Do alto da varanda do sobrado, o comerciante aposentado Xisto de Mattos Costa, de 82 anos, tem uma vista privilegiada de Belo Horizonte. Além da Serra do Curral bem diante dos olhos, ele pode contemplar as torres da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a silhueta dos prédios do Centro, o Cemitério do Bonfim, o casario datado dos primórdios da cidade e bairros mais distantes. “Consigo ver um terço da capital”, afirma, com orgulho, o bem-humorado residente da Rua Turvo, no Bairro Lagoinha, na Região Noroeste. “Moro aqui há 64 anos. Gosto muito desse patrimônio”, conta Xisto, que descortina uma fatia generosa da história de BH, que comemora hoje 118 anos.
A alguns quilômetros dali, as amigas Juçara Ribeiro, professora aposentada, e Patrícia Borém, assistente social, caminham pelas ruas do Bairro Santa Tereza, na Região Leste, como se estivessem em casa. “Moro a minha vida inteira aqui, então me sinto muito bem. Não troco por lugar algum”, afirma Juçara, enquanto as duas passam, na saída da ginástica, em frente a um dos ícones da Praça Duque de Caxias, a Igreja de Santa Tereza e Santa Terezinha. “O bairro mais parece uma cidade do interior dentro de uma cidade grande.
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A Lagoinha é o mais emblemático e antigo dos bairros “pericentrais” de Belo Horizonte – aqueles que surgiram fora da Avenida do Contorno, na então área suburbana da cidade, conforme o projeto da comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis (1833-1936). Em mais de 100 anos, a região atravessou três momentos bem distintos e marcantes: familiar, zona boêmia e comercial.
Simpáticas, as amigas Juçara e Patrícia repetem a admiração pela cidade e estão certas de que, mesmo com os novos tempos, o estilo arquitetônico do Bairro Santa Tereza deve ser preservado. Na Rua Gabro, a maquiadora Maria José das Graças Abreu de Oliveira se orgulha de morar numa casa tombada pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural.
Satisfeita e ciente da relevância de proteger o patrimônio, Maria José conta uma curiosidade que faz seus olhos brilharem. “Fiquei sabendo que, neste local, funcionou a primeira igreja do bairro”.
Depois de conhecer mais sobre os bairros Santa Tereza e Lagoinha, moradores e visitantes podem aproveitar o aniversário da cidade para expandir os horizontes. Na Praça Rui Barbosa ou Praça da Estação, vale a pena passar horas e horas em visita ao Museu de Artes e Ofícios (MAO). A praça, segundo os estudos, foi a porta de entrada de toda a matéria-prima usada na construção de BH. O primeiro relógio público da cidade foi instalado no alto da torre do prédio que, nos primórdios, abrigou a estação ferroviária.
Já na Praça da Liberdade, na Região Centro Sul, o patrimônio é o grande atrativo, com prédios dos primeiros tempos de construção ao modernismo e uso cultural. Além de ter grande visibilidade, o espaço público que abriga o Circuito Cultural, é síntese de vários estilos arquitetônicos.
Memória
Caldeirão de comportamentos
Para se ter a dimensão do lugar e entender a história, vale muito caminhar pela Rua Itapecerica, que já teve mais glamour como polo de antiquários e venda de móveis antigos, mas ainda pode ser considerada um dos ícones da região. Andando pela via pública, veem-se vestígios da passagem dos italianos pelo bairro. Para homenagear o país natal, em 1930 foi construída, com projeto dos arquitetos Otaviano Lapertosa e João Abramo, uma imponente residência, que ficou conhecida como Casa da Loba por ostentar o animal bem no alto da fachada. Em 1996, foi criada na Lagoinha, pela Prefeitura de Belo Horizonte, a Área de Diretrizes Especiais (ADE) de Proteção do Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Econômico, e, na década seguinte, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural Municipal fez tombamentos de imóveis.
Celeiro musical
Considerado um dos bairros mais tradicionais e charmosos de Belo Horizonte, Santa Tereza ganhou esse nome em 1928, em homenagem à igreja. Considerado reduto boêmio da cidade e lugar preferido de artistas, que encontravam na noite inspiração para compor, o local ficou conhecido graças às casas de serestas e bares. Tiveram passagem pelas mesas do Bar do Bolão, que serve o suculento mexido chamado Rochedão, os integrantes do Clube da Esquina e as bandas Skank e Sepultura. Além da seresta, o carnaval representa grande atrativo e, nos últimos três anos, os bloquinhos fazem a festa do reinado de Momo, sem falar, claro, na tradicional Banda Santa, que arrasta multidões uma semana antes da folia.
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