Jornal Estado de Minas

Em meio a impasse, moradores atingidos por lama da Samarco sonham retomar rotina

Apesar de anunciar publicamente "fazer o que deve ser feito", a mineradora Samarco – responsável pela Barragem do Fundão, que rompeu há 37 dias – trava uma queda de braço com o Ministério Público, relutando em atender demandas para contemplar os atingidos. Enquanto o que era uma tentativa de acordo com o MP em Mariana se transformou ontem em batalha judicial, envolvendo também as controladoras da companhia, Vale e BHP Billiton, moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo que seguem vivendo em hotéis esperam que a Justiça acelere de retomada de suas vidas a uma realidade pelo menos próxima de antes da tragédia. Marlucia Silveira Silva, de 20 anos, aguarda, com o marido e o filho de 6 meses, a mudança para uma casa alugada, que, segundo ela, já está escolhida. “O ideal é a gente se mudar antes do Natal, porque estamos acostumados a ficar na nossa própria casa, sem a necessidade de horário para tudo. Esperamos ajuda o mais rápido possível, porque a obrigação da empresa era nos avisar antes que a lama chegasse para destruir tudo”, afirma.

Em uma reunião com moradores, no início deste mês, funcionários da Samarco informaram que a transferência completa para as casas só será concluída em 27 de fevereiro. Apesar de estar muito ansioso para voltar para um lugar só dele, o caseiro Welidas Monteiro, de 30, ainda vivendo em um hotel, gostaria que a ação proposta pelo MP significasse também um novo emprego, já que o sítio de que ele tomava conta foi arrasado pela lama. "Se eu tivesse serviço e salário, já tinha dado jeito na minha casa. É claro que a casa é muito importante; se eu pudesse, também tinha voltado até mesmo para o Bento.
Mas, com serviço, a gente corre atrás", afirma.

Quem também lamenta ter perdido o ganha-pão é o conselheiro fiscal da Associação de Pescadores de Conselheiro Pena, no Vale do Rio Doce, Felisberto de Almeida Nunes Leite. Ontem, durante audiência pública da Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Leite reclamou de não ter mais trabalho, pois os peixes morreram com a lama da barragem de rejeitos. Segundo o pescador, até o momento, a Samarco não foi ao município, onde cerca de 130 pescadores estão sem trabalho. Felisberto ressaltou que a única ajuda recebida foram 25 cestas básicas entregues pela Defesa Civil, que não atenderam nem a um terço dos atingidos.

Para o dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Joceli Jaison José Andrioli, é preciso inserir os afetados no processo que define a reparação das vítimas que, segundo ele, estaria nas mãos das empresas causadoras do desastre. “Não é a empresa sozinha que deve definir como se dará essa reparação. É essencial a participação dos principais interessados, os próprios atingidos”, avaliou.

O promotor de Justiça Mauro Ellovitch, do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) do Ministério Público de Minas Gerais, destacou que a demora pode trazer mais riscos para a população da região. “Esse atraso coloca em risco potencial várias vidas humanas e pode acarretar dificuldades desnecessárias para resgates e minimização dos danos”, afirmou.
A Samarco comunica, em seu site, que 176 famílias foram levadas para casas alugadas. Faltam 87 famílias das 263 cadastradas.

Enquanto isso... Samarco deve pagar ribeirinhos

A Samarco deve arcar com a renda dos trabalhadores que exerciam atividades vinculadas ao Rio Doce, seus afluentes, lagos e águas marinhas atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora, segundo acordo assinado com o Ministério Público do Trabalho, MP Federal e MP do Espírito Santo. A estimativa é de que milhares de pescadores, pequenos produtores rurais, lavadeiras, extratores de areia e pedra, barqueiros, carroceiros, além de outros profissionais, sejam contemplados com um salário-mínimo, mais 20% por dependente e valor de uma cesta básica mensal, depositado em dinheiro. Os pagamentos dependem de cadastramento, mas os primeiros beneficiários devem começar a receber hoje, com crédito retroativo a 5 de novembro, dia do desastre. .