EM registra derrubada de vegetação nativa da mata atlântica na região do Rio Doce

Reportagem do EM flagra devastação da mata atlântica no entorno do parque estadual da região, considerado a maior reserva do bioma em Minas. Agressão à floresta reduz volume de nascentes e acelera degradação do curso d'água

Mateus Parreiras Guilherme Paranaiba


Marliéria, Dionísio e Timóteo
– Dois roncos de motores acelerando rompem a vegetação densa, de onde apenas o pio estridente das seriemas escapava.
Movimentando a correia de lâminas contra os troncos de perobas, vinháticos e coqueiros, duas motosserras vão pondo abaixo as espécimes da mata atlântica, uma das florestas mais devastadas do mundo e detentora da maior biodiversidade do país. A cena flagrada pelo Estado de Minas ocorre nos flancos do Parque Estadual do Rio Doce, a maior reserva de mata atlântica remanescente em Minas Gerais, com 35.970 hectares e a um dia de a unidade completar 64 anos – 14 de julho. O absurdo se torna ainda mais evidente porque, apesar de o bioma ser protegido por lei, o desmatamento se dá em área de proteção ambiental. Dentro do parque, nascentes e cursos que alimentam o Rio Doce dependem de conservação e mostram que a devastação da floresta acelera a degradação do manancial que, de tão combalido, não chega sequer ao mar por sua foz original, como mostrou ontem a reportagem do Estado de Minas.


As mazelas da mata atlântica e do Rio Doce são causadas pelos mesmos problemas, de acordo com o coordenador regional do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Wyllian Giovane de Melo. “A devastação da mata atlântica – que é o bioma que predomina em 98% da Bacia do Rio Doce – teve 95% de sua extensão dizimada”, disse. Contudo, a falta de repressão contra quem destrói a mata permite que ainda ocorram desmatamentos em áreas emblemáticas, como o parque estadual.
Para encontrar essa devastação a reportagem do EM se valeu de imagens de satélites que mapearam a cobertura florestal da região. Ao conferir comparativamente a extensão dessa vegetação ao longo dos últimos 10 anos foi possível identificar grandes clareiras sendo abertas recentemente em áreas antes de selva fechada.

Só no entorno do parque, esse levantamento permitiu identificar 19 áreas devastadas entre 2014 e 2015, somando 114 hectares ou 281 campos de futebol, nos municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo, no Leste de Minas.

A mata derrubada das árvores abre espaço para chacreamentos, loteamentos, plantações de eucaliptos e pastagens. A vegetação serrada no pé tem destinos diferentes, segundo a reportagem apurou junto às serrarias dessas regiões. Algumas são misturadas a eucaliptos e vendidos a fornos de carvão, enquanto outros carregamentos de exemplares nobres da flora nacional são incinerados nas próprias fazendas, sem qualquer temor de fiscalização.

Impunidade estimula cortes de espécimes do bioma, como este na região do Parque Estadual do Rio Doce - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Num desses espaços abertos em Marliéria, primeiro um trator foi usado para abrir caminho na floresta, fazendo uma estrada para dentro da mata. Lá dentro, dois funcionários serravam as árvores abrindo uma clareira que não podia ser vista de estradas vicinais, como a LMG-760. Os troncos cortados eram empilhados e depois transportados por caminhões. Segundo apurado, parte ia para fornos da propriedade e outros eram vendidos.


Na zona rural de Mariléia, que fica dentro da área de proteção ambiental, estrada foi aberta no meio da floresta - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PressO biólogo e especialista em recursos hídricos, Rafael Resck, elege o assoreamento, reforçado pela ausência de vegetação ciliar, como o pior problema do Rio Doce. Esse tipo de agressão é visto de forma bastante clara na região de Ipatinga, segundo Resck. “Os sedimentos são carreados para dentro do rio, que não tem a proteção das matas ciliares. Qualquer água ganha o poder de levar material sólido para o leito do rio. A principal função da mata ciliar é conter as forças da água em época de chuva. Você encontra essa situação de extrema degradação em cidades como Resplendor, onde são pouquíssimos os fragmentos de mata nativa”, afirma o especialista.

IRREGULARES
Resck lembra também que a falta de chuvas fez com que o problema ganhasse uma abordagem mais direta, mas acredita que essa conta não pode ser paga apenas pela estiagem. “Se olharmos o exemplo do Rio São Francisco, em uma das margens que está mais preservada o volume de água dos tributários é maior.

O assoreamento tem impacto direto na redução de volume de nascente e, além disso, estamos contribuindo com entrada de sólidos na água o tempo todo”, complementa.

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), os empreendimentos consultados pela reportagem não têm licenças para derrubar mata nativa, apenas plantações de eucaliptos. A Semad informou ainda que, em razão do aniversário do parque, um levantamento com áreas mais sensíveis ao desmate seria divulgado hoje.

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