O aposentado Hito faz parte de um grupo de pessoas que escolheu adotar o estilo slow life, em português algo como desacelerar a vida, reduzindo ainda os padrões de consumo. Uma turma que, por esse mesmo motivo, está também mais abrigada de crises econômicas, como a atual. Esse comportamento vem desencadeando uma revolução silenciosa entre jovens ou aposentados, integrantes de classe média alta ou universitários no começo de carreira, homens ou mulheres.
Pisar no abrigo que Hito e Luzia escolheram para viver, por exemplo, é um privilégio. A sala de visitas está localizada do lado de fora da casa, entre árvores antigas e novas. Em volta de um jardim secreto, decorado com imagens religiosas e cristais, estão posicionadas duas espreguiçadeiras e uma rede. Naquele cantinho mágico, nenhum convidado se assenta em ângulo de 90 graus: é obrigado a se reclinar, com os olhos voltados para o céu terrivelmente estrelado à noite, distante dos postes de iluminação artificial. “A essência de viver de maneira mais simples é viver de maneira autêntica”, está escrito na plaqueta, apoiada no pé de mexerica ponkan.
De maneira natural, todos os que chegam tiram os sapatos, sem que ninguém peça. Em menos de cinco minutos, um dos convidados cai em sono profundo. Hito se ajeita na rede.
Contabilidade
É inevitável pedir novos cálculos a Hito: “Com essa decisão, você considera ter atingido o patamar de, em média, quantos por cento a mais de felicidade?”. Desta vez, ele responde rápido. “Pode colocar uns 100%. Para mais”, diz o aposentado, abrindo o primeiro de muitos sorrisos.
Por fim, o velejador que curiosamente aportou bem longe do mar pergunta se alguém estaria com sede. O calor é demais e o sinal é positivo. Hito então colhe um coco do coqueiro-anão plantado no quintal. Abre-o com um facão, demonstrando habilidade (ele mesmo está fabricando prateleiras e móveis da casa, de madeira reciclada). Serve a água doce, natural. Precisa de algo mais para ser feliz?
Exemplo para nova geração
“Quando engravidei, caiu a ficha: quero ser um exemplo para a minha filha”, refletiu a estudante de antropologia Cecília Lobo, de 23 anos.
Para ser uma mãe melhor, Cecília se dedica a amamentar exclusivamente no peito. A filha nunca usou chupeta e nem sabe o que é mamadeira. Além disso, Elis não tem orelhas furadas e usa peças de todas as cores do arco-íris, do rosa ao azul. “Aqui em casa a gente aproveita tudo. Quando ela tiver senso crítico mais desenvolvido, poderá escolher o que vai querer vestir”, explica Cecília, que desde o nascimento da pequena assumiu os próprios cachos. “Alisava meus cabelos desde os 12 anos. Isso deixou de fazer sentido, já que minha filha teria o mesmo tipo de cabelo meu e do meu marido”, compara.
Por seguirem carreira acadêmica, mãe e pai pretendem dedicar mais tempo à criação da filha, se possível trabalhando dentro de casa, dividindo igualmente as funções. O casal de jovens só se desloca de ônibus ou a pé pela cidade. Aliás, nenhum dos dois nem sequer chegou a tirar carteira de habilitação.
Ativista das ciclovias, o jornalista ambiental Gil Sotero, de 37, vai e volta diariamente de bicicleta de casa para o trabalho, do Bairro Buritis, na Região Oeste, até a Câmara Municipal de BH, na Leste. Para facilitar, combinou com amigos de guardar a bike no escritório, no Centro da cidade, e seguir de ônibus o restante do trajeto. “Andar de bicicleta me fez repensar os hábitos como consumidor. Passei a comprar mais no comércio local. Não teria sentido ir pedalando a shoppings, por exemplo. Outra coisa é que não dá para carregar muitas sacolas na bike. Descobri que menos é mais”, diz Sotero, também adepto do slow fashion, aprendido nas idas a Nova York: “Lá fora, observei que todos os meus amigos frequentavam brechós de roupas masculinas. Eu chegava a gastar R$ 500 em roupas. Comprando em brechós, invisto R$ 150 pelo triplo das peças”.
Salário de R$ 11 mil recusado
No mês passado, o analista de tecnologia da informação Danilo Sabbagh, de 35 anos, rejeitou a proposta de ganhar R$ 11 mil trabalhando dentro de casa, em esquema de home office, para uma multinacional. Ele se nega terminantemente a cumprir expediente de oito horas diárias. “Era o emprego dos sonhos de muita gente, mas não quero me enquadrar. Só preciso trabalhar duas semanas por mês para tirar o que preciso para me manter e cuidar do meu filho”, contabiliza ele, que dedica as outras duas semanas restantes ao ativismo político. Sua última movimentação foi se unir ao grupo que ocupou por 10 dias a Câmara de Belo Horizonte.
“Não é que as passagens de ônibus baixaram?”, sorri ele, em uma cafeteria no coração da Savassi, onde adora passar a tarde, à toa, conectado ao computador e assistindo à correria insana das pessoas, especialmente no horário do rush. Ao marcar a conversa, sugere antecipar a reunião para a faixa das 15h ou 15h30. “É que, nesse horário, os ônibus estão vazios. Nosso sistema de transporte coletivo não é dos melhores, mas existe e é funcional”, avalia. “Você só precisa estar disposto a andar quatro quarteirões a mais por dia, o que faz até bem para a saúde. Até eu, que sou bem preguiçoso, dou conta”, ironiza.
Segundo Danilo, a vantagem de fazer as próprias regras no trabalho é que ele pode passar a tarde de quarta-feira com o filho, brincando no Parque Municipal. O analista garante ser diferente do lazer nos fins de semana, em que a diversão é disputada com centenas de concorrentes nas filas. “É difícil captar trabalhos que paguem bem, mas o dólar está compensando. Insisto em ser honesto comigo mesmo. Não quero ficar todos os dias trabalhando 10, 12 horas para encher a cara na sexta-feira, tentando esquecer que estou exausto. As pessoas me criticam, porque pensam que vivem em uma zona de conforto. Mas minha maior ambição é estar feliz todos os dias”, afirma.