Jornal Estado de Minas

Moradores resistem ao isolamento nas "cidades rurais", no Norte de Minas

Morador de Macaúbas, área rural de Itacambira, o casal de agricultores José e Alaíde Pereira só vai à área urbana a cada dois meses para comprar mantimentos - Foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A PressItacambira – Uma única avenida, três praças e 20 ruas resumem a área urbana de Itacambira, no Norte de Minas, uma das “cidades rurais” do estado. Dos 4,9 mil habitantes do município recenseados em 2010, 3,9 mil (79,5%) moram na zona rural. No “dia da feira”, eles se deslocam até a área urbana para receber aposentadorias e outros benefícios, vender o que produzem – incluindo verduras, frutas, milho, feijão, ovos, frango – e comprar o que precisam, de sal a roupas. Eles são transportados em ônibus cedidos pela prefeitura, que também disponibiliza caminhões para carregar as mercadorias. Nos outros dias, preferem evitar as péssimas condições das estradas vicinais e o relevo acidentado da região.

A dispersão das famílias dificulta e encarece a administração do município, afirma o chefe de gabinete da prefeitura, Joaquim Magno Miranda. “Temos que investir muito na reforma e conservação dos 500 quilômetros de estradas vicinais, que atendem em torno de 25 localidades rurais”, explica. Em algumas, o isolamento chega a ser completo no período de chuvas, quando estradas de terra se tornam intransitáveis, como ocorre em Macaúbas, às margens do rio homônimo, distante 34 quilômetros da área urbana de Itacambira e sem acesso a linhas de ônibus.

A energia elétrica é o único conforto da vida moderna ao alcance das cerca de 20 famílias de Macaúbas. Para telefonar, os moradores precisam se deslocar pelo menos 10 quilômetros até o “ponto” mais perto, onde o sinal de celular “pega”.
Ali, internet é desconhecida. Apesar do acesso à televisão – viabilizado pela chegada da energia elétrica há apenas sete anos, o velho radinho de pilha continua sendo o único meio de contato de muitos com o “mundo externo”.

É o caso do agricultor aposentado José Pereira, que não sabe sequer a própria idade e que nunca assistiu a um programa de televisão. “Acho que tenho mais de 78 anos”, diz José Pereira. Ele mora com a mulher, Maria da Glória dos Santos, de 72, numa pequena casa a que só se chega depois de uma caminhada de 20 minutos por uma trilha e pelo leito do Rio Macaúbas. Sempre que precisa se deslocar até a sede de Itacambira, o aposentado paga R$ 100 de “frete” a um motoqueiro da região. Porém, já enfrentou situação pior. “Antigamente, eu viajava de Itacambira até aqui a pé, mais de cinco léguas (30 quilômetros), carregando mercadorias nas costas”, relatou.

Cercados de utensílios antigos, como um jirau – estrutura de madeira usada para escorrer vasilhas –, os agricultores João Batista Oliveira, de 55 anos, e Maria Dalva Soares de Oliveira, de 53, ficam mais de um mês sem visitar a área urbana.
A mulher garante não sentir falta da cidade, mas reclama da escassez de assistência à saúde, problema agravado pela dificuldade de acesso à sede. “A gente só vai à cidade para comprar as coisas necessárias, como sal, arroz e açúcar”, afirma João Batista, que usa uma moto nos seus deslocamentos.

Para o casal José Pereira da Silva, de 62, e Alaíde Pereira da Silva, de 52, a aquisição desses produtos e serviços é “a maior dificuldade” para quem vive na localidade. Os dois passam até dois meses sem ir à área urbana, mas Alaíde diz preferir a roça. “Na cidade, é muito difícil, tudo a gente tem que comprar. Na roça, a gente produz alguma coisa”, comenta a mulher, acrescentando que apenas aprendeu a “assinar o nome” e a “ler um pouquinho” com o pai, que não permitiu que ela saísse de casa para estudar na cidade. Hoje, as crianças de Macaúbas são levadas para a escola em Itacambira e o carro do transporte escolar é um dos poucos veículos que transitam frequentemente entre a localidade e a área urbana. Questionado se conhece internet, José Pereira respondeu: “Já ouvi outros falarem. Dizem que é uma coisa muito importante, mas eu não entendo nada disso”.

Além da aposentadoria e do trabalho como agricultor, José Pereira da Silva tenta a sorte com garimpo, à procura de diamantes, no Rio Macaúbas, no fundo do seu terreno.
Ele conta que a pedra mais valiosa que encontrou foi um diamante de quatro quilates, vendido por R$ 2,4 mil, divididos com um colega de trabalho. “Quem sabe um dia Deus olha pra gente e manda a sorte grande?”, sonha o agricultor garimpeiro. .