Jornal Estado de Minas

Moradores do Enseada das Garças vão acionar MP sobre mau cheiro na Lagoa da Pampulha

Em meados da década de 1970, a lagoa foi invadida pelos aguapés - Foto: JORGE GONTIJO/EM/D.A PRESS 26/5/1989
Os ipês-amarelos perderam a graça, a Ilha dos Amores virou, de repente, “ilha dos dissabores”, e o espelho-d’água deixou de refletir a beleza da paisagem candidata a patrimônio da humanidade. No lugar desses encantos, entram máscaras cirúrgicas, dedos tampando o nariz, janelas fechadas e muita irritação. Nas últimas semanas, moradores do Bairro Enseada das Garças, na Pampulha, em Belo Horizonte, não conseguem mais desfrutar do cartão-postal da cidade, tal o mau cheiro que exala das águas da lagoa. Sem alternativa, alguns trocam de endereço, como se fossem “exilados ambientais”, ou procuram ficar mais tempo na rua. “No domingo, Dia dos Pais, as famílias tiveram que almoçar em restaurantes”, queixa-se a dona de casa Vera Lúcia Vieira, residente há 35 anos no bairro. Ao lado de vizinhos, trabalhadores domésticos, caminhantes da orla e simpatizantes da causa, ela participou ontem de um protesto para denunciar a situação. Em vez de olhares de admiração, rostos indignados e protegidos por máscaras brancas.

“Não é mau cheiro, é fedor mesmo de esgoto. Parece que tem algo químico misturado.
Está insuportável”, reclama o jornalista esportivo Ramon Salgado, morador há 30 anos da Enseada das Garças. Sem condições de ficar na residência de onde se avista grande parte da lagoa, ele se mudou temporariamente, com a mulher Seloní, para o Bairro Ouro Preto, também na Pampulha. Ele explicou que, antes da Copa do Mundo, em junho do ano passado, havia até seis dragas fazendo a limpeza. “Depois, pararam”, afirmou.

Igualmente inconformada, a dona de casa Vera Lúcia Vieira, comentou que “nem urubu está aguentando”. Rouca, ela disse que vive com a casa fechada o tempo todo. “Dor de cabeça e náuseas.
Está todo mundo ficando doente. Esta parte do bairro virou um lixão ambulante”, denunciou. Ao lado, a funcionária de Vera Lúcia, Elizabete Inácia Lopes, contou que foi atendida numa unidade municipal de saúde e o médico garantiu que o mal-estar decorria da poluição. 

Vídeo mostra situação na lagoa. Confira

 

DENÚNCIA NO MP Enquanto os moradores protestavam, uma equipe da PBH, sem máscara de proteção, começava a limpar as margens da lagoa. Hoje, um grupo de moradores deverá procurar o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e protocolizar um documento com a denúncia. A professora da Faculdade de Educação da UFMG, Narriman Rodrigues Conde, explicou que já fez reclamação na Ouvidoria da PBH. “Terei a resposta amanhã (hoje). De uns 20 dias para cá, o cheiro só piora”, afirmou.

Os moradores já telefonaram, segundo informaram, para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente pedindo providências. João Monteiro Filho lembrou que o IPTU no bairro é muito caro. “E esse fedor desvaloriza os imóveis.” A arquiteta e escritora Maria Ester Lacerda destacou que tudo é absoluta falta de respeito, principalmente no momento em que o conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), quer ganhar o título concedido pela Unesco.

INVESTIMENTO
A PBH informa que está em curso o Programa Pampulha Viva, financiado pelo município, junto ao Bancos do Brasil (BB) e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), contando ainda com investimentos da Copasa, com objetivo de “promover a recuperação da bacia hidrográfica da lagoa”. “A primeira etapa do programa propiciou a retirada de cerca de 850 mil metros cúbicos de sedimentos e está em fase de elaboração um edital de licitação, com publicação prevista ainda para 2015, que promoverá, anualmente, ações de dragagens de manutenção”. Em relação ao tratamento das águas da Lagoa da Pampulha, a PBH diz que “está em curso a licitação que escolherá a melhor técnica para a limpeza, com início dos trabalhos previsto para esse ano, e que está concluído o projeto para implantação de uma Estação de Tratamento das águas do Córrego D’Água Funda, segundo a tecnologia de Jardins Filtrantes (veja ao lado).

A Copasa informa que viabiliza a execução das obras de implantação/complementação das infraestruturas de esgotamento sanitário na bacia hidrográfica, atuando ainda em parceria com o município para identificar e efetivar potenciais ligações domiciliares ao sistema, além da eliminação de ligações clandestinas de esgotos à drenagem. Sobre o cheiro, os técnicos da PBH esclarecem que “o passivo de poluição presente no interior da lagoa, correspondente à grande quantidade de matéria orgânica, associado à poluição afluente e ao longo período de estiagem, explica o quadro que se verifica, de baixa diluição, excessiva proliferação de algas e desprendimento de maus odores”.

POLUIÇÃO QUE RESISTE AOS ANOS


Símbolo da cidade e candidata a Patrimônio da Humanidade ao lado do complexo arquitetônico, a Lagoa da Pampulha já passou por diversos tratamentos e promessas, nenhum deles capaz de resolver o problema da poluição. Confira os mais expressivos.

No início dos anos 2000, o sistema entra em operação nos córregos Ressaca e Sarandi, para retirar 80% da matéria orgânica - Foto: AUREMAR DE CASTRO/EM 6/3/2002

» Aguapés 1

Em meados da década de 1970, a lagoa foi invadida pelos aguapés. Segundo moradores mais antigos, a planta foi introduzida para tentar “limpar”o reservatório, que recebia grande quantidade de esgoto

» Aguapés 2

De tentativa de solução, os aguapés viraram novo problema. No fim da década de 1980 começam as ações para retirar as plantas, que se tornaram problema crônico e cobriam grande parte do espelho d’água.
O processo exigiu maquinário pesado e consumiu vultosas quantias de dinheiro público

» Barco

No início de 2000, com a queda da oxigenação na água, foram usados barcos de forma emergencial, com algum efeito positivo. Ao girar, a hélice da embarcação misturava ar e água, permitindo introdução do oxigênio

» Redes coletoras

Também no ano de 2000, a Copasa dá início à construção das redes coletoras de esgoto e interceptação das ligações clandestinas. Trata-se de um novo tempo na trajetória do reservatório, mas, por problemas administrativos e jurídicos, o projeto ainda não foi capaz de retirar os lançamentos do espelho d’água

Entre 2013 e 2014 é feita dragagem para retirar sedimentos dalagoa - Foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS 25/8/14

» Floatflux

No início dos anos 2000, o sistema entra em operação nos córregos Ressaca e Sarandi, para retirar 80% da matéria orgânica e 90% do fósforo – nutriente que propicia o crescimento de algas

- Foto: Arte EM

» Dragagem

Entre 2013 e 2014 é feita dragagem para retirar sedimentos dalagoa. No total, foram 800 mil metros cúbicos de material

» Recuperação da qualidade da água

A licitação dos Serviços de Recuperação da Qualidade da Água da Lagoa da Pampulha foi suspensa por decisão da Prefeitura de BH, até que estejam integralmente implementadas as ações de coleta e interceptação de esgotos na Bacia da Pampulha, que estão sendo realizadas pela Copasa. Há uma semana, a PBH anunciou que vai iniciar por conta própria a construção de plantas de tratamento de água em três ou mais dos afluentes mais poluídos do reservatório


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