Jornal Estado de Minas

Apagão de motorista do BRT Move acende sinal de alerta

Condutor de ônibus de 28 toneladas perde a consciência e articulado quase provoca tragédia: em 70 metros de destruição, 13 veículos foram atingidos e 18 pessoas se feriram. Profissão é sujeita a alto grau de estresse

Jorge Macedo - especial para o EM
Pedro Ferreira, Bruno Freitas, Andréa Silva, Luana Cruz e Landercy Hemerson
 
Destruição em frente e verso - Coletivo do BRT/Move parou depois de arrastar um ecosport, uma van e atingir outros 11 veículos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press.

A dona de casa Célia Aparecida Guimarães, de 58 anos, viveu um pesadelo acordada, às 7h20 da manhã de ontem.

Ela estava a caminho de uma consulta médica, andando pela calçada da Avenida Alfredo Balena, na Região Hospitalar de Belo Horizonte, quando um barulho ensurdecedor chamou a sua atenção. Célia olhou para trás e se assustou com um ônibus de 28 toneladas e 18 metros de comprimento vindo desgovernado em sua direção, destruindo os carros e tudo o que encontrava pela frente. O motorista Ramon Apolinário de Lima, de 29 anos, sofreu um “apagão” na direção de um ônibus articulado da linha 82 do BRT/Move (Savassi/Hospitais), que atingiu 13 veículos, entre eles um coletivo da linha 5503 A (Goiânia).

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O resultado do desastre foi um rastro de destruição de 70 metros: a um triz de provocar uma tragédia, o articulado só parou sobre o passeio, depois de passar por cima de um semáforo de pedestre, destruir placas de sinalização, bater de raspão em uma árvore e arrastar um Ford EcoSport e uma van por vários metros. O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou ontem que o pagamento dos prejuízos depende de avaliação das cláusulas do seguro e, eventualmente, de ações judiciais.

O acidente – o nono envolvendo coletivos do Move desde a implantação do sistema e o de maiores proporções – chama a atenção sobre as condições dos motoristas encarregados de transportar passageiros em uma profissão reconhecidamente suscetível ao estresse, principalmente diante das dimensões dos novos ônibus incorporados ao sistema de Belo Horizonte. No desastre de ontem, 18 pessoas ficaram feridas, entre motorista e passageiros do coletivo e ocupantes dos carros. Todos foram atendidos no Hospital João XXIII e no Hospital das Clínicas, próximos ao local.

“Pela destruição dos veículos, foi sorte ninguém ter morrido. Testemunhas relatam que o ônibus passou entre os carros, jogando todos para as laterais”, conta o tenente Gil César de Paula, do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran). Peças dos veículos ficaram espalhadas pelo asfalto e houve vazamento de combustível na pista.

Na noite de ontem, o Estado de Minas conseguiu contato com o motorista do ônibus . Ramon Apolinário de Lima permanecia internado no Hospital João XXIII, onde passaria por avaliação neurológica. Em entrevista concedida pouco após o desastre, o condutor disse ter perdido a consciência ainda quando subia a Avenida Francisco Sales. Ele, inclusive, se desviou de sua rota: deveria seguir direto, passar em frente à Santa Casa e virar na Avenida Brasil, mas virou à direita antes da Praça Hugo Werneck e pegou a Avenida Alfredo Balena, no sentido Centro. Ramon andou por vários metros agarrado ao volante, paralisado, sem se lembrar de nada. “Senti muito sono e acho que dormi ao volante. O cobrador disse ter me chamado várias vezes, mas não escutei. Acordei e já tinha batido nos carros. Não vi nada”, contou o motorista. O teste do bafômetro comprovou que ele não havia ingerido bebida alcoólica.

Ramon contou que acordou por volta das 3h50, depois de quase 12 horas de sono, para pegar serviço às 5h. Porém, como sentia fortes dores de cabeça e no corpo, tomou um analgésico e relaxante muscular antes de seguir para a sede da empresa Bettânia Ônibus, no Bairro Betânia, Região Oeste.
Pegou o articulado para começar a rota a partir da Estação São Gabriel, na Região Nordeste. O acidente aconteceu na segunda viagem. “Não comentei com ninguém que estava passando mal. Mas não é a primeira vez que sinto dor de cabeça. Tomo remédio direto”, contou.

Motorista profissional há quatro anos, Ramon afirmou que há três é condutor de ônibus, depois de um ano ao volante de caminhões. “Fiz dois meses de treinamento para dirigir os ônibus do Move”, informou. O cobrador Napoleão Jorge conta que trabalha com o colega há dois meses e que nunca percebeu nada de diferente nele, nem mesmo ontem, antes do desastre. Na hora do desespero, ele conta que tentou de todas as formas despertar o motorista. “Os passageiros assustados, gritando, querendo descer, mas o Ramon não reagia de jeito nenhum.
Ficou paralisado”, contou. Segundo ele, são sete horas e 20 minutos de jornada diária. No dia anterior, a dupla pegou serviço às 5h e largou ao meio-dia. “Tivemos tempo para descansar”, contou.

Congestionamento

O trânsito parou em diversas regiões da cidade por causa do acidente, apesar dos desvios montados pela BHTrans para tentar garantir o fluxo de veículos. Das 7h20 às 10h49, a pista da Avenida Alfredo Balena sentido Centro permaneceu isolada para o trabalho da perícia, que foi demorado devido à quantidade de carros e pessoas envolvidos. Às 9h50, os veículos começaram a ser rebocados. Na noite de ontem, além do motorista do coletivo, uma das 70 passageiras do ônibus permanecia em observação no Hospital João XXIII. Os demais feridos foram liberados.

Três perguntas para...
Ramon Apolinário de Lima, motorista

 

Como aconteceu o acidente?
Por que você saiu do seu itinerário?


Tudo foi muito rápido. Senti um mal-estar ao virar o ônibus para a direita na Avenida Francisco Sales. Mas não me lembro de nada. Não sei o que aconteceu. Antes do BRT, em abril, eu dirigia um ônibus da linha 3050 que passava pela Avenida Alfredo Balena, mas no sentido contrário ao da pista onde aconteceu o acidente.

Você, aparentemente, estava bem fisicamente depois do acidente. Qual o motivo da sua internação?
Você sente alguma dor?


Não, só a dor de cabeça. Acordei com ela e continua até agora (às 19h50 de ontem). Agora mais leve, pois fui medicado. Sinto também uma dorzinha na coluna, por causa do cinto de segurança. Fui internado para fazer uma avaliação neurológica, por causa do meu apagão, mas o exame ainda não foi feito. Uma psicóloga conversou comigo e quis saber se eu dormi bem à noite e se me alimentei. Eu disse que fui para a cama às 4 horas da tarde de ontem (16h de segunda) e não jantei. Acordei 3h50 da madrugada para trabalhar e tomei café com leite e comi dois pães. Só isso.

Qual a avaliação da psicóloga?
Ela disse que, se eu tivesse tomado bebida alcoólica, eu iria acordar na primeira batida do ônibus. Mas eu não bebo. Não foi imprudência minha. Eu amo a minha profissão. Amo o que eu faço.

 

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Terror que não sai da memória


O Eco Sport do cirurgião Antônio Eustáquio de Oliveira, de 61 anos, foi o último veículo a ser atingido pelo ônibus articulado. O filho do médico, o estudante Kaio Greco Oliveira, de 23, havia acabado de estacionar em frente ao Hospital das Clínicas quando o acidente ocorreu. O rapaz estava indo para a aula em uma universidade próxima, mas antes foi se encontrar com o pai, que havia acabado de sair do plantão e seguiria para dar aula em uma faculdade na Pampulha. O médico assumiria a direção, quando ocorreu o acidente.

“De repente, ouvimos um estrondo e quando olhamos para trás vimos o ônibus do Move arrastando vários carros. Gritei para o meu pai: ‘Corre!’. Em seguida, nosso carro foi atingido. Ele rodou na pista, bateu no meu braço, e a porta atingiu a mão do meu pai, provocando uma fratura exposta em um dos dedos”, contou Kaio. Segundo ele, muitos funcionários do Hospital das Clínicas saíram para socorrer as vítimas. Oliveira recebeu alta no início da tarde. Como Kaio sofreu apenas escoriações leves, ele ficou no local para registrar o boletim de ocorrência.

A cena do desastre não sairá tão cedo da memória das vítimas. “Eram carros rodando no asfalto, pedaços de carros voando e muita fumaça. Achei que o mundo estivesse se acabando. Minhas pernas não saíam do lugar. Eu tentava correr e não conseguia. Foi um milagre ninguém ter morrido”, relatou a dona de casa Célia Aparecida Guimarães, de 58, vítima do acidente, duas horas após o desastre.

No ônibus viajam 70 passageiros e todos entraram em pânico e começaram a gritar quando as batidas começaram e o motorista seguia atingindo outros carros, sem diminuir a velocidade. O cobrador do coletivo, Napoleão Jorge, conta que o colega não chegou a desmaiar “Ele apagou completamente, mas sentado e agarrado ao volante, com os olhos abertos. Quando o ônibus parou, as pessoas perguntavam se ele estava bem e ele dizia que estava, mas que não sabia onde estava. Eu desliguei o ônibus e tirei a chave”, contou. (Com PF).