Minas entra na vida de Mário de Andrade em 1919, quando ele faz a sua primeira viagem ao estado, especificamente para visitar em Mariana, na Região Central, o poeta Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Vem de SP de trem, desembarca em Belo Horizonte e, ao chegar ao destino, tem o primeiro contato com o barroco e monumentos. Cinco anos depois, voltaria com outro espírito, dessa vez integrando a caravana formada pelos modernistas que se destacaram na Semana de 22, entre eles Oswald de Andrade, escritor e dramaturgo, e sua mulher Tarsila do Amaral, artista plástica, acompanhados do jornalista René Thiollier, da fazendeira Olívia Guedes Penteado, do advogado Goffredo Telles e do poeta franco-suíço Blaise Cendrars. Tinham passado o carnaval no Rio de Janeiro e decidiram assistir às cerimônias da Semana Santa nas Gerais. O certo mesmo é que, de tão importante, o passeio histórico em abril de 1924 ganhou o nome de Viagem da Descoberta do Brasil.
“O grupo de modernistas, muitos deles de formação europeia, buscava a identidade do homem brasileiro e, paradoxalmente, foi fazer essa descoberta no nosso passado colonial, no barroco mineiro, na pedra-sabão, bem distante da faixa litorânea, num afastamento das tradições do Rio e Bahia”, conta a profesora de história da arte da UFMG, Adalgisa Arantes Campos, autora do livro Arte sacra no Brasil Colonial e pesquisadora do tema.
A caravana passou por Belo Horizonte, Ouro Preto, São João del-Rei, Tiradentes, Mariana e Congonhas, sendo matéria de destaque no extinto Diário de Minas, na edição de 27 de abril de1924. Conforme os estudos da professora Adalgisa, que publicou em 2014 o artigo Falando em Minas: Arquitetura Barroca, os modernistas detrataram o ecletismo das construções da capital mineira, chamando de “bolo de noiva” o estilo dos prédios do início da construção da cidade.
O secretário de Estado da Cultura Angelo Oswaldo também destaca a visita dos modernistas, pois, a partir daí, começaram muitos estudos sobre o barroco mineiro, inclusive por parte de pesquisadores internacionais. “Mário de Andrade viu que Aleijadinho não copiou, mas inventou, fundiu o barroco com o rococó e criou uma identidade na sua obra”, afirma o secretário, destacando a relevância do escritor para a criação, em 1937, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), dirigido pelo belo-horizontino Rodrigo Mello Franco de Andrade (1898-1969). Amigo de Carlos Drummond de Andrade, com quem manteve longa correspondência, Mário de Andrade escreveu em 1925 um longo poema dedicado à capital mineira, Noturno para Belo Horizonte.
PRESERVAÇÃO Integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) e autor do livro Aleijadinho Revelado, o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, ressalta que, graças aos modernistas e seu empenho na valorização do barroco, foi criada a primeira legislação para proteção do patrimônio nacional. “O trabalho deles foi especial, principalmente para destacar Antonio Francisco Lisboa. O decreto 25/1937, para proteger o patrimônio, está em vigor até hoje”, ressalta Marcos Paulo.
Noturno para Belo Horizonte
Mário de Andrade
Maravilha de milhares de brilhos e vidrilhos,
Calma do noturno de Belo Horizonte...
O silêncio fresco desfolha das árvores
E orvalha o jardim só.
Larguezas.
Enormes coágulos de sombra.
A polícia entre rosas...
Onde não é preciso, como sempre...
Há uma ausência de crimes
Na jovialidade infantil do friozinho. (...)
Um grande Ah! ... aberto e pesado de espanto.
Varre Minas Gerais por toda a parte...
Um silêncio repleto de silêncio
Nas invernadas, nos araxás
No marasmo das cidades paradas...
Passado a fuxicar as almas,
Fantasmas de altares, de naves douradas
E dos palácios de Mariana e Vila Rica...
Isto é Ouro Preto
E o nome lindo de São José d’El Rei mudado num odontológico Tiradentes...
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“Se excetuarmos os tempos de agora, o período que vai mais ou menos de 1750 a 1830 será talvez o de maior mal-estar para a entidade nacional brasileira. É nele que vive Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”
“Nas igrejas mineiras do século 18, a gente percebe a luta de duas influências principais: a do Aleijadinho e a do engenheiro reinol Pedro Gomes Chaves, anterior ao brasileiro”
Trechos do artigo “O Aleijadinho”, de Mário de Andrade, publicado no livro Aspectos das artes plásticas no Brasil, em 1928, portanto, quatro anos após a histórica viagem a Minas
LINHA DO TEMPO
1893
Em 9 de outubro, nasce em São Paulo (SP) Mário Raul de Moraes Andrade, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade
1909
Mário de Andrade se torna bacharel em Ciências e Letras e, no ano seguinte, cursa o primeiro ano da Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo
1919
Em viagem a Minas, o paulista conhece o barroco e visita o escritor Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), em Mariana, retornando dois anos depois
1922
De 13 a 18 de fevereiro, participa da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, que revoluciona a literatura, artes plásticas e o cinema
1924
Faz a histórica Viagem da Descoberta do Brasil, junto com Tarsila do Amaral e outros amigos modernistas, às cidades mineiras de passado colonial
1928
Publica o texto O Aleijadinho, no livro Aspectos das Artes Plásticas no Brasil. No mesmo ano, é lançado Macunaíma, uma das suas obras de maior sucesso editorial
1945
Em 25 de fevereiro, Mário de Andrade morre em São Paulo.