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Estado de Minas

"Quando chega a sair água no olho a dor no peito é doída, não é?", relata sobrevivente

Moradores idosos das comunidades atingidas se valem da experiência para tentar compreender o que aconteceu com a vida deles, dos filhos e netos, mas nem a vivência ajuda assimilar o tsunami de mar de lama que devastou a história de todos


postado em 13/11/2015 20:23 / atualizado em 13/11/2015 20:46

"O homem quando chega a chorar é porque o trem é pesado", diz Alexandre Gonçalves, tirando os óculos e enxugando as primeiras lágrimas. O senhor de 74 anos respira, recupera o fôlego e prossegue: "É muita tristeza, pois nasci e criei lá. Quando chega a sair água no olho a dor no peito é doída, não é?", pergunta um dos moradores mais velhos de Paracatu de Baixo, um dos distritos arrasados pelo rompimento das barragens da Samarco (controlada pela Vale e BHP Billinton). Os moradores idosos das comunidades atingidas se valem da experiência para tentar compreender o que aconteceu com a vida deles, dos filhos e netos, mas nem a vivência ajuda assimilar o tsunami de mar de lama que devastou a história de todos.


Alexandre está hospedado no mesmo hotel de José Caetano, de 79 anos, em Mariana. José é um dos moradores mais velhos de Bento Rodrigues - o primeiro distrito aniquilado pelo rompimento das barragens. Ambos passam o dia entre uma volta na calçada e o ambiente inóspito do quarto de hotel, bem diferente da casa com quintal e varanda em que viviam. "Aqui não tem nada para fazer. Lá eu podia mexer na horta", lamenta José.

Ao lembrar de sua casa - completamente soterrada pela lama de rejeitos minerais - Alexandre recorda de um violão que tinha pendurado na parede e da antena nova, que comprou uma semana antes da tragédia. "Sou devoto e lá em casa todo dia às 18h eu rezava o terço na Aparecida (canal de televisão católico)", lembra.

Pai de seis filhos e avô de 11 netos, toda família de Alexandre morava em Paracatu de Baixo. O senhor recorda que os moradores escaparam graças a um helicóptero da Polícia Militar que desceu no campo da cidade. "Eles estouraram dois foguetes e mandaram todo mundo correr para o alto que a lama estava vindo e a barragem havia rompido", recorda. Alexandre, que se apoia em uma bengala para andar, mas ainda voltou em casa para buscar os remédios de uso contínuo e os documentos. "Dez minutos depois a lama acabou com tudo", lamenta.

José Caetano, de Bento Rodrigues, não teve tempo de voltar para buscar nada. O único objeto que trouxe foi um chicote. "Escutei o barulho do pessoal correndo e achei que algum avião estava caindo. Depois pensei que era briga. Fui lá dentro (de casa), peguei o chicote e sai na rua para separar a confusão", recorda José.

Quando escutou o que as pessoas gritavam se deu conta de que a barragem havia rompido e correu para a parte alta do distrito. O lamento de José é que o dinheiro que guardava embaixo da cama - R$ 2.410 - foi embora com a lama. "Vem um moço de Belo Horizonte para cobrar uma prestação e eu não terei como pagar", diz José, que depois pensa um pouco e completa: "Mas também se ele for em Bento não vai achar nada".

FECHA A JANELA Os últimos dias são de muito sofrimento para Rosa Maurília Gomes, de 77 anos. Moradora de Bento Rodrigues ela conseguiu sair de casa, que estava na parte alta do distrito, na Rua Carlos Pinto, mas não teve tempo de fechar a janela. Quando soube que a reportagem do Estado de Minas havia estado lá e visto a casa dela, observando a lojinha de roupas na garagem e que a janela havia ficado aberta, ela pediu: “Moço, se você voltar lá pede os bombeiros para fecharem a janela. É só empurrar. Se eles puderem travar com um pedacinho de pau eu agradeceria muito".

Rosa é uma, dos mais de 600 que saíram de casa sem tempo de pegar documento, objetos pessoais e deixaram toda a história para trás. “Lá era um lugar bom demais, com o povo unido. Pena que acabou”, lamenta. Com quase 80 anos ela não sabe o futuro que a espera e nem onde irá morar. Na tarde de ontem estava sentada na calçada, em frente ao Hotel Providência, junto com outros moradores de Bento – como todos chamam o local – a espera de uma notícia que dê algum sentido a vida daqui para frente.


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