Jornal Estado de Minas

Debate vai decidir o futuro de ex-colônias de hanseníase


“A gente não gosta de ficar aqui, mas tem de ficar porque se acostumou”

José Carlos Machado, de 80 anos, interno há 43 anos

José tem mais tempo de vida dentro do que fora da Colônia Santa Isabel, onde chegou aos 37 anos. Segundo ele, para quem queria trabalhar havia muito serviço na colônia, que ainda estava em construção. Chegou a fabricar tijolos para a pequena cidade, mas parou quando aumentaram as lesões. Acabou se estabelecendo como carroceiro, tornando-se conhecido por todos. Livre do mal de Hansen, poderia se mudar dali, mas não consegue ir embora. Quase meio século depois, confessa que não mais se encaixa na rotina normal.

Se os antigos sanatórios de tuberculose deram origem a boa parte da estrutura de saúde de Belo Horizonte, readaptada para os atuais hospitais gerais da capital (conforme mostrado na primeira reportagem da série Marcas do passado, publicada em agosto), ainda está em debate o que será feito das instalações de 33 ex-colônias de hanseníase distribuídas no país, sendo quatro delas em Minas Gerais. O movimento reflete o debate amplo sobre o destino das ex-colônias que está ocorrendo em todo o mundo.

Inaugurada em 1931 e considerada a maior colônia desse tipo na América Latina, em muitos períodos com mais de 3,5 mil internos, distribuídos em mais de 5 milhões de metros quadrados, a atual Casa de Saúde Santa Isabel, em funcionamento no Bairro Citrolândia, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), guarda cicatrizes profundas do passado – de um tempo em que o mundo, refletido nesse pedaço de Minas, era dividido entre sadios e doentes. “O regime era rígido, parecia um campo de concentração, com a diferença de que, aqui, tínhamos o que comer.
Nunca pedi para vir para cá. Enquanto vida eu tiver, sou responsabilidade do estado”, avisa a articulada Maria Francisca de Ávila Queiroz, de 65 anos, conhecida na região somente por Queiroz.

Memória viva da instituição, Queiroz é defensora perpétua do lugar que aprendeu a amar e em cujo entorno decidiu criar a família. Aos oito anos, em 1958, ela foi trazida ainda menina de São Francisco, no Norte do estado. “Quando cheguei, já havia no pavilhão das crianças uma Maria, outra Maria Francisca e uma Maria Ávila. Sem opções, puseram em mim o apelido de Queiroz. Já me acostumei”, conta a mulher, conformada em receber o tratamento masculino, que soa estranho aos visitantes do lugar.

Neste mês, foi aberta a discussão sobre o destino das quatro antigas colônias de hanseníase de Minas, em Bambuí (Casa de Saúde São Francisco de Assis), Três Corações (Casa de Saúde Santa Fé) e Ubá (Casa de Saúde Padre Damião), além de Santa Isabel, em Betim. A reportagem do EM esteve presente na primeira audiência pública sobre o assunto, na Assembleia Legislativa de Minas, e também na reunião para a formação de um colegiado na Casa de Saúde Santa Isabel, em Betim, ligada à rede Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

DECISÃO DA COMUNIDADE

Na quinta-feira, iniciam-se na Santa Isabel os debates sobre a destinação dos 5 milhões de metros quadrados de terra pública existentes na ex-colônia.
“Menos de 10% das terras estão atualmente ocupadas pelos hospitais da Fhemig, que precisam ser ampliados e podem se tornar referência em hanseníase e no tratamento de feridas, fechando convênios para atender à Prefeitura de Betim e dos outros municípios ao redor. Queremos regularizar os títulos das casas e decidir o que será feito dos 90% restantes das terras. A comunidade vai escolher se quer  uma área de preservação ambiental, um centro industrial ou uma universidade. Não vamos querer presídios nem indústrias que possam poluir o Rio Paraopeba”, garante o diretor-geral Getúlio Ferreira de Morais. Ele já iniciou conversações para transformar as instalações em hospital-escola, em parceria com a Faculdade de Medicina da PUC, em Betim.

“Os moradores das colônias sofreram demais, mas aprenderam a lutar pelos seus direitos. Nossa mobilização é forte”,  diz Getúlio Ferreira. Da mesma forma, em função da história trágica e dos baixos índices de desenvolvimento, a região atrai grupos dispostos a prestar solidariedade aos hansenianos..