Jornal Estado de Minas

Desaparecimento de rio que corta região de grutas e cavernas intriga pesquisadores

Rio Peruaçu, no Norte de Minas, passa por um dos mais importantes conjuntos arqueológicos do país

Luiz Ribeiro
Região se destaca pelas belezas naturais, que incluem formações rochosas imponentes e espeleotemasde beleza única - Foto: Manoel Freitas/ Divulgação

 Rio Peruaçu, afluente do São Francisco, vem secando nos últimos anos, o que representa uma séria ameaça ao patrimônio natural das grutas e cavernas do Vale do Peruaçu, que abriga um dos mais importantes conjuntos de sítios arqueológicos do Brasil, nos municípios de Januária e Itacarambi, no Norte de Minas. A drástica redução do volume do manancial é objeto de estudo desenvolvido desde 2010 por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O gerente do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, João Barbosa de Oliveira, que vive na região há mais de três décadas, diz que o rio começou a secar há 10 anos. Segundo ele, o Peruaçu está completamente vazio em um trecho de 40 quilômetros, que vai desde a nascente (que praticamente desapareceu) até o ponto onde recebe o Rio Forquilha, seu primeiro e principal afluente, a 15 quilômetros dos sítios arqueológicos. “Hoje, a água que chega às cavernas, na verdade, é a do Rio Forquilha”, explica Oliveira.

Ele salienta que, além de atingir as comunidades às suas margens, o secamento do Peruaçu representa um sério risco para o ecossistema da região, que conta com duas importantes áreas de preservação: o próprio Parque Veredas de Peruaçu (de 31,2 mil hectares, nos municípios de Januária, Cônego Marinho e Bonito de Minas) e o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, que tem 56 mil hectares, com mais de 80 sítios arqueológicos catalogados, reunindo pinturas rupestres e registros da presença humana de 11 mil anos. Na área das cavernas, o rio corre subterrâneo por seis a sete quilômetros.

“Há pontos no Rio Peruaçu em que o espelho d’água tinha de 400 a 500 metros de largura. Hoje, esses locais estão completamente secos”, diz, preocupado, João Barbosa Oliveira. “O secamento do rio é uma ameaça à fauna da região, provocando uma mudança de hábitat dos animais, que precisam buscar água em outro lugar”, observa, ressaltando que, mesmo com as chuvas dos últimos dias, a maior parte do leito do Peruaçu permanece vazia, contando apenas com poços em alguns pontos.

O gerente do Parque Veredas do Peruaçu disse que a redução da quantidade do volume de água é cercada de certo mistério, já que, como está em área de preservação permanente, o rio não sofre com o desmatamento e o assoreamento, problemas que mais afetam as nascentes na região. Mas, para ele, o problema é conseqüência da exploração descontrolada de água do subsolo.

“Tudo indica que a causa maior é a perfuração de poços na região ao longo dos anos, principalmente, por empresas que fizeram o plantio de eucalipto para a produção de carvão”, avalia.

Para reforçar essa hipótese, o gestor da área ambiental lembra que há 15 anos, três pesquisadores estrangeiros, dois da Bélgica e um da França, realizaram estudos na área do Peruaçu e disseram que os rios pequenos da região, situados acima de 750 metros de altitude, corriam sério risco de desaparecimento, devido ao rebaixamento do lençolfreático.

Estudiosos sugerem intervenção urgente

A professora Cristina Helena Ribeiro Augustin, do Instituto de Geociências (ICG) da UFMG, que realiza estudos sobre a redução do fluxo da água do Rio Peruaçu desde 2010, afirma que há três hipóteses possíveis para o problema. A primeira, segundo ela, é a geomorfologia, que assume as mudanças como um processo normal de evolução da paisagem. A segunda possibilidade é o impacto humano, decorrente de uso e manejo incorretos, com excessiva retirada de água, queimadas e outras formas de interferência. A combinação desses fenômenos é apontada pela pesquisa como outra possível causa do processo de desaparecimento do rio de um dos mais importantes conjuntos arqueológicos do país.

“Mesmo considerando a hipótese geomorfológica como principal, o manejo e o uso incorretos agravam a situação. E, sendo Minas Gerais uma importante zona de cabeceiras, na qual nascem rios como Jequitinhonha, Doce, Mucuri, das Velhas e São Francisco, cabe a adoção de ação imediatas do governo, em várias frentes”, considera Cristina Augustin, que integra o Departamento de Geografia da UFMG. Ela sugere a adoção de medidas urgentes para a recuperação do Peruaçu, como estímulo ao replantio de vegetação nativa, o fim das queimadas e a garantia de sustentabilidade em atividades como pecuária e agricultura.

A pesquisadora ressalta que são necessárias medidas para favorecer a penetração da água no solo. Nesse sentido, lembra que experiências realizadas durante os estudos na área do Peruaçu demonstram que a infiltração na região é lenta. Ainda segundo ela, a falta de chuvas dos últimos dois anos somente acentuou o problema, já que o processo de secamento do rio começou há mais tempo.

Cristina Augustin ressalta que há três maneiras de um rio secar: pela mudança climática, pelo uso excessivo da água do lençol freático, mesmo mantida a reposição natural, e pela diminuição do volume, “não porque esteja chovendo menos, mas pela redução da infiltração”. Nesse cenário, observa, a água tende a escoar superficialmente, especialmente em áreas com pouca cobertura vegetal, provocando enchentes.

“Não é preciso uma tragédia para secar um sistema. Bastam ações como as que estão sendo levadas a cabo há vários anos nessas bacias e que estimulam as enxurradas, como a retirada de cobertura vegetal, o plantio indiscriminado de eucalipto, a criação de gado e o uso excessivo da água do lençol freático”, afirma Cristina Augustin. Ela alerta ainda que o Rio São Francisco corre o risco de, em longo prazo, ter partes expressivas do seu trecho soterradas pela quantidade de sedimentos levada pelos seus afluentes.

Além de Cristina Augustin, integram a equipe de pesquisa na região do Peruaçu os professores Rubens Martin Moreira, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Fábio de Oliveira, do Departamento de Geografia, e Paulo Roberto Antunes Aranha, do Departamento de Geologia da UFMG. Os pesquisadores Bruno Debien e Walter Viana Neves também tentam responder por que o Peruaçu está secando.

 

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