Jornal Estado de Minas

Fraude para burlar o Enem proporcionava vida de ostentação ao bando


As investigações sobre a quadrilha que se especializou em fraudes em vestibulares de medicina e provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) levaram a apreensões que indicam o elevado padrão de vida levado pelo acusado de ser um dos cabeças do bando. Em Teófilo Otoni, a equipe comandada pelo delegado Jeferson Botelho cumpriu mandados de busca e apreensão na empresa de eventos Balaio Shows, da família de Áureo Ferreira, preso no domingo em Belo Horizonte. Também foram cumpridos mandados na casa dele e em uma fazenda de seus familiares, na localidade de Lajinha, perto da cidade.



Os policiais apreenderam carros e moto de luxo, equipamentos eletrônicos, bebidas importadas, relógios e uma quantidade não revelada de dinheiro em moedas estrangeiras (dólar e euro). Para a polícia, as apreensões indicam a ostentação e a quantidade de bens adquiridos graças à renda obtida com fraudes em vestibulares e nas provas do Enem. Segundo o delegado Jeferson Botelho, uma vaga em um curso de medicina podia ser vendida por valores em torno de R$ 100 mil.

Entre os artigos de luxo que foram apreendidos com o acusado de liderar a organização criminosa em Teófilo Otoni estão dois carros importados da marca Porsche – um deles avaliado em R$ 250 mil, segundo a polícia – uma moto importada Harley Davidson, um quadriciclo, também importado, relógios de luxo, notebooks, smartphones e outros equipamentos eletrônicos, além de cartões de contas bancárias (de débito e crédito). Também houve apreensão de material supostamente usado nas fraudes, como pontos eletrônicos e fichas de inscrição em vestibulares de medicina e no Enem.

Segundo um morador de Teófilo Otoni, que não quis se identificar, Áureo Moura Ferreira, filho de um pequeno empresário da cidade, começou levar uma vida de ostentação há cerca de três anos, sem revelar a origem do dinheiro que gastava. Há pouco tempo, fez uma viagem para Dubai, emirado do Oriente Médio, onde ficou hospedado em um hotel de luxo. O novo rico também adquiriu uma casa luxuosa no Bairro Marajoara, orçada em cerca de R$ 1 milhão, que também foi alvo de um mandado de busca e apreensão ontem.



Mulheres e contas

Segundo testemunhas, Áureo também passou a ser visto em bares e casas noturnas da cidade, “desfilando” em carrões. “Ele sempre andava cercado de mulheres e pagava contas altas”, revelou uma fonte de Teófilo Otoni. Na cidade vive outro dos investigados na operação, Roger Cardoso Nogueira, de 23 anos, apontado como colaborador de Áureo.

Enem

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação e organizador do Enem, ainda não sabe quais serão os desdobramentos do esquema para o exame nacional. Por meio de nota, o Inep afirmou que ainda não havia sido informado pela Polícia Federal sobre a fraude estourada em Minas. “Sobre o caso investigado em Minas Gerais, que visava desbaratar uma quadrilha que fraudava vestibulares em instituições privadas de ensino, o Inep não recebeu da Polícia Federal, até o momento, qualquer informação ou suposta relação dele com Enem.”
O instituto ainda informou que a segurança do exame nacional é feita pela PF. Nesta edição, o Inep eliminou 1.519 participantes por tentativa de fraudes, além das prisões realizadas por agentes federais.

Defesa adota cautela

Na tarde de ontem, defensores falaram com seus clientes depois dos depoimentos dados aos delegados responsáveis pelo caso. O advogado Diego Bouchardt informou que o estudante Élzio Gonçalves, um dos acusados de participar da quadrilha, negou participação no esquema. Ele foi transferido para o Ceresp na tarde de ontem, com outros nove acusados. “Meu cliente não conhece as outras pessoas que foram presas”, argumentou. Segundo o advogado, Élzio apenas deu carona, de Montes Claros até Belo Horizonte, a três estudantes que fizeram as provas para o curso de medicina na Faculdade de Ciências Médicas no domingo. Assim que tiver contato com o processo aberto pela Polícia Civil, o advogado pretende entrar com um pedido de liberdade para o cliente.





Segundo o advogado Délio Gandra, que representa três dos principais suspeitos de integrar o esquema – Áureo Moura, Roger Cardoso e Carlos Lobo – os clientes estão com prisão temporária decretada, que vale por cinco dias. “Vamos aguardar a distribuição do inquérito, para saber quais são as acusações que pesam contra eles”, disse o advogado. Gandra estranhou que os estudantes, que teriam se beneficiado da “suposta fraude”, tenham sido soltos mediante fiança. “Temos que avaliar se houve uma fraude ou apenas uma tentativa.”

VESTIBULAR MANTIDO Por meio de nota, a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) informou que tem acompanhado as apurações da Polícia Civil relacionadas à fraude em seu vestibular para o curso de medicina. “A FCM foi informada da investigação e vem, desde então, colaborando com a polícia na identificação dos responsáveis, o que permitiu, inclusive, a infiltração de diversos policiais nos locais de prova”, explicou o comunicado.
Segundo a instituição, entre os suspeitos estão candidatos que usavam micropontos eletrônicos e pessoas que estavam do lado de fora dos locais de aplicação. “Os candidatos identificados pela polícia como participantes do esquema fraudulento serão excluídos do processo seletivo, de acordo com o previsto no edital do vestibular 2015”, informou. A faculdade acrescentou que a prisão dos envolvidos não resultou em prejuízos para o processo seletivo, que não será cancelado.