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Estado de Minas

Por dentro da destruição: repórter do EM percorre distrito de Bento Rodrigues

Povoado foi devastado pela lama, um cenário de terra arrasada semelhante ao dia seguinte do terremoto no haiti


postado em 07/11/2015 08:18 / atualizado em 10/11/2015 11:39

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
O drama de quem estava ilhado no pequeno distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, só poderia ser mostrado por um observador que lá chegasse. Era uma ideia que estava sólida em minha mente. Quem diria que, numa tentativa de me aproximar dessa comunidade isolada depois do rompimento de duas barragens de minério, seria arrancado da posição de espectador e sentiria o gosto amargo de estar também cercado por obstáculos e sob a ameaça de novas inundações de lama contaminada? Depois de caminhar sob sol escaldante, subir morros, escorregar de barrancos e desviar de espinhos por 22 quilômetros, na tentativa de escapar ao bloqueio das equipes de resgate na estrada principal e chegar à comunidade arrasada pela onda de rejeitos, me vi a ponto de suplicar por socorro quando meu companheiro de equipe, o repórter fotográfico Juarez Rodrigues, e eu ficamos presos como os habitantes daquele local.


Escolhemos outra via, uma que em pouco diferia das estradinhas de terra mineiras, com seus suportes para latões de leite sobre cercas e gado ruminando em pastos. Até que avistamos a mancha marrom de lama tingindo o cerrado depois de ter arrastado troncos de árvores, cercas e rochas do tamanho de casebres. Quando a curva da estrada se encontrou com a lama, vimos uma caminhonete da polícia. Achei que seríamos barrados e preparava um jeito de convencer os militares a nos dar passagem. Mas eles estavam desistindo de seguir pela lama, o que deveria ter nos servido de aviso. Estava muito claro que aquele trecho não foi interditado, porque ninguém seria estúpido o suficiente de passar por 300 metros de lama de mineração. Mas foi o que fizemos.

 

 

 

Com paus e mourões sondamos o terreno e nos embrenhamos na estrada inundada. Primeiro afundamos calcanhares, canelas, joelhos e coxas e, quando nossas cinturas já sentiam o frio da lama, estávamos longe demais para voltar. Nesta altura, o peso da massa de barro impregnada nas roupas e calçados se soma à sucção que prende os membros afundados, fazendo com que nosso avanço fosse metro a metro e extenuante. Esparramamos para não afundar, engatinhamos buscando solidez, esticamos paus para tirar um ao outro dos atoleiros, até que ao cabo de 40 minutos, já drenados de nossas forças, conseguirmos passar.


No caminho, o obstáculo que nos prendeu mostrou como sofriam os habitantes de Bento Rodrigues. Sem suas casas, separados de parentes, com poucos mantimentos e nenhuma rota de fuga, ainda eram assombrados pelo mugido do gado desesperado que estava atolado e o latido dos cães abandonados em meio ao pânico ou que sobreviveram em locais afastados.

 

 


Numa curva adiante, a imagem do distrito de casas simples e jeito pacato foi solapada pela devastação da lama de mineração. Só as edificações mais altas ainda estavam firmes. As demais pareciam ruínas de adobe, caiadas pelo barro que obstruía portas, janelas e às vezes expunha apenas os telhados. Rolados como brinquedos, ônibus, carros e caminhões ficaram em posições improváveis sobre as moradias, enquanto grupos de resgate percorriam as vias que podiam, se arriscando sobre o terreno instável, fincando paus à procura de corpos ou de sobreviventes. Estávamos a um quilômetro, impedidos de chegar até lá, já que um rio da largura do Velho Chico se formou entre nós e o povoado. Mas a visão devastadora que eu só tinha visto uma vez na vida, no terremoto de 2010, no Haiti, logo se foi e me vi também preso.


Esperança Eu já não tinha mais forças para encarar toda a lama novamente por onde vim. Seguimos adiante, na esperança de que a estrada que leva ao distrito de Camargos nos provesse de sinal de telefone e água. Mas quando só restavam gotas em nossas garrafas de plástico, descobrimos que também aquela via tinha sido interrompida, depois de um cânion ter sido escavado pelo grande rio de lama.


Voltamos sob o castigo do sol, já formulando estratégias para pedir socorro. Juarez queria usar nossas roupas para escrever SOS no chão. Pensei em fazer uma fogueira de folhas secas e verdes para obter fumaça. Mas tivemos a sorte de encontrar um grupo de lavradores curiosos, depois de 5 horas perambulando. Eram de um distrito vizinho, Antônio Pereira, e apesar de não pilotarem helicópteros, nos salvaram mostrando uma picada na mata fechada, por onde nos conduziram praticamente exauridos de nossas forças até a segurança da estrada além do lamaçal. Veja então, que ainda que tenha sentido o gosto do isolamento, minha situação era apenas uma amostra do que vinham enfrentando os moradores de Bento Rodrigues, que nem sequer tinham picadas por onde escapar.

 

 


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