no sábado. De acordo com o delegado Mhoab Khayan Azevedo Lima, à frente do caso, o estudante pode ter sido vítima de latrocínio – roubo seguido de morte –, pois o telefone celular e a carteira dele foram levados. O policial explicou que algumas pessoas estão sendo investigadas e a Justiça autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

O delegado, porém, preferiu não divulgar os nomes dos suspeitos, acrescentando que algumas testemunhas prestaram depoimento.

“Os primeiros levantamentos indicam que o universitário foi atacado, quando preparava o jantar. Ele levou um tiro nas costas e o corpo dele estava com cortes no pescoço e nos ombros”, informou Lima. Pescadores da região encontraram o corpo e avisaram à Polícia Militar.

Ao rever na tela do tablet as fotos do jovem alto, de 1,84m, Edson se comove. E conta que no dia 2 conversou com o neto, pelo telefone, lembrou sobre a comemoração dos 87 anos e pediu para ele vir embora logo: “Vem para cá, não fica aí nesse lugar não.” Em resposta, Gabriel disse que viria para o aniversário, seguindo antes para Macapá e depois para Cuiabá.  “Mas no sábado ficamos sabendo sobre o que ocorreu”, recorda o empresário.

EQUILÍBRIO Na sala da casa, o empresário conhecido na cidade por ser proprietário do Cine Marajá, que completará seis décadas em 15 de março – “sou o mais velho dono de um cinema em atividade no país”, orgulha-se – une-se ao genro José Luiz Tavares Cortez, de 58, engenheiro químico, e ao neto Marco Túlio, de 25, que cursa licenciatura em ciência biológicas na Universidade Federal de Lavras (Ufla). “Estou transtornado. Não estou suportando. Jesus é quem está me carregando”, afirma o pai de Gabriel, ainda se refazendo da perda da mulher Bernadete, de 56, há pouco mais de um ano, que era psicóloga e dedicada à educação de excepcionais em Divinópolis.

Sem esconder as lágrimas em alguns momentos, José Luiz não quer saber de muitos detalhes sobre o violento assassinato do filho. Mas revela que viu a foto do filho morto e se assustou. “Ele foi degolado”, explica. Ao se lembrar de Gabriel, o pai diz que era uma “alma muito especial”, uma pessoa “em equilíbrio e harmonia com as coisas assentadas naturalmente”.

SERENO Budista, Gabriel ficou 10 dias num mosteiro em completo silêncio, “rezava na hora de comer”, e preferiu estudar agroecologia em vez de agronomia. “Era contra monocultura e o uso de agrotóxicos nas lavouras”, complementa o irmão Marco Túlio. O terceiro filho, o mais velho, chama-se Mateus.

A gatinha Meleca, de Edson Jorge e de Marília de Dirceu, casados há 61 anos, sobe na mesa e distrai por uns segundos a família. Mas as histórias voltam à tona.
“Ele viajou de bicicleta, num percurso de 1,4 mil quilômetros. Era sereno e intenso”, conta Marco Túlio, palavras que soam como homenagem ao irmão querido.

Gabriel José Jorge Cortez, de 26 anos, que fazia estágio em Altamira, levou um tiro nas costas - Foto: Facebook/Reprodução
Post ajudou a encontrar parentes

Prima da mãe de Gabriel Cortez, Patrícia Rafael Perdigão descreveu o jovem como uma pessoa tranquila e amante da natureza. Secretária Municipal de Cultura, Esporte, Lazer, Juventude e Turismo de Pedro Leopoldo, Patrícia foi a primeira da família a receber a notícia da morte do jovem depois de uma postagem numa rede social. Uma professora residente em Porto de Moz divulgou fotos do universitário para ajudar na identificação dele e na localização da família.

Patrícia contou que Gabriel correu risco de ser enterrado como indigente e a professora guardou o corpo até o início da manhã de domingo, quando a funerária chegou à cidade. A família, então, providenciou os trâmites para o translado do corpo. “Somos muito agradecidos à professora, ao delegado e aos advogados que ajudaram lá no Pará”, diz Edson Jorge, o avô.

No post, a professora escreveu: “Quero agradecer a todos que entraram comigo na campanha para encontrar a família do Gabriel Cortez. Graças a isso, localizamos parentes e amigos deste jovem que, de forma trágica, perdeu a vida. Ontem lamentávamos sobre as pessoas que dormiam em suas casas e foram assassinadas em Altamira. Hoje, aqui em Porto de Moz, no final da praia, é triste; e não existe quem consiga segurar as pessoas de mau-caráter, ruins, cruéis, que estão em toda parte.

Pedimos a Deus que console o coração dos parentes dessas pessoas que perderam de forma tão cruel os entes queridos”.

"Foi um ato de covardia"

José Luiz Tavares Cortez, engenheiro químico, pai de Gabriel Cortez, morto no Pará, não esconde a dor ao perder o filho. Para ele, o jovem, que praticava o budismo, era equilibrado e o surpreendia sempre.


O senhor está acompanhando o caso?
Não quero saber os detalhes. Foi um ato de covardia, matar pelas costas, depois degolar. Vi umas fotos feitas logo depois do crime, e não reconheci meu filho. Estava com o rosto modificado, indicando muito sofrimento antes de morrer.

Como o senhor descreve o Gabriel?

Era a serenidade em pessoa, às vezes não conseguia entender a sua natureza, pois era calado. Um dia matei um mosquito na frente dele. Ele perguntou de imediato: “É seu? Você que o ensinou a voar? Pode matar? Tudo o que é de Deus tem que ser respeitado”. Era muito equilibrado, budista, meditava. Nos surpreendia sempre.

Como ter forças para enfrentar?
Pertenço a Jesus. Não estou suportando, pois Gabriel era uma alma especial. Jesus está me carregando. Vi umas fotografias que ele mandou do Pará e não gostei. Pelo seu semblante, vi que estava perdendo a serenidade. .