Jornal Estado de Minas

Cenipa investiga se piloto de bimotor que caiu em BH realizou manobra arriscada

Hipótese de saída no estilo 'manobra americana' foi levantada depois que testemunhas e pilotos ligados à torre de comando do aeroporto da Pampulha confirmaram a subida quase vertical da aeronave em relação à pista

Valquiria Lopes Márcia Maria Cruz
Manobras que antecederam queda de avião em BH intrigam especialistas - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A.Press

Uma manobra arriscada de decolagem está na mira da investigação da tragédia com o avião que caiu e matou três pessoas no domingoTécnicos do Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes (Seripa III), órgão que integra o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), analisarão imagens e outros dados sobre os últimos momentos em que o avião bimotor King Air – prefixo PR-AVG – esteve no ar, para apurar se o piloto Emerson Thomazini executou uma decolagem diferente da habitual.


A hipótese de que ele tenha feito uma saída do solo no estilo “manobra americana” foi levantada depois que testemunhas e pilotos ligados à torre de comando do aeroporto da Pampulha, de onde ele decolou, confirmaram a subida quase vertical em relação à pistaA técnica, considerada arriscada por especialistas, consiste em retirar a aeronave do solo, recolher o trem de pouso, mas ganhar velocidade com o avião sobrevoando em baixa altitude, entre 2 e 4 metros, até quase o fim da pista, onde o piloto puxa o manche de forma mais acentuada do que o habitual para decolarAssim permanece até alcançar altitude entre 1 mil e 2 mil metros, quando estabiliza o avião.


Segundo a Força Aérea Brasileira (FAB), o bimotor permaneceu no ar apenas um minuto dos 50 minutos de tempo previsto no plano de vôo, entre BH e Setubinha, no Vale do JequitinhonhaDecolou às 15h23 e caiu às 15h24A informação de que o comandante teria feito a manobra arriscada circulou ontem nos hangares do aeroporto“O piloto manteve a aeronave voando baixo até terminar a pista e depois subiu na vertical”, detalhou um experiente comandante.

Segundo ele, a torre de comando do aeroporto tem os registros da manobra, que, conforme análise da testemunha, teria sido ainda mais ousada do que a “decolagem americana”“O que ele fez se chama estol de badalo, feito pelos pilotos da Esquadrilha da Fumaça em performances aéreas”, afirmou o comandante.

Amigo de Emerson Thomazini, o também piloto Augusto de Lima entende que a decolagem americana é “uma manobra perfeitamente normal”Já para o diretor de segurança operacional da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (Appa), Miguel Rodeguero, a decolagem americana foge da operação padrão e deve ser evitada“Toda vez que foge do padrão, se expõe ao risco”, afirma o especialista em segurança de voo.

"Precisamos analisar as gravações de voz do avião e os vídeos das câmeras de segurança do hangar e da Infraero" , Leonardo Neves Carneiro, capitão do Cenipa - Foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS
Peritos do Seripa III recolheram a caixa-preta com as últimas conversas das vítimasImagens da torre de controle do aeroporto de onde a aeronave havia decolado também serão analisadas

O diálogo da torre com o piloto também foi solicitado“O CVR, popularmente conhecido como caixa -preta, grava dados de voz e não de vooEle será encaminhado para Brasília para ser analisadoOs técnicos terão que abrir o CVR com muito cuidado, pois está bastante queimado”, informou o chefe de investigação do Seripa III, Raphael Vargas VilarEle e a sua equipe coletaram dados, destroços e entrevistaram testemunhas para tentar chegar às causas da queda.

Depois de acompanhar a retirada dos destroços do avião, o capitão Leonardo Neves Carneiro, do Cenipa, afirmou que, somente depois de uma análise em laboratório, será possível saber se a gravação na aeronave foi preservada“Ainda não tem como falar que houve a polêmica decolagem americanaPrecisamos analisar as gravações de voz e os vídeos das câmeras de segurança, do hangar e da Infraero”, disse.



Retirada O recolhimento dos destroços de dentro do imóvel começou pela manhã e até o fim da tarde não havia terminadoBombeiros precisaram cortar algumas peças para passar pelo portão da casaO material foi empilhado na calçada e recolhido por um guincho.  O material será guardado em uma empresa de manutenção no aeroporto da Pampulha.

Segundo o major-aviador Raphael Vargas Vilar, chefe da Sessão de Investigação do Seripa III, a divisão coletará evidências e analisará os dados para, em uma terceira fase, divulgar o relatórioEle ainda afirma que não é possível precisar com exatidão quando a investigação será concluída
Um dos fatores que pode levar à demora se deve à aeronave ter sido fabricada nos EUA e contar com motor canadense, o que pode demandar a ajuda de órgãos internacionais na apuração.

- Foto: Arte/Soraia Piva

Até então, o major-aviador apenas tinha visto as imagens do avião caindo em parafuso, gravadas por populares“Tudo indica que o piloto perdeu o controle da aeronave e não teve como escolher o local do pousoSegundo o órgão, o comandante Emerson Thomazini, de 43 anos, era piloto  desde novembro de 1998, tinha licença de linha áerea desde 2011 e estava com habilitação válidaEle trabalhava havia 10 anos para o grupo Atlantica Exportações e Importações, dona do aviãoJá o copiloto Gustavo de Toledo Guimarães tinha licença desde 2000 e também estava com habilitação em diaAinda de acordo com a Anac, a situação de navegabilidade do bimotor era normal e a data de validade da licença estava regular.

O chefe do Núcleo de Operações Aéreas da Polícia Civil, delegado Ramon Sandoli, esteve no local do acidente para acompanhar os trabalhosO policial que morreu atuava no NúcleoSandoli informou que a Polícia Civil acompanhará as investigações da Cenipa e abrirá inquérito paralelo para apurar as mortes violentas“As causas do acidente ficam por conta da Cenipa, que analisará todos os dados, desde antes da decolagem até o acidente”, afirmou“A Polícia Civil vai apurar se houve acidente danoso ou culposoVamos aguardar as investigações da Cenipa”, afirmou o policial.

ASSISTÊNCIA Representantes da Atlantica Exportação e Importação, responsável pela aeronave, também estiveram no localA empresa é especializada em grãos de café cru e faz parte da MonteSanto Tavares, uma holding mineira que já foi dona das marcas Café Três Corações e Sucos Mais, e atualmente comanda a marca de café Fino Grão

 Por meio de nota, a empresa informou que está prestando toda a assistência aos familiares das vítimasTambém afirmou estar acompanhando as investigações e que o piloto Emerson Thomazini era considerado um “profissional exemplar”.