Associação retoma produção de geleia de pimenta após rompimento da barragem do Fundão

Fabricação de produto, esteio de famílias e que ganhou fama mundial, foi interrompida depois de desastre ambiental em Mariana

Gustavo Werneck
Produtores participaram de reunião para traçar estratégias de reativação do negócio, que já chegou a render 3 mil potes de geleia por semana - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press
Mariana – A esperança volta aos olhos da viúva Marinalva dos Santos Salgado, de 43 anos, mãe de seis filhos e avó cinco vezes. Desde o rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco – a tragédia socioambiental completou ontem dois meses –, ela esteve mergulhada não só na tristeza por uma série de perdas, incluindo a casa no subdistrito de Bento Rodrigues, o mais atingido pela lama que vazou da estrutura, como pelo fim da produção de geleia de pimenta biquinho, esteio da família com a pensão do marido falecido há seis anos. “Acho que vai ser bom também para a mente”, disse, ontem, Marinalva, ao participar da primeira reunião para rearticulação do negócio comandado pela Associação dos Hortigranjeiros de Bento Rodrigues (Ahobero). Do grupo, fazem parte sete mulheres e três homens.

“O dinheiro com a venda da geleia é muito importante para o orçamento doméstico”, conta Marinalva, agora morando numa casa alugada pela mineradora, em Mariana, na Região Central. “Faço parte da associação há seis anos e espero que tudo dê certo”, afirma, com muita fé na animação da turma e nas expectativas que se abrem. “Temos recebido muitos telefonemas e pedidos de estabelecimentos de Mariana. Então, assim que conseguirmos retomar a produção, já temos vendas certas. Com tudo o que ocorreu, ficamos conhecidos no mundo inteiro”, contou, com o esboço de um sorriso.

Antes da destruição de Bento Rodrigues, onde viviam mais de 600 pessoas, a associação chegou a produzir cerca de 3 mil potes de geleia por semana.
A retomada da produção de geleia foi estimulada pelo Programa de Fortalecimento da Indústria de Base Artesanal, executado pelo Instituto Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor (Centro Cape), por meio do Instituto de Qualidade Sustentável (IQS). De início, será feito um planejamento estratégico para o negócio sob a orientação de consultores da instituição – no total, serão 16 horas de consultoria em janeiro.

Atuando como consultora do Centro Cape, Lidiane Samoura destacou, na tarde de ontem, a capacidade dos integrantes da associação: “É fundamental resgatar a autoestima do grupo e mostrar que todos são empreendedores, apesar do que ocorreu em 5 de novembro”, afirmou. Inicialmente, será feito um diagnóstico da situação para posterior identificação dos objetivos dos produtores. Para deslanchar o projeto, a associação dispõe de quase 800 quilos de pimenta biquinho, equipamentos e utilitários usados na produção atualmente guardados num contêiner da Samarco, no município. O nome de comercialização é Bikinho.

Antes de começar a reunião, Lidiane pediu a cada um dos participantes que falasse sobre o seu sonho e escolhesse, numa mesa com muitas gravuras, aquela que mais representasse o seu desejo. A presidente da associação, Keila Vardeli Fialho, de 32 anos, mãe de duas crianças, disse que o maior sonho “é a gente voltar a ser o que era antes”. E escolheu uma gravura de uma mulher grávida para falar dos planos futuros, que significam união e trabalho.

Neuza da Silva Santos, de 40, sem filhos, tesoureira da associação, acredita ser mais importante “deixar as lágrimas de lado” e seguir firme no serviço. Geralda da Conceição Gonçalves, de 55, escolheu uma imagem simbolizando a luta, enquanto Rosângela Maria da Silva Sobreira, de 45, duas filhas, mostrou que a força para recomeçar é fundamental.

O aposentado Raimundo Alves destacou a importância da venda da geleia de pimenta biquinho para a economia doméstica, enquanto Sidney Sobreira, marido de Rosângela, encontrou numa gravura de uma família o emblema da atual fase. “O recomeço precisa de união”, afirmou.
PRODUÇÃO A produção será retomada em imóvel alugado pela mineradora em Mariana, em reforma para cumprir exigências da Vigilância Sanitária. Após a conclusão do serviço, o prédio será vistoriado pelo órgão e, em caso de aprovação, liberado para a associação retomar a produção da geleia. O grupo lamenta, no entanto, que o imóvel alugado pela Samarco não tenha área para o plantio, devendo a produção, no começo, se limitar ao estoque de pimenta que foi salvo. A assessoria da Samarco informou que a destinação de área para o plantio será discutida marcada para amanhã.

Segundo coordenadores do IQS, o planejamento será de acordo com os meios que a associação dispõe no momento. Como o prédio onde ela funcionava em Bento Rodrigues não foi atingido pela lama, foi possível retirar o estoque do produto armazenado (cerca de 504 potes, contendo 170 gramas cada um), além de quase 800 quilos de pimenta biquinho e material de produção.
Apesar de o prédio ter ficado de pé, a associação não conseguiu resgatar tudo o que estava no imóvel, que foi até saqueado na calada da noite.

Segundo as integrantes da associação, o volume estocado em garrafas pet com salmoura equivale a 300 caixas com 24 unidades cada uma. Keila disse que seria suficiente para produção de geleia durante um ano.

O Programa de Fortalecimento de Base Artesanal certifica a qualidade da gestão de pequenas e microempresas do segmento. Duas produtoras da geleia de pimenta biquinho de Bento Rodrigues estavam concluindo o processo, quando o subdistrito foi destruído pela avalanche de lama. Agora, o trabalho será retomado com o planejamento estratégico. Também participaram do encontro representantes da Prefeitura Municipal de Mariana e da Samarco..