A reportagem do Estado de Minas segue na jornada sentimental pelas linhas que ligam vidas e histórias em Belo Horizonte. Às 17h30, desembarca na Área Hospitalar em busca do ônibus que leva para a Saudade, na Região Leste. É preciso correr para pegar o 9801 (Santa Cruz–Saudade). Três meninos que saem de uma escola pegam carona do lado de fora, na Rua Álvares Maciel, e seguem – escutando um funk bem alto – pendurados nas portas até o Paraíso, que, com letra maiúscula, é o bairro, não o Éden.
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Da Felicidade à Saudade - Um dia e uma noite nos ônibus da cidadeVIDA PASSAGEIRA: um dia e uma noite nas linhas de ônibus que ligam Belo HorizonteDepois que a luz do dia se vai, um gato aproveita o asfalto ainda quente da Rua Doutor Brochado, em frente ao ponto final do 9801, para se deitar.
Logo no começo da jornada, às 11h, a linha 3030, que seguiu do Bairro Funcionários para o Bairro Pilar, também estava repleta de estudantes, a caminho de uma universidade da Região do Barreiro. Contrariando o senso comum, apenas duas pessoas tateavam seus smartphones, enquanto quatro estudavam atentamente. “Eu não sei o que é genoma até agora”, segredou uma estudante para a outra, sentada ao lado.
TENSÃO E AMEAÇA
Enquanto o 3030 fazia o retorno no Centro, na Avenida Afonso Pena, três mulheres pegaram carona penduradas na porta. Uma delas gritava que ninguém poderia prendê-la. Quase na Praça Sete, um policial militar ordenou que descessem – sem sucesso. Quando o coletivo passava em frente ao prédio da Prefeitura de BH, uma viatura policial aguardava as três, mas elas conseguiram escapar. Um amigo do trio ficou irritado com o repórter fotográfico, que registrou a cena. Desceu do ônibus ameaçando “um tiro na cara”, mas apenas vociferou. Alívio que não tiveram as pessoas que estavam no mesmo ambiente em que ameaça igual se concretizou, na quinta-feira, em um ônibus da linha 1502, nos cinco estampidos que tiraram a vida de um fiscal.
Refeito o susto, voltando do Bairro Pilar, a reportagem desembarca em frente ao BH Shopping, no Belvedere. Troca para o ônibus da linha 010 (BH Shopping–São Francisco).
Duas moças falam sobre a atitude de uma terceira, que elas acreditam trair o marido. “Ela chega lá e diz: 'Oi, amor!’ na maior cara de pau”, se indigna a que segue sentada na poltrona do corredor. Da janela, é possível ver o muro vermelho de um drive-in, no Bairro Betânia, na marginal da estrada, e a mulher sentada na portaria, que tecla em um celular.
O desembarque é no Anel mesmo, logo após cruzar o viaduto sobre a Avenida Amazonas. Em nossa vida passageira, hora de embarcar no 3053, que vem do Barro Preto, Região Oeste, e vai até a Estação Barreiro, próxima parada. O sol abrasador das 14h ameaça cozinhar os passageiros. Cinco estão dormindo e nem prestam atenção aos cartazes colados embaixo do viaduto da Cidade Industrial: shows do Roupa Nova e do Racionais Mcs. São indiferentes também à pichação que conclama à revolução e pede que os cidadãos não votem.
A Avenida Amazonas, com as avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, forma o conjunto dos principais corredores de tráfego da capital. A BHTrans estima que até o fim do ano que vem, a Amazonas terá seu Move, assim como as outras duas.
GARGALO NA PONTA
Enquanto o BRT não chega à Amazonas, a reportagem embarca no 65 (Centro – Estação Vilarinho) às 19h50, na Avenida Santos Dumont, no Centro. O Move está lotado, mas o ar-condicionado ajuda – funciona bem.
As janelas fechadas, o ar-condicionado e o barulho do motor contribuem para que as pessoas fiquem indiferentes ao que ocorre do lado de fora, nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I. Um senhor, em pé, lê em um Kindle, vários passageiros ouvem música e outros cochilam. Muitos olhares furtivos para a moça vestida com roupa de ginástica, cujos braços estendidos revelam axilas perfeitamente depiladas. Após 25 minutos, o Move passa pela Estação Pampulha e é possível ver, à direita, o circo armado – aquele mesmo anunciado horas atrás, enquanto aguardávamos o 1505 no Centro da cidade.
Para quem precisa seguir em uma das linhas alimentadoras, quando se chega à Estação Vilarinho, o único circo imaginável é o de horrores. A fila para embarcar no 641, com destino ao Bairro Serra Verde, é imensa. O ônibus da linha alimentadora chega e todos entram. Mantendo a analogia circense, o lotação se parece com os velhos carros de palhaço, onde um número improvável de pessoas se espreme.
Reclamações são o ruído de fundo, difuso, onipresente. “Todo dia é assim: passa a cada 40 minutos. Ninguém consegue ficar esperando o próximo”, protesta a vendedora Edileidi Silva, moradora do Bairro Minas Caixa.