Corria a segunda semana de janeiro de 1720, mas o conflito envolvendo a cachaça começou três meses antes. Em outubro de 1719, o capitão-mor João Lobo de Macedo, representante de Portugal em Pitangui, determinou o estanco da caninha para financiar a construção de uma igreja, da casa da Câmara e Cadeia e de um sobrado para uso do governador da capitania durante as visitas ao lugarejo. Apenas a título de esclarecimento, estanco é um monopólio estatal: apenas a coroa poderia vender aguardente.
A decisão do capitão-mor, aprovada na câmara local, não agradou aos bandeirantes, pois eles consideravam a bebida gênero de primeira necessidade à exploração do metal precioso. “A aguardente era o combustível para mover os escravos, a mão de obra usada na extração de ouro. O monopólio iria encarecer a atividade, reduzindo lucros”, diz o pesquisador Vandeir Santos, do Instituto Histórico de Pitangui.
A reação dos mineradores foi imediata.
Resultado: o conde determinou que uma tropa fosse a Pitangui pôr fim ao levante causado pelo estanco da pinga e cobrar o débito referente ao quinto do ouro. “A Rebelião da Cachaça foi a gota de fel que fez transbordar a ira de Assumar. A ordem foi prender os líderes do motim e promover o sequestro dos bens. Iria ser instaurada a devassa. Era crime de lesa-majestade (o motim), resultando em mortes na forca e esquartejamentos”, ressaltou o historiador Raimundo da Silva Rabello, autor de O payz do Pitanguy. O livro destaca que a tropa enviada pela coroa reunia 500 homens.
Os bandeirantes-mineradores organizaram uma coluna com 400 pessoas e esperaram o inimigo em trincheiras, às margens do São João. Nenhum historiador se arrisca a dizer quantas vidas foram perdidas no combate. Mas, como destaca Rabello, houve muitos mortos e feridos.
Forca
O lugarejo hoje é chamado de santuário e pertence a Conceição do Pará, emancipado de Pitangui em 1962. Lá mesmo, o bandeirante soube que o governador havia lhe decretado a pena de cabeça: seus bens em Pitangui foram confiscados e sua prisão ou assassinato seriam recompensados com moedas de ouro. Alguns historiadores defendem a tese de que o governador mandou fazer um boneco de Domingos e o enforcou em efígie. O simbólico ato, comum na época, tinha efeito jurídico de morte civil. “Domingos passaria à condição de execrável e teria suas propriedades destruídas e o solo salgado. Seus descendentes seriam declarados infames até a terceira geração, como ocorreria, posteriormente, com Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier)”, acrescentou Rabello.
A notícia teria chegado ao bandeirante em poucos dias. Em resposta a sua “morte civil”, continua Rabello, Domingos mandou fazer um boneco do governador e também o enforcou em efígie, no largo da Capela de Nossa Senhora da Conceição, no Santuário de Conceição do Pará. Outros pesquisadores refutam a história de ambos enforcamentos em efígie. No artigo Ocorrências em Pitangui, Teóphilo Feu de Carvalho sustenta que a execução só ocorreria se o réu estivesse presente em todas as formalidades processuais.
“Se não foram satisfeitas e nem cumpridas, a morte em efígie não poderia ter todas as consequências jurídicas daquele tempo, como (tem a morte) natural.
“Recebi um grupo da Universidade de São Paulo (USP). Um professor e quatro alunos. Vieram fazer um trabalho e me pediram para acompanhá-los em alambiques. Em um dia e meio, visitamos 32”, destaca José Raimundo Machado, morador de Conceição do Pará. Dono de um teatro na cidade, ele defende um roteiro turístico para lembrar a Rebelião da Pinga..