Se a obtenção de pequenas parcelas de terras, entre 100 e 200 hectares, fruto de desapropriações, tem estimulado a esperança e a vinda de povos indígenas de diversas partes do Brasil para Minas Gerais, quando o assunto são as terras tradicionais, está caracterizado o impasse.
“As ações do governo federal para esse fim sofrem influência forte da política local. Deputado ou prefeito com bom lobby consegue barrar a demarcação, sujeita a essa barganha político-eleitoreira. A situação é crítica e tem piorado. Só é diferente em terras pequenas, que são compradas em processo articulado pela Funai em parceria com o governo do estado”, diz Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste, organismo vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), Thiago Henrique Fiorott, confirma que a demarcação é problema em nível nacional. “O Estado brasileiro não está fazendo esse procedimento”, diz. Segundo ele, foram publicadas em Minas, nos últimos anos, 12 identificações de territórios, entre eles os dos Xakriabá e dos Kaxixó. Todas foram suspensas pela Justiça, havendo muitos processos movidos por fazendeiros.
DINHEIRO Entre os índios encontrados em Belo Horizonte, muitos são da enseada de Coroa Vermelha, no extremo Sul da Bahia, costa do descobrimento do Brasil. Para Chawã, de 25 anos, não há muito o que comemorar neste mês de abril. “Somos os primeiros habitantes do Brasil e somos discriminados. Não respeitam as nossas terras e a nossa cultura”, reclama o Pataxó. Chawã, que tem duas certidões de nascimento – uma na “lei dos brancos”, com o nome de Jorge Luís Meireles Guedes –, protesta contra a proposta de emenda à constituição (PEC) de número 215, que altera as regras para demarcação de terras indígenas.
Além do trabalho com artesanato, Chawã dá palestras e faz apresentações de danças e cantos indígenas com familiares de sua tribo, em trânsito por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O pataxó diz o bom e o ruim de BH: “A parte boa são as escolas e as pessoas que respeitam e abrem as portas para a gente mostrar nossa cultura, nossa dança. O ruim é que tem gente que não respeita nossa história”. Politizado, Chawã quer que as pessoas conheçam o seu povo, que saibam das suas lutas. Assim, não se cansa de atender instituições de ensino, por trocados ou alimentos.
O dinheiro – kanhabá, na língua patxôhã – não é motivo de alegria para Txihi-xohã.
Um pedaço de Cabrália em BH
Em Coroa Vermelha, tradicionalmente, as índias com 14 anos se casam com rapazes um, dois anos mais velhos. Aroeira, de 54, teve seis filhos. Três deles morreram e são saudade e tristeza no coração da pataxó de fala educada e mãos calejadas.
O filho mais velho de Aroeira, Alessandro, é aluno do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele e a mulher levam o conhecimento adquirido em terras mineiras para os conterrâneos, jovens e adultos, de Cabrália, na Bahia. Na enseada de Coroa Vermelha, são mais de 5 mil habitantes. Cerca de 70% da renda dos índios vem da produção e venda de artesanato. Os outros 30%, da pesca e da agricultura. “Já tem gente nossa trabalhando como agentes de saúde e nos hotéis da Bahia”, conta Aroeira.
ROUPAS ‘BRANCAS’ Txihi-xohã lamenta não trabalhar mais com os trajes da tribo. “A gente é discriminado e as pessoas ficam rindo de nós”, explica. Para evitar o desconforto, no último ano, o pataxó e seus familiares procuraram se “vestir como os brancos”, ainda que os brincos e os colares despertem o interesse dos mais curiosos. Fora da tribo, o lazer praticamente não existe. Enquanto há sol, os pataxós trabalham. À noite, vez por outra, uma boa dose de caui – bebida indígena fermentada à base de mandioca – ganham as rodas de irmãos e primos.
Amanhã, Dia do Índio, um grande recipiente no quintal do Bairro São Cristovão, terreiro de temporadas, está cheio de caui, em preparo há uma semana para a celebração particular dos Pataxó da família de Aroeira. Para o público belo-horizontino tem show pela manhã, às 10h, no Parque Municipal. Tuhutary, de 31, Patiburi, de 48, Sarã, de 18 e Xohã, de 31, artistas guerreiros, já preparam apresentação especial de dança e canto na Avenida Afonso Pena..