Jornal Estado de Minas

Jovem de 23 anos morto em operação policial se preparava para casar

O clima de comoção e revolta tomou conta do aglomerado no Bairro Calafate, na Região Oeste de Belo Horizonte. Três ônibus foram queimados por moradores

Junia Oliveira

O primeiro ônibus foi queimado ainda na noite de sábado na Avenida Tereza Cristina, logo após abordagem de um adolescente por um policial militar. Segundo a PM, o menor portava oito pinos de cocaína - Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press.

A morte de um jovem de 23 anos com um tiro na cabeça durante operação de policiais militares causou revolta de moradores, que incendiaram três ônibus no Bairro Calafate, na Região Oeste de Belo Horizonte. O crime aconteceu na noite de sábado e o disparo teria sido feito por um policial. Um adolescente de 15 anos também ficou ferido. Ontem, o clima era de comoção e revolta. A madrugada de segunda-feira foi tranquilo no local, conforme informou a PM.

Moradores e a PM apresentaram versões diferentes para o caso. Segundo moradores, tudo começou com a abordagem de um policial do 22º Batalhão na favela da Rua Bimbarra, ao adolescente, que tem problemas mentais. O pai dele, o comerciante Alex Sandro Alves da Silva, de 40, dono de um negócio de estofados no Barreiro, interferiu para que os militares soltassem o garoto.

Depois de serem liberados, eles andaram alguns metros e foram surpreendidos por policiais, que os agrediram. Nesse momento, familiares e vizinhos que estavam sentados em frente às casas se levantaram para questionar os militares por que batiam nos dois. Um deles era Alexandre Souza, de 23, que estava mais à frente do grupo e, ao levantar a mão, tomou uma rasteira, caiu e, ainda na versão dos moradores, ao tentar se levantar, foi atingido com um tiro na testa, na altura da sobrancelha.

Em seguida, a PM teria começado a disparar vários tiros, que acertaram Alexandre novamente no ombro e o adolescente, que correu, na virilha. “Ninguém dá um tiro na cabeça em legítima defesa. Foi muita sorte ninguém mais ter sido atingido”, afirma a costureira Samanta Valezi, de 20, que estava no local no momento da ocorrência.

Testemunhas afirmaram ainda que a polícia jogou uma sacola com cocaína perto de pai e filho. “Os dois tinham sido liberados e, de repente, estão com drogas? Como a polícia explica isso? Apontaram arma até para bebê de colo”, questiona a jovem. A também costureira Kelly Lopes, de 42, disse que tentava tirar a mãe de Alexandre do lado do corpo quando viu uma arma apontada para sua cabeça: “Pedi calma ao policial e expliquei que estava apenas tentando tirá-la de lá”. Vários moradores confirmaram que o jovem morreu na hora.

COCAÍNA
A Polícia Militar deu outra versão para o caso. Segundo a corporação, um soldado fazia patrulha num beco quando apreendeu o adolescente, que estaria com oito pinos de cocaína. Ao ver o filho detido, Alex Sandro e outros quatro homens teriam partido para cima do militar e tirado o garoto dele.
O soldado pediu ajuda a outros três colegas, que vigiavam outro beco, ponto de tráfico de drogas, para resgatar o menor. Depois, outras 50 pessoas cercaram os militares e os agrediram fisicamente e com paus e pedras, acertando também a viatura. Na confusão, um dos envolvidos, que seria Alexandre, teria tentado pegar a arma do policial, quando houve o disparo acidental.

A PM afirma que o jovem foi levado para a UPA Oeste, onde foi socorrido, já que os militares não têm capacidade para atestar a gravidade do ferimento. Mas a Secretaria Municipal de Saúde informou que Alexandre chegou já morto, com perda de massa encefálica. Os militares disseram que tentaram apreender o adolescente novamente, mas que ele fugiu. O menino, no entanto, foi levado pelos vizinhos ao Hospital Odilon Behrens. Já o pai dele foi detido e autuado por dano ao patrimônio e resistência. Ele está preso no Ceresp Gameleira.

A ocorrência foi encerrada na Central de Flagrantes e, de acordo com a Polícia Civil, hoje, o chefe da 2ª Delegacia Sul vai analisar a situação para decidir se abrirá inquérito.
A assessoria da PM informou que o caso está sendo tratado como homicídio e admite que o disparo saiu da arma do policial. Caso a Civil apure alguma responsabilidade dos militares envolvidos, haverá procedimento administrativo.

Casamento estava marcado para 2015


Alexandre Souza, de 23 anos, era um dos nove filhos do funcionário público e líder comunitário Elton dos Santos Moura, de 51. Ele ganhou recentemente do pai um caminhão e trabalhava com carreto. Era noivo e estava reformando a casa da mãe para morar com a futura mulher, com quem se casaria no ano que vem. Ele deixa uma filha de 3 anos. Tido como apaziguador na comunidade, era conhecido por não gostar de brigas.

Elton recebeu a notícia da morte num churrasco que comemorava a aprovação de uma das filhas no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Para mim, foi homicídio. Criei o Alexandre desde que ele tinha 1 ano e 8 meses para a polícia vir e tirar a vida dele.”

Ontem, o clima estava tenso na vila. Policiais chegaram logo cedo com armas em punho e só pararam de dar voltas pelo local depois da chegada da imprensa. O primeiro ônibus foi queimado logo depois da morte de Alexandre. Ontem de manhã, a polícia cercou o local. No começa da tarde, outros dois coletivos foram atacados, todos com passageiros, que desceram antes. O motorista do terceiro veículo foi obrigado a parar por um grupo de pessoas com pedras e pedaços de paus. Policiais agiram rápido e conseguiram evitar que o fogo se espalhasse por todo o ônibus.

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