Governador Valadares e Periquito – A Prefeitura de Governador Valadares decretou estado de calamidade pública em razão do desabastecimento de água, enquanto o Ministério Público entrou na Justiça contra a mineradora Samarco, pedindo que a empresa arque com os prejuízos da maior cidade do Vale do Rio Doce, com 278.363 habitantes. A lama das duas barragens da mineradora, que se romperam a mais de 300 quilômetros de distância, em Mariana, na Região Central do estado, inviabilizou a captação de água no Rio Doce e a administração municipal não sabe quando vai poder retomar o abastecimento. Ontem, a mancha mais densa de resíduos ainda passava pelo município, preocupando moradores, revoltando comunidades ribeirinhas e matando toneladas de peixes. A população está desde o fim de semana estocando água como pode. Reservatórios, tanques, bacias ou garrafas plásticas estão cheias, ao contrário das distribuidoras de água mineral, que ontem registraram filas de dobrar quarteirão. Nas torneiras de moradias e lojas de pelo menos cinco bairros – Centro, Santa Terezinha, São Paulo, Ilha dos Araújos e São Pedro –, não cai uma gota desde ontem de manhã.
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O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) tem feito análises constantes da água para avaliar quando será possível retomar a captação. Com relação ao ferro, por exemplo, o nível admitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é de 0,03 miligrama por litro de água. Ontem, um dos testes apontava 410mg/l, quantidade mais de 10 mil vezes maior que a tolerável. A turbidez da água estava 80 vezes acima do permitido para tratamento. A lama que entrou na Usina Hidrelétrica de Baguari, no município de Valadares, demorou 16 horas para chegar até a área urbana da cidade.
Diante das previsões nada animadoras quanto ao abastecimento de água da cidade, os 278 mil habitantes sabem que o melhor é prevenir. “Desde a sexta-feira, quando começou a circular informação da falta de água, a gente começou a encher baldes. Da torneira ainda está saindo um restinho, mas não vai durar muito”, afirmou a dona de casa Maria das Graças Alves, de 63 anos, ao lado da mãe, Maria Alves, de 83, que nunca enfrentou situação semelhante. “Tinha tempo em que nossa preocupação era a enchente do rio. Mas a água passava e ia embora. Agora, a gente fica aqui, sem saber quando a água vem.”
BATALHA POR ÁGUA Nas prateleiras do comércio da região, água mineral virou artigo de luxo.
Pelas ruas em Valadares moradores e comerciantes se viram como podem, carregando garrafões embaixo do braço. Alcides Caumo, dono de restaurante e churrascaria em um dos melhores pontos da cidade, trocou as toalhas de tecido por papel e, se a água não voltar, passará a usar copos plásticos. Para não correr riscos – já que os 150 mil litros da caixa d’água serão suficientes para apenas três dias –, está reativando um poço artesiano abandonado há 15 anos. Pelo menos três faculdades suspenderam as aulas na cidade.
Lágrimas por causa da degradação
Ao atravessar de balsa o Rio Doce, Evelyn Timóteo sentiu uma vontade incontrolável de chorar. Na pequena embarcação, de menos de 4 metros quadrados, a garota de 12 anos dividia espaço com colegas de escola e dezenas de peixes mortos, alguns de mais de 10 quilos, retirados do rio.
“Na escola, ensinaram que tem de cuidar do meio ambiente. Antes, já estava triste. Depois do que aconteceu lá em Mariana, ficou pior ainda”, lamentava a menina, enquanto observava a água barrenta do Rio Doce, que mudou do esverdeado habitual para o vermelho. “Se não cuidar, daqui a uns dias não vamos ter mais nada. Nem rio, nem peixe”, acrescentou a mãe da garota, Suelen Timóteo, de 31, enquanto cuidava das outras duas filhas pequenas. “Tento ensinar esse amor pela natureza para eles. A gente mora aqui do lado do rio. É claro que foi um acidente, mas a população também precisa cuidar.”
O sentimento de mãe e filha resume a tristeza que tomou conta da população que vive às margens do Rio Doce. Segunda-feira, a barragem da Usina de Baguari abriu uma das comportas, liberando lama vermelha e toneladas de peixes mortos para Governador Valadares. Muitos moradores, no desespero, tentaram salvar alguns para devolvê-los ao rio quando o barro vermelho cheio de minério ralear – mas isso não tem previsão para ocorrer.
“Só aqui, salvamos uns 300 quilos de peixe.